A Psicologia no CREAS: os desafios da mudança de um paradigma
Por Lívia de Paula* A questão da prática da (o) psicóloga (o) no SUAS, embora seja um assunto no qual já observamos muitos avanços, ainda causa dúvidas, inquietações e angústias para as (os) profissionais que atuam na Política de Assistência Social. Sobre esse tema, Rozana Fonseca escreveu dois textos riquíssimos há pouco tempo aqui no Blog. Sugiro a leitura: Atendimento psicossocial ou interdisciplinaridade na assistência social? e Abordagem psicossocial e a práxis na Assistência Social. Em um deles, ela trabalha as diferenças entre os termos interdisciplinaridade e psicossocial. É de suma importância para nós, profissionais do SUAS, compreendermos essas diferenças, para que possamos atuar em conformidade com aquilo que entende-se como essencial aos preceitos da Política de Assistência Social. No segundo texto, Rozana vai trazer o conceito de psicossocial como metodologia. Contidas no seu texto, estão referências bibliográficas preciosas sobre o assunto. Ela aponta também para a experiência da Saúde Mental no campo da Atenção Psicossocial, que muito pode nos auxiliar para a compreensão desta abordagem. São dois textos bastante completos sobre o tema, com os quais pretendo dialogar nesta minha contribuição. O texto de hoje atende a solicitação de uma leitora deste espaço. Seu desejo é de ampliar sua compreensão acerca do atendimento psicossocial pela psicóloga (o) no CREAS. Sobre este tema, Pereira Junior (2014) conduziu sua pesquisa de mestrado que gerou um livro referenciado ao final deste texto e o qual sugiro para leitura. Nesta pesquisa, o autor investigou a atuação das (os) psicólogas (os) nos CREAS de quatro municípios da região metropolitana de Belo Horizonte, a partir de sua própria inserção em um destes equipamentos. Pereira Junior (2014) aponta um aspecto sobre o qual tenho refletido bastante nestes anos de atuação no CREAS do meu município: a amplitude de abrangência do trabalho do CREAS, sobretudo do PAEFI, que convoca a (o) profissional a um imenso conjunto de conhecimentos necessários para a intervenção nas situações atendidas. “Apesar de estarem todas na categoria violações de direitos, […] cada uma dessas situações demandaria um embasamento teórico e metodológico próprio.” (PEREIRA JUNIOR, 2014, p. 61) Sob meu ponto de vista, esta é uma importante particularidade que perpassa a atuação da Psicologia no CREAS. O desafio de conhecer minimamente cada um dos públicos e das violações com as quais irá se deparar cotidianamente. Em que pese entendermos que o foco central é o trabalho com a família, para que este trabalho seja qualificado é primordial termos contato com o percurso histórico da defesa de direitos de cada público (criança/adolescente, mulher, idoso, pessoa com deficiência, público LGBTQI+, entre outros) e com as teorias e metodologias desenvolvidas no que concerne a cada um destes públicos. É, a meu ver, um dos primeiros quesitos sobre o qual a (o) profissional do CREAS precisará se debruçar. Quais os públicos que eu atendo? O que eu sei sobre eles? Antes, é claro, faz-se necessário que essa (e) colega conheça o que é o SUAS, as Proteções Sociais e o CREAS. Outra questão abordada pelo mesmo autor é a demanda que chega até os CREAS de verificação e apuração de denúncias as mais diversas, o que produz atravessamentos de toda ordem no trabalho neste equipamento. Esta, talvez, seja a pauta mais difícil para nós técnicas (os) deste serviço. Seu enfrentamento não é simples, revela-se complexo e até ameaçador. No entanto, nosso desconhecimento quanto às diretrizes do SUAS pode contribuir para a perpetuação desta realidade. O trabalho psicossocial ofertado nos nossos equipamentos, embora atravessado por este tipo de demanda, não deve se omitir na sua função de promotor de direitos, de empoderamento e autonomia dos usuários frente à complexidade das violências por eles vivenciadas. Aqui no Blog, podem ser encontrados diversos textos que tratam dessa relação desafiadora com o Sistema de Garantia de Direitos – SGD. Eu mesma já escrevi alguns. Dê uma pesquisada, leia, se atualize sobre o assunto. Cotidianamente temos sido chamadas (os) a nos posicionar a esse respeito. Seja através do envio de relatórios, seja em reuniões com os profissionais dos órgãos de justiça. A clareza do que fazemos e dos objetivos do nosso trabalho é que nos trará a segurança necessária para esses momentos. Além destas duas, muitas outras questões estão postas quando se trata da atuação da (o) psicóloga (o) no CREAS, mas sendo o intuito do Blog primar por textos mais curtos e simples, irei focar, daqui para frente, em uma última e crucial questão, que é discutida em diversos materiais que pesquisamos: a interdição da psicoterapia e a “obrigatoriedade” do trabalho psicossocial no espaço do SUAS e, consequentemente do CREAS. Não é uma questão nova, mas me interessa pensar hoje como isso chega para as (os) profissionais dos serviços. Sobre isso, o autor com o qual estamos dialogando até aqui vai dizer que no CREAS, não raro, a (o) psicóloga (o) é demandada, por diversos órgãos e até por outros equipamentos da Assistência Social, a avaliar o usuário sob o ponto de vista da presença ou não de um trauma e de seu tratamento, inclusive com a pressão e vigilância para obtenção de resultados rápidos e precisos. Eu mesma, enquanto profissional de CREAS, já recebi solicitações similares a essa. Fica clara a dificuldade que ainda se apresenta no que refere-se à atuação psi neste equipamento. Por se tratar de um espaço que atua com situações de violência, ainda se tem uma expectativa de que a Psicologia está ali para “tratar” dos aspectos subjetivos do ocorrido, mesmo que muitas vezes o discurso seja de que não é essa a demanda. Nunca é demais lembrar, como aponta o autor citado, que: Devido a sua complexidade e transversalidade, a construção de uma metodologia de intervenção no CREAS demanda saberes de muitos campos de conhecimento, como a Psicologia, o Serviço Social, a Sociologia, a Ciência Política, a Pedagogia, o Direito, entre outros. (PEREIRA JUNIOR, 2014, p.85) O autor aponta também que a noção tradicional do psiquismo encapsulado, que compreende o indivíduo separado da sociedade não abarca a atuação da (o) psicóloga (o) no SUAS e
Cartilha da Pessoa Idosa

A cartilha tem o objetivo de auxiliar os idosos a compreenderem os seus direitos e como podem se prevenir da violência. A Cartilha da Pessoa Idosa foi elaborada pelas instituições que compõem o Comitê Interinstitucional de Defesa e Proteção da Pessoa Idosa – cooperação entre o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por intermédio da CGJ, e a FAMURS (Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul. Com textos e ilustrações, o material apresenta as garantias e os direitos dos idosos, além de auxiliar a detectar e denunciar as formas de violência… Texto adaptado da notícia de lançamento do site TJRS. Leia na íntegra – TJRS Cartilha lançada em ação referente ao Dia Mundial de Combate à Violência contra a Pessoa Idosa, que acorre a cada 15 de junho. A cartilha pode ser utilizada como material auxiliar em atividades coletivas como Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, grupos no PAEFI, PAIF, Oficinas com famílias e nos demais serviços socioassistenciais. Quero acrescentar uma observação quanto ao novo símbolo que identifica pessoa idosa em atendimentos preferenciais. O PL do Senado nº 126 de 2016 foi aprovado e agora tramita na Câmara dos Deputados sob o nº 10282/2018. Ementa PL do Senado nº 126 de 2016 : Altera a Lei nº 7.405, de 12 de novembro de 1985, e a Lei 10.741, de 1º de outubro de 2003, para dispor sobre o uso de símbolos desprovidos de caráter pejorativo na identificação de pessoa com deficiência e de idoso.
Refletindo sobre os atuais desafios para a escuta de crianças e adolescentes no âmbito do SUAS

Por Lívia Soares de Paula* Olá colegas do SUAS! Como vão vocês? Creio que temos muita gente nova por aqui, acompanhando o Psicologia no SUAS, e muita gente “das antigas” também. É com muita alegria que retomo minha colaboração aqui no Blog, com o desejo de continuar contribuindo, de forma simples e ancorada na minha prática, para as reflexões de quem, assim como eu, atua na Política de Assistência Social. O tema que escolhi para hoje foi motivado pela proximidade do dia 18 de Maio, Dia Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. Todos os anos nesta época, nos mobilizamos para o planejamento de atividades de sensibilização da sociedade sobre o assunto. Ocupamos os territórios, as escolas, abordamos o tema com crianças, adolescentes, famílias, enfim…Colocamos nosso bloco na rua! Trabalhamos a prevenção e a proteção das nossas crianças e adolescentes. E hoje estou aqui para propor algumas reflexões relacionadas à atuação das trabalhadoras e trabalhadores dentro dos equipamentos, quando recebemos os encaminhamentos e/ou demandas espontâneas de situações desta natureza. Antes de colocar nosso bloco na rua, vamos pensar juntas/os como vemos o papel dos equipamentos, em especial do CREAS, no acompanhamento deste tipo de situação? Não sei se é do conhecimento de todas/os, mas em 2017 foi sancionada a Lei nº 13.431/2017, que estabeleceu o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência. Esta lei visou normatizar e organizar o SGD, criar mecanismos para prevenir e coibir a violência e estabelecer medidas de proteção à criança ou adolescente em situação de violência. Se você ainda não conhece, sugiro a leitura da lei na íntegra. Ela tipifica as formas de violência, estabelece direitos e garantias, aborda a integração das políticas de atendimento (estando a assistência social incluída) e conceitua os procedimentos nomeados de Escuta Especializada e Depoimento Especial. Esta lei entrou em vigor no ano passado, decorrido um ano de sua publicação oficial. Também no ano passado, foi publicado o Decreto nº 9.603/2018, regulamentando a Lei 13.431/2017. Neste Decreto detalhou-se alguns aspectos contidos na lei sobre o fluxo e organização do SGD e sobre o Depoimento Especial e a Escuta Especializada. A Assistência Social consta no referido documento como um dos campos, junto com outras políticas públicas, para a realização do procedimento de Escuta Especializada. Embora o Decreto, a meu ver, tenha trago alguns contornos necessários que não haviam sido dados pela Lei, ainda assim sabemos que este é um campo arenoso, que trata de um tema polêmico e espinhoso, no qual ainda encontramos muito mais dissensos que consensos. Há profissionais e órgãos institucionais que defendem nossa atuação direta (enquanto psicólogas/os e assistentes sociais) na prática de inquirição de crianças e adolescentes para fins de responsabilização dos autores das agressões e há profissionais e órgãos que discordam desta proposta como está atualmente desenhada. Tenho meu posicionamento a respeito, alinhado com o posicionamento e as orientações do Sistema Conselhos de Psicologia. Se vocês não conhecem o posicionamento do Sistema Conselhos, vale fazer uma pesquisa no site do Conselho Federal e no site dos seus Conselhos Regionais também. O CRP04, aqui de Minas Gerais, promoveu há um tempo atrás, um Psicologia a Foco sobre este assunto, que continua atual e está disponível na página do Facebook do Conselho. Mas este não é o debate sobre o qual quero me debruçar aqui. Se vocês discordam de nossa atuação nesta seara ou concordam, esse é um assunto para ser debatido em outro momento com toda cautela que o tema requer. Por ora, um dos pontos que me interessa apontar é que, discordando ou concordando, temos, cotidianamente, recebido no SUAS solicitações de escuta destas crianças e adolescentes. Algumas condizentes com o papel dos nossos equipamentos, outras nem tanto. Esta constatação surge através das demandas que têm chegado ao CREAS no qual atuo, através de postagens de colegas do SUAS em grupos e redes sociais e através de conversas com outras/os colegas. Mesmo antes das publicações das leis que citei aqui já recebíamos pedidos de escuta e de averiguação de situações de violência contra crianças e adolescentes. E agora, mais que nunca, tais solicitações estão batendo à nossa porta. Embora isso seja uma realidade, um aspecto que me chama a atenção é que este me parece um assunto deixado de lado nos espaços de discussão sobre o SUAS. Vejo muitos debates no campo da Psicologia Jurídica. Mas no campo da Assistência Social, na minha percepção, ainda falamos pouquíssimo sobre isso. Você pode estar dizendo daí: “claro, isso não nos compete. Não é papel do SUAS inquirir crianças e adolescentes.” Ok. Sabemos disso. Mas, nem por isso, as solicitações deixam de chegar. E aí? Será que a melhor saída é mesmo não falar sobre isso? Minhas observações me trazem a convicção de que a resposta é não. Nos grupos que participo, circulam perguntas como: “alguém já está fazendo a Escuta Especializada? Chegou aqui um pedido e não sabemos como fazer.” “Como fazer para escutar a criança no CREAS? Agora a gente tem que fazer né? Tá na lei.” São várias e várias perguntas. Vários depoimentos e relatos de profissionais sobre a realização desta escuta. E aí eu me pergunto: como será que estamos realizando esta escuta? Utilizando qual metodologia? Embasados em que aporte teórico? Se tiverem claras para vocês essas respostas, compartilhem comigo. Pois são estas observações que me levam a pensar que precisamos falar sobre o tema. Ou melhor, antes de falar, precisamos escutar quem entende e pesquisa o assunto. Trazer essas pessoas para as rodas de conversa sobre o SUAS. Estudar o assunto. Ler a Lei e o Decreto. Procurar o que nossos Conselhos têm falado sobre o assunto. Provocar nossos Conselhos a falar sobre o tema do ponto de vista das Políticas de Assistência Social, Saúde e Educação principalmente. Enquanto isso não acontece de forma efetiva, sugiro que a gente vá bebendo nas fontes da Psicologia Jurídica. Porque se não promovermos reflexões sobre esta questão no âmbito da política na qual atuamos, estaremos fadados
Violação de Direitos no âmbito do SUAS: E os autores de violência, onde cabem?

Por Lívia de Paula* No mês de maio deste ano, discutimos aqui neste espaço algumas questões concernentes ao nosso fazer enquanto trabalhadores do SUAS frente às situações de violência sexual infanto-juvenil – Leia aqui ⇒Violência Sexual Infanto-Juvenil no SUAS: das demandas de urgência ao “urgente” repensar do nosso fazer Apontamos a cautela que se faz necessária no trabalho de acompanhamento de tais situações, especialmente no que diz respeito às solicitações de averiguação da veracidade dos fatos relatados pelas famílias e indivíduos por nós atendidos. Também mencionamos que a urgência de punição dos autores das violações, algo que é assunto bastante comum nos corredores dos equipamentos da Proteção Social Especial – PSE, não necessariamente conduz a um processo de responsabilização dos mesmos. Partindo destes dois aspectos, tentaremos hoje pensar um pouco a respeito do lugar que as pessoas autoras de violência têm ocupado em nossas concepções sobre a Política de Assistência Social e em nossa prática nos serviços. Cremos que esta reflexão é um convite importante para os profissionais da PSE, mas que também se revela agregador para aqueles que atuam na Proteção Social Básica – PSB. O documento “Orientações Técnicas: Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS”, publicado em 2011, pelo Ministério do Desenvolvimento Social – MDS, deixa claro, em vários trechos, que o papel dos técnicos deste equipamento não deve ser confundido com o papel das equipes dos órgãos de defesa e responsabilização. O SUAS não pode configurar-se como um espaço de apuração de denúncias de violação de direitos. Sendo assim, as ações investigativas em relação aos autores de violência não compõem nossas atribuições. Sabemos disso e sabemos também da nossa luta incansável para que este entendimento chegue aos mais diversos órgãos com os quais nos relacionamos, especialmente a órgãos como: Conselhos Tutelares, Ministério Público, Delegacias, Poder Judiciário, entre outros. Estando claro que os equipamentos da Assistência Social não devem se constituir enquanto espaços de averiguação e muito menos de punição dos autores das violações, fica a pergunta: Isso significa dizer, então, que essas pessoas não cabem no SUAS? No que tange ao nosso trabalho de prevenção, proteção e defesa de direitos, não há lugar para eles? Até o momento, me parece que não temos nos dedicado a pensar sobre isso. Sempre que tratamos do tema, os relatos de experiências de trabalho, nos serviços da Política de Assistência Social, envolvendo autores de violência é escasso. Se pensarmos nas violações contra idosos ou contra mulheres, ainda encontramos algumas tímidas narrativas. Mas se adentrarmos na especificidade das violências de cunho sexual, provavelmente será difícil encontrarmos notícias sobre este tipo de prática. Aproveito, então, para convidar vocês, leitores do Blog, a nos contar caso conheçam alguma prática, na esfera do SUAS, que tenha este foco. E quais os motivos de estarmos tão focados nas vítimas, relegando o cuidado aos autores de violência à invisibilidade? Não fazem eles parte das famílias que acompanhamos? Creio ser bastante pertinente refletirmos sobre estes pontos se estivermos de fato comprometidos com o enfrentamento das situações de violência, qualquer que a sua tipologia (violência contra a mulher, violência infantojuvenil, violência de gênero, entre outras). Entendendo que este é um tema que nos desafia, considero primordial, para esta reflexão, começarmos pensando sobre nossa visão a respeito da relação vítima-agressor, buscando identificar nossos valores e possíveis preconceitos. Através de tal identificação, será possível deixarmos de lado interpretações pré-concebidas que podem representar empecilhos para uma prática que se efetive realmente engajada com a ruptura dos ciclos de violência nos contextos familiar e comunitário dos usuários que atendemos. Além desse aspecto pessoal, é essencial considerarmos a possibilidade de não estarmos devidamente qualificados para a atuação junto a este público. Não há como negar que esta é uma prática que pode nos tirar da nossa zona de conforto, convocando-nos à reinvenção de nosso modo de trabalho. Entendemos que não é tarefa simples pensar em trazer os autores de violência para a “roda” do SUAS. Mas quando pensamos em desistir diante do quão árdua se faz a proposta, surgem dois questionamentos que nos convocam a encarar a empreitada: O que estamos dizendo quando deixamos de compreender a experiência da violação também pelo viés do seu autor? Quais as implicações da invisibilidade do cuidado aos autores de violência no âmbito do SUAS para nosso propósito de ruptura dos ciclos de violações, nas famílias e territórios acompanhados por nossos equipamentos? A meu ver, ainda se faz distante vislumbrarmos algum avanço no que concerne a esta temática. As possibilidades e caminhos ainda nos parecem imensamente obscuros. Mas espero que este texto possa nos despertar para esta questão, tão esquecida em nosso dia a dia de trabalho. Para nos inspirar um pouco mais, compartilho duas instituições que atuam desenvolvendo projetos relacionados à prevenção e enfrentamento das situações de violência, nos quais também são foco os autores dessas situações: o Instituto Noos (Rio de Janeiro) e o Instituto Albam (Belo Horizonte). Acessem os sites, conheçam o trabalho por eles desenvolvido. Quem sabe algum de nós não será inovador em alguma iniciativa parecida na esfera da Política de Assistência Social? Referências Bibliográficas: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Orientações Técnicas: Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS. Brasília, 2011. Imagem inserida pela Editora do Blog: “Judite decapitando Holofernes” de Artemisia Gentileschi. Disponível em:http://www.bbc.com/portuguese/geral-38594660 acessado em 07/09/2017. Veja como citar este texto: ⇒Download do Texto em pdf: Violação de Direitos no âmbito do SUAS: E os autores da violência, onde cabem? Por Lívia de Paula —*Lívia de Paula é Psicóloga do CREAS de Itaúna/MG e colabora mensalmente com o Blog Psicologia no SUAS. Para ler os demais textos da Lívia: Clique aqui
Violência Sexual Infanto-Juvenil no SUAS: das demandas de urgência ao “urgente” repensar do nosso fazer

Por Lívia de Paula* Em meu primeiro texto neste espaço, publicado no ano passado, contei um pouco da minha trajetória de inserção na Política de Assistência Social[i], abordando como iniciei minha atuação no extinto Serviço Sentinela, que tinha como foco o atendimento às crianças e adolescentes vítimas de violência sexual e suas famílias. Foi a partir desta inserção, na tentativa de qualificar o meu trabalho, que fui me aprofundando nos estudos desta temática, a meu ver, tão complexa e desafiadora para os mais diversos profissionais com ela envolvidos. Posteriormente, como também contei lá, as ações daquele Serviço foram incorporadas ao trabalho do CREAS, órgão no qual estou inserida atualmente. Com esta incorporação, o escopo do trabalho com crianças e adolescentes foi ampliado, pois o CREAS deve atender a qualquer tipo de violação contra este e outros públicos, e não somente às violações de cunho sexual. Apesar disso, no município em que atuo, constato que a grande maioria dos encaminhamentos que chegam ao equipamento continuam sendo de situações envolvendo crianças e adolescentes vítimas de algum tipo de violência sexual. Não sei bem ao certo a razão disso. Talvez esteja relacionada com a gênese do trabalho, quando da criação do Serviço Sentinela. Esta é uma hipótese. Mas esta constatação me traz uma curiosidade: como é isso nos municípios de vocês? No que tange à criança e adolescente, qual é o tipo de violação que mais chega à PSE (Proteção Social Especial)? Me interessa saber e creio ser uma pesquisa interessante, que pode até produzir um ótimo papo para outro texto aqui no Blog. Por ora, vamos falar de violência sexual contra crianças e adolescentes no contexto do SUAS. Este é o chamado que o mês de maio nos traz, com a marca do dia 18: “Dia Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes”, data na qual nos mobilizamos de muitas maneiras para falar do assunto e sensibilizar nossos territórios sobre o mesmo[ii]. Debruçar-me sobre esse tema tão caro para mim, tendo em vista minha trajetória, não se revela missão fácil, embora possa parecer. Há muito para se falar sobre violência sexual. Há muito ainda que se falar sobre violência sexual. Cotidianamente me vejo refletindo sobre o quanto ainda precisamos aprender, ouvindo nossos usuários, sobre o quanto já dissemos sobre o assunto, mas sobre o quanto ainda precisamos dizer. Esse texto pretende ser um começo. E para começar, precisei então escolher um recorte dentre a vastidão dos aspectos que estão vinculados à questão. E o recorte escolhido para hoje vai conversar muito de perto com as ideias colocadas por Thaís Gomes e Rozana Fonseca, queridas colegas do Blog, em seus últimos textos[iii]. É preciso retomar a pergunta que me parece evidenciada nos textos citados: o nosso trabalho no SUAS serve a quem? Tal questionamento mostra-se extremamente pertinente quando falamos de violação sexual infanto-juvenil. Apesar de inegáveis avanços, percebo que este tema ainda se apresenta carregado de desconhecimento, preconceitos, “certezas” e “boa vontade”, inclusive nas posturas dos profissionais da Assistência Social e de outras políticas intersetoriais. Aliado a isso, este campo revela-se um campo tomado pelas urgências, o que acaba por representar um risco, pois pode nos conduzir para uma atuação carente de reflexão e planejamento e, portanto, pouco ética e técnica. Estas urgências começam no momento da revelação, passando pela denúncia, pelo exame pericial, pelas necessidades de cuidado e proteção e chegando à urgência da “prisão” dos agressores. Propositalmente utilizo aqui prisão para lembrar que prisão e punição não significam responsabilização. E este também é assunto para um bom diálogo em outro momento. Mas, vamos voltar a pensar sobre as urgências. É necessário ressaltar que os primeiros cuidados com as vítimas são realmente da ordem do imediato. E é preciso deixar claro que estes primeiros cuidados são tarefas para o Conselho Tutelar, Delegacias e Hospitais, órgãos responsáveis por tomar as primeiras providências para a garantia da atenção e proteção pontuais. Nesta temática, o que caberia então à PSE, mais especificamente ao CREAS? Qual o nosso lugar frente às situações de violência sexual contra crianças e adolescentes? Vejamos o que nos dizem as “Orientações Técnicas: Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS”, publicadas em 2011, pelo MDS. Esse documento pode nos ajudar a lançar luz sobre isto, quando aponta que o papel da PSE é trabalhar, de forma continuada, potencializando recursos para a superação e prevenção do agravamento das situações que colocam as famílias em risco, no que concerne às violações de direito por elas vivenciadas (BRASIL, 2011, p.18). Para iluminarmos ainda mais nossa questão, caberia então perguntar: se a violência sexual contra crianças e adolescentes aparece como um campo tomado por urgências, qual é a “urgência” que se coloca para nós, técnicos dos CREAS, no acompanhamento destas situações? Considero imprescindível nos fazermos esta pergunta e sairmos à caça de respostas, pois no que se refere ao assunto em foco, há por aí muitos órgãos respondendo por nós. Nosso trabalho é, o tempo todo, confundido com o trabalho dos órgãos de responsabilização, qual seja: a averiguação e a busca de uma “verdade” sobre a violência sexual em tela. Por vezes, somos demandados a atestar se a violação ocorreu ou não ocorreu ou se a criança pode estar fantasiando o episódio, entre outras solicitações que nos chegam. Muitas são as nossas tentativas, em nível individual e coletivo, de estabelecer um diálogo com o sistema de justiça a fim de clarear as possibilidades e limites de nossa prática e efetivar um trabalho de real parceria, no qual não sejamos mais subordinados a ordens arbitrárias ancoradas naquilo que se entende por urgência para o contexto jurídico. As Orientações Técnicas do CREAS nos informam que não cabe ao serviço: Ter seu papel institucional confundido com o de outras políticas ou órgãos, e por conseguinte, as funções de sua equipe com as de equipes interprofissionais de outros atores da rede, como, por exemplo, da segurança pública (Delegacias Especializadas, unidades do sistema prisional, etc), órgãos de defesa e responsabilização (Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria
Entre o concerto e o conserto: qual tem sido nosso foco do trabalho com famílias no SUAS?

Por Lívia de Paula* “Família, família Papai, mamãe, titia, Família, família Almoça junto todo dia, Nunca perde essa mania” A canção dos Titãs, um clássico do nosso rock nacional, é bastante utilizada por nós, trabalhadores do SUAS, na facilitação de grupos e outras atividades de sensibilização. Sua letra traz como ponto central os dilemas daquela que é nosso foco na atuação dentro do social: a Família. Sabemos que pensar a família é, me arrisco em dizer, a tarefa mais importante da nossa prática. A maioria dos documentos que nos orientam tem um capítulo/parte específica para tratar deste tema. Assim, todos os dias, lemos sobre família, pensamos sobre família e atendemos alguma família. Propositalmente, até aqui, utilizei o termo família no singular. Já é convencional no que diz respeito à assistência social falarmos de FAMÍLIAS, a fim de trazermos à tona as inúmeras configurações familiares por aí existentes. É convencional falarmos, mas será que de fato temos nos atentado e nos permitido trabalhar com Famílias, no sentido aqui apontado? É para esta conversa que eu convido você, meu colega de SUAS, hoje. Quando recebemos uma família para acolhimento em nosso equipamento, nossa primeira ação é ou deveria ser conhecer como ela se configura. Quem são seus membros? Qual é o vínculo entre eles? Como se relacionam? É a partir destes questionamentos que poderemos traçar (junto com eles) as estratégias para o nosso trabalho. Você considera esta uma tarefa fácil? Fazendo uma breve reflexão fenomenológica, percebo que esta é uma das propostas mais difíceis da nossa prática. Difícil porque somos pessoas em contato com pessoas. Como pessoas, não podemos negar que somos constituídas por vivências, afetos e concepções. E é por isso que, antes de acolher uma família, creio ser imprescindível refletir genuinamente sobre minhas concepções, meu lugar de conforto e minhas estranhezas sobre o assunto. Afinal, batem à nossa porta desde famílias tradicionais tal qual a da canção do Titãs (papai, mamãe, titia, cachorro, gato, galinha) quanto famílias cuja configuração nunca foi por nós sequer imaginada. Esta proposta de acolhimento vai requerer então a suspensão de nossos conceitos e valores e uma postura empática[i]. Tal empreitada, por mim considerada tão árdua, é a única que pode garantir que façamos nosso trabalho como preconiza a Política de Assistência Social, visando o fortalecimento dos vínculos familiares e da autonomia. Sem suspendermos nossos valores e praticarmos a empatia, não creio ser possível caminharmos em direção a estes objetivos. A linha que separa um trabalho de fortalecimento familiar de um trabalho de educação, de “conserto” das famílias é bastante tênue. Se direcionamos nosso trabalho a partir daquilo que entendemos como certo para uma configuração familiar estamos fadados a uma ação policialesca, de reparação, literalmente de arrumar o que está estragado[ii]. Ainda hoje é comum encontrarmos argumentos que defendam as noções alicerçadas na ideia de que famílias convencionalmente estruturadas, as chamadas famílias nucleares, são a garantia de um desenvolvimento saudável de seus membros. Acredito que no âmbito do SUAS já avançamos um pouco. Já sabemos que uma “orquestra” teoricamente estruturada nem sempre faz o melhor concerto. É necessário que os instrumentos, quais forem eles, dialoguem entre si, se encontrem. É necessário treino e muito ruído para se chegar a alguma possibilidade de som. Penso que a metáfora da orquestra nos auxilia na compreensão de que as famílias são constituídas de membros diversos entre si, que coabitam vivenciando tanto conflitos quanto afetos. São as vivências conflituosas e afetivas que tornam possível a música familiar. É fato que já avançamos. Mas ainda há muitas questões que por nós permanecem quase intocadas. O documento “Parâmetros para o Trabalho com Famílias na Proteção Social Especial de Média Complexidade”, um relato de experiência do município de Campinas – SP, traz contribuições valiosas para esta discussão e merece ser lido em sua íntegra.[iii] Na parte que trata dos marcos conceituais, há o seguinte apontamento: O debate sobre a concepção de família revelou o quão problemática é a construção de uma concepção partilhada sobre o tema, particularmente na sua relação com a proteção social. É totalmente consensual a ideia de que a família é uma instituição que se transforma histórica e cotidianamente, que na contemporaneidade assume as mais diferentes configurações e que tem papel fundamental na construção do mundo subjetivo e intersubjetivo dos sujeitos. […] As divergências aparecem quando se coloca em pauta a relação entre família e proteção. Nesse aspecto, por um lado, subjaz a ideia de considerar, em princípio, a família como um espaço de proteção […] bem como o objetivo do trabalho social com famílias contemplados na proposição do SUAS, qual seja, o de fortalecer a capacidade protetiva das famílias. Por outro lado, apresenta-se a ideia de que a família não, necessariamente, constitui-se como um espaço de proteção. Nessa perspectiva, a hipótese de proteção como fundamento da configuração familiar estaria apoiada numa concepção moral. No que ela deveria ser e não no que ela realmente é. Em uma proposta de cunho moralizador, isso poderia induzir a processos de responsabilização da família pela proteção social. (p.33-34) Tal apontamento ilustra bem o que nosso cotidiano na esfera do SUAS nos apresenta: deparamo-nos todos os dias com famílias que “deveriam ser” protetivas, mas não o são. Como somos impactados por esta experiência? Volto a dizer: nesta hora, estamos frente a frente com a armadilha de uma possível atuação policialesca, calcada na melhor das intenções: fortalecer a capacidade protetiva das famílias. Será que temos nos deixado capturar discretamente pela crença de que há um modo certo de ser família? As famílias do SUAS são famílias do jeito errado? Será que um trabalho de fortalecimento no âmbito do social pode ter como norte a formatação das famílias, tendo como meta a família “comercial de margarina”? Estas são apenas algumas das questões essenciais a serem refletidas. Existem outras. Por exemplo, em tempos de polêmicas sobre gênero e sexualidade, não precisamos pensar esse tema dentro das famílias? Como tem sido exercido os papéis de gênero no contexto familiar? Enfim, já percebemos que este é um tema
A violência nossa de cada dia

Por Lívia de Paula* Como técnica de referência de um CREAS, é algo recorrente em minha prática receber convites e solicitações para participar como facilitadora em rodas de conversa e palestras sobre o tema violência, na maioria das vezes sobre violência contra crianças e adolescentes, meu foco de atuação dentro do serviço. Já estive nos espaços, mais diversos, como escolas, falando para crianças e adolescentes; escolas, falando para pais e responsáveis; universidade, falando para alunos; teatro, falando para pessoas da comunidade; evento promovido por igreja evangélica, falando para fiéis; entre outros. Considero uma imensa responsabilidade explanar sobre este tema e uma das preocupações que tenho é tentar sair do lugar comum que muitas vezes nos captura enquanto trabalhadores da área: falar sobre prevenção, sobre os tipos de violência e sobre as formas de denúncia. Geralmente é este o nosso script, tanto quando falamos sobre o tema, quanto quando somos convidados a ouvir outros profissionais em capacitações que nos são oferecidas. É claro que este script tem grande importância, pois é ele que nos orienta em nosso trabalho cotidiano. Porém, penso ser interessante ir além. Ir além, a meu ver, é antes de falar do que já está posto, promover reflexões. Antes de dizer o número do Disque 100 (Disque Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República)[i], seria bacana conhecer o que as pessoas pensam sobre violência. Qual é o conceito delas sobre o assunto? Qual é o seu conceito, caro colega de SUAS? Já se perguntou? É com esse questionamento que geralmente inicio minhas apresentações. Perguntando a mim mesma e aos meus ouvintes o que é violência. E as descobertas vão inúmeras, muitas vezes mudando até o rumo da prosa. Observo que, em grande parte das discussões, a violência é vista como algo que não nos pertence. Violência é coisa de noticiário policial, num reino tão, tão distante… Quantas vezes me perguntam: mas existe violência sexual em Itaúna? E essa forma de olhar a violência não é exclusividade daqueles com os quais nos relacionamos (amigos, conhecidos, parentes, usuários). Essa é a minha forma de olhar a violência. Essa, provavelmente, é a sua forma de olhar a violência. Mas então, o que seria violência? A Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002) define a violência como: o uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade que, resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação.[ii] Pensando a partir deste conceito da OMS, torna-se simples observar como a violência faz parte do cotidiano de cada um de nós. Quem nunca se sentiu ameaçado ou chantageado? Quem nunca ficou irritado no trânsito e ofendeu outro motorista? Isso sem falar nas nossas relações familiares, algumas sustentadas pelos conflitos e violências psicológicas várias. A violência nossa de cada dia. Assimilada e Banalizada. Aquela que não dá ibope pros “Datenas”, afinal todo mundo perdoa porque: “eu estava nervoso”, “aquele motorista é um lerdo”, “foi só uma brincadeirinha”. A psicanalista Maria Laurinda Ribeiro de Souza, em seu artigo “A banalização da violência: efeitos sobre o psiquismo”[iii], nos traz contribuições importantes sobre este tema: Outra forma de se olhar para a questão da violência é identificar, no nosso cotidiano mais próximo, como ela se manifesta nos pequenos gestos. Por serem tão do dia-a-dia e por parecerem tão insignificantes frente à magnitude das manchetes, não se dá tanta atenção. Penso, por exemplo, nas discriminações, exclusões e desrespeitos mais comezinhos – transformar as empregadas em escravas disfarçadas deixando, por exemplo, as roupas jogadas, os jornais espalhados, para que elas os guardem. […] Violência do casal que não suporta as mínimas diferenças e não consegue negociar ou ao menos escutar as divergências. Violência com os filhos que são deixados ao relento das ruas ou, em situações econômicas mais favoráveis, aos acasos da televisão moderna – os jogos eletrônicos e computadores. […] O lugar para os afetos, as amizades, o respeito mútuo, a confiança, está cada vez mais restrito. Saindo de casa: violência no descuido com as calçadas; inexistência de rampas, de guias rebaixadas, de respeito mínimo às normas de convivência, cidadania, zoneamento urbano, empregos informais sem direitos trabalhistas, sem previsões de acidentes e de amparo à velhice… Também aqui a lista seria imensa. Apesar de tantos exemplos fáceis de serem identificados e que produziriam realmente uma lista imensa, acredito que promover reflexões mais amplas sobre o conceito de violência configura-se como um desafio em nosso cotidiano. Alguns destes exemplos ainda trazem espanto e geram muitas polêmicas quando abordados. Em certa ocasião, na qual estava como facilitadora de uma roda de conversa, falávamos sobre as palmadas, os famosos tapinhas para educar. Fui questionada por uma colega psicóloga: “mas você acha que isto também é violência?” Não sei se é o caso desta colega, mas conheço vários profissionais do SUAS que acreditam e defendem discursos como “mulher apanha porque gosta”, “pedófilo precisa é ser castrado”, “criança só vira gente se apanhar”. É por essas e outras que o desafio está posto. E é por tudo isso que defendo que continuemos a falar de violência. Que não recuemos quando convidados a falar sobre violência. Porém é urgente que ampliemos nosso olhar. Que busquemos a violência naquele reino distante. É preciso sim que a nossa fala contemple as situações que chocam: a negligência grave, as violências física, sexual e fatal. Mas, mais necessário ainda é que a nossa fala discurse principalmente sobre a violência mais “perigosa”: aquela à qual nos acostumamos, aquela que se veste de hábito. Que essa reflexão possa começar conosco e se estender aos espaços nos quais somos convidados a estar: os equipamentos do SUAS, as ruas, as praças, as escolas, a comunidade. Só assim será possível contribuirmos para a quebra dos ciclos de violação, uma das tarefas mais importantes da Política de Assistência Social. [i] Para conhecer o serviço, acesse AQUI [ii] Acesse o Relatório Mundial sobre Violência e Saúde AQUI [iii] Artigo
Compartilhando vivências: vamos falar sobre nossa atuação na Proteção Social Especial?

Oi Pessoal, hoje dou as boas-vindas a estreante da coluna de colaboradores com co-autoria no BPS, Lívia de Paula! É muita alegria ter você aqui, Lívia <3 ——————– Por Lívia de Paula* Como leitora do Blog Psicologia no SUAS, vejo que o sucesso do trabalho desenvolvido pela Rozana Fonseca se relaciona diretamente com algo que nós, técnicos – os chamados “profissionais da ponta” – sentimos como lacuna a ser preenchida: somos carentes de espaços que falem a nossa língua, que abordem a prática cotidiana da nossa atuação com clareza, objetividade e em uma relação “de igual para igual”. Acompanhar este Blog sempre teve este sentido para mim: encontrar os “iguais”, perceber que as dificuldades são semelhantes e ver então confortadas um pouco das minhas angústias diante do trabalho no SUAS, um campo novo, para o qual precisamos nos reinventar. A meu ver, pensar e criar uma prática diferente da tradicional clínica revela-se como algo estimulante, porém também bastante desafiador. Desafiadora também é a tarefa que inicio com este texto: atuar como colaboradora deste espaço, trazendo para ele reflexões sobre minha práxis no campo da política de assistência social. Reflexões essas que também terão como base falar a língua dos trabalhadores do SUAS, principalmente daqueles que, como eu, atuam na Proteção Social Especial (PSE), mais especificamente nos CREAS, com situações de violência contra crianças e adolescentes. Minha trajetória no SUAS iniciou-se em 2006, quando comecei a atuar como psicóloga, funcionária pública concursada na Prefeitura Municipal de Itaúna, Minas Gerais. O município implantaria em maio de 2006 o Programa Sentinela e eu passei a ser uma das técnicas de referência, atuando no mesmo desde o primeiro dia de seu funcionamento. Tal Programa tinha como objetivo oferecer um conjunto de ações – de natureza especializada – a crianças e adolescentes vítimas de violência, abuso e exploração sexual, bem como a suas famílias. O Programa passou posteriormente a se chamar Serviço de Enfrentamento à Violência, Abuso e Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes e, em 2009, o município implantou o Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS e o trabalho desenvolvido pelo Programa Sentinela passou a ser ofertado dentro do PAEFI – Serviço de Proteção e Atendimento Especializado à Famílias e Indivíduos. Revisitando o Guia de Orientação aos Serviços Municipais de Enfrentamento à Violência, Abuso e Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes – Sentinela, lançado pelo Governo de Minas em novembro de 2006, três questões chamaram minha atenção. Conforme citei anteriormente, o público alvo do serviço é definido como: “crianças e adolescentes vitimizados pela violência sexual, bem como suas famílias.” Aqui surgem as duas primeiras diferenças entre este Serviço e o CREAS: o foco na violência do tipo sexual e na vítima de tal violência, sendo a família citada em segundo lugar. Atualmente o trabalho do CREAS tem a centralidade na família e não apenas na vítima. Além disso, o cuidado é direcionado a vários tipos de violação de direitos, não só à violência sexual. Outra questão importante refere-se a uma das funções do profissional da Psicologia citadas no documento: “realizar anamnese psicológica”. Anamnese não nos remete a um psicodiagnóstico, a uma linguagem clínica tradicional? Parece que ainda havia muita influência da psicoterapia aqui… Este retorno à história do cuidado com as situações de violência contra crianças e adolescentes dentro do SUAS mostra-se importante por ilustrar como foram sendo construídas as propostas de ação junto a este público. Uma frase recorrente dentre os psicólogos atuantes no SUAS é: “não fazemos clínica, não fazemos psicoterapia”. E, muitas vezes, nos incomoda não sermos compreendidos neste posicionamento. Aí encontramos um guia que nos orientava a fazer anamnese psicológica, o primeiro procedimento que é realizado dentro do contexto psicoterápico. Diante disso, me coloco a pensar: O quanto avançamos de lá até aqui? O que construímos? Não fazemos psicoterapia. O que fazemos? Como tem se dado o trabalho com as famílias envolvidas em alguma situação de violência contra crianças e adolescentes nos CREAS? Que tipo de Psicologia tem sido possível? Dentre outras coisas, é principalmente sobre estes questionamentos que me debruçarei neste espaço de colaboração. Espero que, através deste espaço, você que está no mesmo barco que eu possa encontrar novas formas de pensar o seu trabalho e contribuir para o fortalecimento da nossa grande equipe: os Trabalhadores da Assistência Social. *Lívia de Paula – Graduada em Psicologia pela Universidade do Estado de Minas Gerais (2003). Possui formação em Psicoterapia Existencial e especialização em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes. Foi membro do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Gestões 2010-2012 e 2012 -2014). Atua na área de Assistência Social desde 2006. Atualmente é técnica de referência do PAEFI/CREAS de Itaúna/MG e Coordenadora do GT SUAS da Subsede Centro Oeste do CRP – MG. Contato:liviadepaulla@yahoo.com.br
Mais praticidade nas inscrições para os Encontros e Hangouts abertos do Blog
Agora ficou mais fácil e prático participar dos nossos Encontros e Hangouts gratuitos através do Canal do Blog no YouTube. Basta você se inscrever, uma única vez, e sempre que agendarmos os eventos você receberá as informações e o link de transmissão em seu E-mail. Mesmo que você já participou dos Encontros anteriores, eu peço a gentileza que se inscreva também neste formulário, assim ficará no mesmo arquivo de registro dos demais interessados – A partir do próximo evento, este será o único banco de endereços que usarei para enviar os links da transmissão Não sabe como funciona os Encontros? Veja AQUI INSCREVA-SE GRATUITAMENTE! QUERO PARTICIPAR
Hangout sobre o CREAS transmitido ao vivo pelo blog no dia 07/07

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