Proteção Social no SUAS a indivíduos e famílias em situação de violência e outras violações de direitos

Voltando a atualizar o BPS aos poucos e na postagem de hoje trago a divulgação dos novos cadernos de cursos do MDS/SNAS. Continuarei divulgando materiais que ainda não deram o ar da graça por aqui (sei que vocês amam quando compartilho materiais 🙂 – Muitos de vocês já tiveram acesso a estes cadernos mas é relevante deixá-los no nosso acervo também e assim, quem for chegando por aqui poderá acessá-los. Os cadernos foram elaborados em 2018, numa parceria entre a Escola Fiocruz de Governo e a Secretaria Nacional de Assistência Social – SNAS. Cadernos SUAS 2018 Para fazer o Download clique abaixo: Proteção Social no SUAS a indivíduos e famílias em situação de violência e outras violações de direitos: fortalecimento da rede socioassistencial A criança e sua família no contexto dos serviços socioassistenciais Serviço de acolhimento para crianças e adolescentes: proteção integral e garantia de direitos

Atendimento psicossocial ou interdisciplinaridade na assistência social?

Quando iniciei, em 2009, meu trabalho no CRAS eu fui orientada que os atendimentos eram psicossociais. Eu achei ótimo, uma vez que eu já conhecia a abordagem psicossocial. Mas com o passar do tempo e com o desenvolvimento da minha capacidade de observação e análise do que se fazia nos serviços e principalmente o estranhamento quanto ao sentido que as pessoas davam ao termo psicossocial, eu descobri que algo estava equivocado. A ideia de que o atendimento é psicossocial nos serviços (PAIF, PAEFI e nos demais serviços da Assistência Social) foi propagado como atividade conjunta da psicóloga com a assistente social – Escreva o primeiro comentário quem nunca pensou assim ou ouviu tal afirmativa em reuniões com gestores, coordenadores, em atividades oficiais ou bastidores em congressos, seminários e teleconferências do MDS. Para escrever este texto percorri todos os principais cadernos oficiais de orientações técnicas e não encontrei o termo psicossocial como é entendido nos serviços da Assistência Social. Então por que esse conceito ganhou tanta força? Talvez porque para as assistentes sociais estava marcado que o trabalho era conjunto com o profissional de psicologia, enquanto que para a psicóloga era o argumento que desbancava qualquer proposta terapêutica/psicológica. Para os gestores/coordenadores pode ter sido a maneira mais fácil de entender e passar a ideia do trabalho coletivo nos serviços aos membros das equipes. Minha análise direciona para a proposição de que o “psicossocial” passou, equivocamente, a assumir um lugar que deveria ser o da defesa do trabalho interdisciplinar. Interdisciplinariadade no SUAS é tomada como diretriz para toda metodologia de trabalho adotada, ou seja, é prevista como base para o desenvolvimento dos processos de trabalho com as famílias e com o território. Como o atendimento na Assistência pode ser psicossocial (como proposta de intervenção de duas profissões) se as equipes dos serviços são compostas por múltiplas profissões? Como juntaremos os profissionais da Pedagogia, da Terapia ocupacional, do Direito, da Sociologia, da Antropologia e dos demais previstos na Resolução nº 17 de 2011? A resposta é o campo da interdisciplinaridade – Veja o tabela interdisciplinaridade- psicossocial –  porque este é o preceito para a atuação técnica nos serviços, no trabalho social com famílias. É este termo que encontramos nas principiais normativas técnicas dos serviços que compõem a rede socioassistencial. Mas porque ele não viralizou como o psicossocial? Será por que os serviços foram implantados com a presença mais numerosa dos profissionais das categorias do Serviço Social e Psicologia? Seria uma explicação muito simples e objetiva, por isso eu tenciono para a ideia de que a interdisciplinaridade é ainda campo desconhecido ou não praticado pelos profissionais, os quais estão atuando mais na lógica multidisciplinar. Considero relevante afirmar que atendimentos – ações particularizadas ou visitas domiciliares, em dupla não significa que o trabalho está sendo interdisciplinar. Bem como ao postular que o trabalho tem base na interdisciplinaridade não se está dizendo que a única maneira de fazê-lo é por meio da dupla. Escreva o segundo comentário quem nunca ouviu: “fulana é minha dupla” “eu amo a minha dupla”! Trabalho interdisciplinar requer, sobretudo, um rompimento de paradigma. Para exercer a interdisciplinaridade é preciso romper com a ideia de que os problemas podem ser subdivididos em categorias, onde para cada situação haveria um especialista. As situações de vulnerabilidades e riscos sociais são compostas por multidimensões e qualquer tentativa de dissecá-las para eleger qual parte pertence a um determinado conhecimento, quebra-se as interconexões e as complexidades que as constituem. Família, território, violência, institucionalização, são temas complexos e para questões complexas, respostas complexas. Tendo compreendido que o termo psicossocial está sendo usado de forma deslocada e esvaziada, espero ter contribuído para que você abra essa roda e deixe chegar os demais saberes. No próximo texto apresentarei o conceito psicossocial como abordagem metodológica, tendo como campo teórico a psicologia social e comunitária, além de referenciar alguns livros sobre a intervenção psicossocial. Instagram do Blog: @psicologianosuas Facebook: Blog Psicologia no SUAS Acesse o Texto II: Abordagem psicossocial e a práxis na Assistência Social

Série Desafio do diferencial científico-profissional no SUAS

Sobre a Série Desafio do diferencial científico-profissional no SUAS Hoje inicio uma série referente a desafios que serão lançados no Instagram do Blog (@psicologianosuas) O nome da série é “Desafio do diferencial científico-profissional no SUAS”, onde o objetivo é revelar malfeitos em atendimentos no SUAS com provocação de diálogos para problematização e proposição de mudança de perspectiva para a profissionalização e o aprimoramento do Trabalho Social com Famílias – TSF. Tenho usado o Instagram do Blog para atualização mais constantes. A interação está tão potente que tem desencadeado várias ideias para textos. E assim, fica definido o formato dessa série: periodicamente será lançado uma situação exemplo (sempre no Instagram e Facebook), onde será solicitado comentários e análises dos colegas e posteriormente vem a ideia final para o texto-resposta. Por que realizar esta série de Desafios? O exercício é promover a identificação de conceitos teóricos e técnicos a respeito do atendimento que, claramente, foi inadequado. Provocar sobre a necessidade de se sair do automatismo das ações para conseguir ampará-las em abordagens teóricas e nas recomendações técnicas dos serviços. Assim, penso que um bom exercício para se manter propositivo, teórica e tecnicamente, é não banalizar a rotina do trabalho. Rotina pode ter conotação pejorativa, não é o caso aqui. Poderia então falar em processos de trabalho, mas escolho ‘rotina’ porque é onde as armadilhas capturam o profissional. Captura-os nos momentos da pressa, da correria, da iminência ou da necessidade de apagar um incêndio. Estamos sendo o tempo todo acionados, mas e quanto ao circuito da rotina diária ou agenda anual, estamos abastecidos pelas teorias e técnicas que aprendemos e nos conferiram o lugar de profissionais? Quantas vezes já ouvi de um profissional de nível médio (motorista, orientador, facilitador) que queria fazer serviço social ou psicologia (confesso que serviço social ganha disparadamente) porque eles poderiam ganhar mais fazendo o mesmo que já faziam! O motorista é porque acha o trabalho social fácil.😱 Essa fala sempre me deixa reflexiva. O técnico de nível médio -TNM querer estudar é maravilhoso, mas o assustador é saber que ele não consegue diferenciar o fazer dele do fazer do profissional de nível superior. O susto não é porque o TNM equipara os fazeres, mas é porque o fazer do TNS não foi capaz de explicitar as diferenças. Poderia falar mais sobre outros desdobramentos provocados por essa percepção nebulosa no ambiente de trabalho, mas o foco aqui é responder ao desafio problematizando se os profissionais de nível superior estão conseguindo impedir que sejam capturados pelos malfeitos durante a rotina de trabalho. É comum escutar que os profissionais estão cansados de teorias e orientações técnicas, querem mesmo é saber sobre a prática. Mas como haverá de ter prática crítica e propositiva sem teoria? Minha hipótese é que muitos acham que estão cansados porque na rotina só conseguem enxergar a demanda bruta e a imposição para enfrentarem, de imediato, as urgências do dia, da semana. É preciso lembrar que elas não são novas! Olha que interessante: Diante de uma situação urgente (estado de desproteção social persistente), a gestão ou a rede cobra uma intervenção como se a situação fosse uma emergência, ou seja, algo imprevisto e que requer reposta imediata. Portanto, para as demandas urgentes, as mais comuns na rotina, que as repostas sejam pautadas no conhecimento profissional e no planejamento. Acredito que com esses argumentos, fixo-os à práxis e ao posicionamento ético-político em toda intervenção profissional no SUAS. Então, seguindo à minha “resposta” ao desafio proposto, questiono: Na rotina, na objetividade das ações demandadas, como identificar se se está cumprindo o esperado científica e profissionalmente? Uma importante estratégia é realizar estudos e reuniões técnicas para avaliar as ações e ter assessoramento/supervisão. Desafio #01 – Conceitos para qualificar o Trabalho Social com Famílias Vamos então ao desafio discorrendo sobre aos conceitos que considero subjacentes a este atendimento exemplificado, sabidamente, equivocado: Território e Diagnóstico Socioterritorial Para que? Conhecer o recorte geográfico e a cobertura de transporte coletivo na área de abrangência do CRAS. Não pontuarei as demais dimensões de território porque o foco do exemplo é a distância geográfica. Trabalho Social com famílias pautadopeloDiagnóstico Socioterritorial, uma vez que é um instrumento capaz de fornecer esse subsídio para intervenções pautadas na realidade do território.   Plano de Acompanhamento Familiar – PAF Por que? Família em estado de vulnerabilidade de renda, com demanda para cesta básica deve estar em acompanhamento familiar (salvo se haver recursa). Lembrando que acompanhamento sem plano, provavelmente, está mais para atendimentos pontuais! Com o PAF em andamento e norteando as ações, a equipe poderia lançar como estratégia os atendimentos domiciliares, considerando a ausência de transporte e precariedade de renda. E provavelmente, com o plano, a situação de insegurança alimentar já teria sido considerada logo nas primeiras intervenções. Acolhida Esta acolhida mencionada no exemplo não é a ação essencial do PAIF. Por quê? Chamei de acolhida para pontuar a confusão que se faz entre a Acolhida, uma ação postulada como uma metodologia de assistência/atendimento e a acolhida que é a maneira como TODOS os membros da equipe recebem os usuários na unidade ou como interagem com os mesmos na comunidade (ter postura atenciosa e empática. É ter genuíno interesse pela pessoa/família que está sendo atendida). No exemplo, ao apontar que a mulher já era usuária da unidade, subentende-se que a acolhida (como ação do PAIF) já ocorrera. Mas é bom se atentar que a acolhida não acontece uma única vez, está posto sumariamente porque o desafio requer um fechamento mais objetivo – Sugiro a leitura dos conceitos abordados nos cadernos de orientações dos serviços e na PNAS P.S. Outras avaliações são possíveis para este exemplo apresentado. Portanto, caso queira acrescentar suas análises, saiba que será de extrema valia conhecê-las. Instagram do Blog: @psicologianosuas Facebook: Blog Psicologia no SUAS _______________________________________________ Atualizado em: 21/07/2019

Sobre modos e meios de resistência ao desmonte da assistência social

Por Rozana Fonseca Levei tempo tentando achar o tom mais adequado para este texto, porque tenho medo de produzir discurso enviesado na responsabilização de quem é vítima. Mas já escrevi dois textos marcando minha indignação quanto ao governo atual e por isso a escolha por este caminho, além do mais, não dá para desfazer o governo (se fosse mulher no posto, até que dariam um jeito…). Diante do retrocesso (ranço dessa palavra, mas não conheço outra melhor e mais capaz de condensar o que estamos vivendo), da retirada à fragilidade dos direitos (todos eles: humanos, sociais, civis, políticos), muitos me perguntam: Como continuar acreditando no SUAS? Como manter a motivação? O que fazer diante do desmonte, falta de profissionais, redução ou fechamento de unidades de proteção social? É difícil propor respostas a essas inquietações sem particularizá-las porque temos uma diversidade de situações e contextos – considerando os aspectos socioeconômicos e políticos de cada região do Brasil, mas eu desconfio que se faz urgente repensar nossa ausência nas instâncias de controle social, bem como questionar a qualidade quando há participação. Os tempos são sempre de resistência e de luta para vários povos, minorias, e movimentos sociais – mas aos tempos atuais, acrescenta-se tensão, terrorismo, autoritarismo, Fake News e amadorismo. Lutas por direitos, por transformações sociais, são campos de forças e na maioria das vezes o governo impera.   Vejo como saída mais disponibilidade para participar dos campos de disputas e defesas de interesses coletivos. Porque acredito que o cenário atual escancara a nossa falta de mobilização e de ocupação dos espaços de controle e participação social. Mas também expõe a fragilidade dos resultados dessas instâncias. Fragilidade porque a manutenção e o porquê desses espaços não estão solidificados e não têm o mesmo prestígio nas diferentes regiões. Nas grandes cidades temos organizações de grande atuação e com indiscutível relevância enquanto que nas médias e pequenas cidades há uma lacuna enorme de organizações coletivas. Cada centro urbano com suas dificuldades. Nas metrópoles, mesmo com várias organizações coletivas, é sabido que a participação popular não é muito expressiva ou os espaços mais disputados, são concorridos pelas mesmas pessoas, estas que revezam nos cargos de representatividade diante da falta de pessoas interessadas em disponibilizar tempo de sua jornada para lutar por causas coletivas. Nas médias e pequenas cidades os espaços são dificultados pela personalização das relações, pela rotatividade dos profissionais e pela precarização dos vínculos trabalhistas, o que força o profissional a trabalhar em dois ou mais municípios para receber um vencimento razoável. Vou problematizar as conferências municipais dos conselhos de direitos porque já presenciei muita participação protocolar nesses espaços e porque também defendo que não há meios de aperfeiçoar uma prática senão passarmos pela criticidade e pela análise da efetividade do que está sendo feito. Por isso pontuo algumas situações a serem superadas: Trabalhadores presentes em conferência para cumprir dia de trabalho e para desempenhar atividades operacionais e de logística. Trabalhadores como facilitadores dos grupos de trabalho porque foram designados para tal função, contudo não fazem a menor ideia do que são as temáticas a serem discutidas. Trabalhadores que não sabem se estão como governo ou sociedade civil (o resultado desse equívoco é desastroso e sintomático porque evidencia que os trabalhadores estão alheios ao seu lugar de disputa e defesa). Cabe a pergunta: testemunha-se tal situação por desinteresse dos trabalhadores ou pelas condições de gestão do trabalho no SUAS que não viabilizam estudos, capacitações? Se olharmos mais de perto, vamos encontrar as duas variáveis. E os usuários? salvo um número pouco expressivo, estamos longe de afirmar uma participação efetiva. Já presenciei usuário conselheiro votando em pauta que apenas favorecia interesses do governo, minha atenção ao seu voto foi maior ao vê-lo dias antes em reunião com gestor da assistência social – este que o convocou para um encontro. Conseguinte, o descrédito e a depreciação desses espaços deliberativos são inevitáveis. A desmotivação para se dedicar a esse campo também se torna certa, daí perguntamos, quais motivos temos para acreditar em um processo tão passível de dissimulação?  Serão esses os motivos da ausência de tanta gente? Ou serão essas ausências as motivadoras desses resultados protocolares e questionáveis? Então, como resistir usando ferramentas que nós desconhecemos ou que pouco lhes conferimos créditos? É sabido que conferências, conselhos de direito já funcionaram como marcos decisivos no avanço dos direitos sociais e já se mostraram como possibilidade efetiva de participação da sociedade civil nas decisões do governo. E é válido pontuar que a natureza de intensas disputas e tensões de forças não são ruins em si mesmas, pois são inerentes a construções heterogêneas com vários interesses em pauta. O que não dá é só um lado da força se apossar do terreno, munidos pelo privilégio do acesso e conhecimento do sistema, e se fazer presente de maneira tão desonesta.  Uso o exemplo do conselho ou conferência, mas é preciso se abrir para os espaços de defesa da classe trabalhadora e dos usuários como Fóruns municipais ou regionais dos trabalhadores, Fóruns municipais dos usuários, pois são imprescindíveis como resistência e construção coletiva para evitar o que falei no início do texto: a perseguição política e personificação das lutas. Discorridas as críticas ao modus operandi dessas instâncias coletivas e à nossa exígua presença nas mesmas, por onde podemos começar? Participar como ouvinte das reuniões ordinárias do CMAS e outros conselhos de direitos, bem como de outras políticas púbicas do município; Ficar atentos no prazo da eleição de composição dos conselhos; Criar fórum dos trabalhadores ou reativá-lo; Mobilizar, incentivar e colaborar com os usuários para que os mesmos possam ser capazes de decidir e organizar seus espaços de lutas e defesas coletivas. Incorporar nas atividades coletivas dos serviços do SUAS, ao longo do ano, as temáticas e práticas de participação e controle social; Participar de sessões ordinárias na Câmera de vereadores; Acionar o Ministério Público diante de assédio moral no trabalho; Acionar o Ministério Público frente a ameaça aos direitos sociais (é nossa função a defesa social e institucional, mas sozinhos