Encontros e trocas profissionais: relato de uma experiência exitosa

Hoje é dia de dar as boas-vindas a mais uma colaboradora do Blog Psicologia no SUAS, Tatiana Borges*, representando os profissionais do Serviço Social. Presença que só me faz continuar acreditando na potência dos encontros! Gratidão pela sua presença, Tatiana! <3 Por Tatiana Borges Espaços privilegiados de reflexão da prática profissional, como o Blog de Psicologia do SUAS tem, entre tantas coisas, o poder de aproximar pessoas e foi justamente o que ocorreu com a autora e nós, assistentes sociais que trabalhamos pelo estado de São Paulo na regional de Franca que abrange 23 municípios. Há algum tempo acompanho as publicações e a familiaridade das análises, discussões e indicações contidas no Blog com as nossas atuações e construções no âmbito do SUAS é imensa. Destaco de uma forma especial o comprometimento profissional e pessoal da Rozana Fonseca com a efetivação da Política de Assistência Social que me chamou atenção desde o início, principalmente em suas participações em nossos momentos de trocas e diálogos no GECCATS (Grupo de Estudo e Capacitação Continuada das/os Trabalhadoras/es do SUAS) que, assim como o Blog, acaba dando vazão a tantas descobertas e angústias que emergem do cotidiano do trabalho técnico desta Política. Proporcional à minha admiração pelo Blog e Rozana é a honra e responsabilidade de contribuir, em alguns momentos, com este espaço representando a categoria da qual me orgulho em fazer parte, sobretudo pela imensa contribuição para o SUAS destas/es profissionais: as/os assistentes sociais. Fundamentadas pelo Código de Ética, que traz como princípio “o compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional”, nós, assistentes sociais, somos instigadas a ir além das rotinas institucionais para buscar apreender no movimento da realidade possibilidades presentes, transformando-as em projetos e propostas profissionais. (Marilda Iamamoto, 2016). É com esta escolha teórica que foi gestado o GECCATS, em um momento ainda bastante incipiente da institucionalização do SUAS no país, quando se buscava construir caminhos para a implantação efetiva dos CRAS numa região composta predominantemente por municípios de pequeno porte, onde a sensação de isolamento profissional é presente e os processos de capacitação são escassos. Uma das grandes motivações para a criação deste grupo de educação permanente foi à necessidade de nossa aproximação, enquanto técnicas da DRADS (Diretoria Regional de Assistência e Desenvolvimento Social) com as/os técnicas/os dos municípios, em um contexto de mudança indispensável de uma relação verticalizada para uma construção coletiva e horizontal, respeitando as atribuições institucionais de cada ente. O objetivo do GECCATS, desde a sua formação é propiciar um espaço de trocas de experiências, estudo e reflexão acerca das legislações e documentos de orientação, além de palestras informativas sobre a política de assistência social. Os encontros regionais acontecem mensalmente e são desenvolvidos temas específicos que buscam subsidiar a prática profissional das/os trabalhadoras/es do SUAS. Ao longo de 07 anos de existência, o modo de funcionamento do GECCATS foi se aperfeiçoando ao ponto de contar com um regimento interno construído coletivamente, no qual se define as condições necessárias para o cumprimento dos objetivos do grupo: participação, representação, forma de desenvolvimento dos temas, comissões, comunicação, avaliação, entre outras. Para cada encontro é instituída uma comissão organizadora composta por representantes de dois municípios da região administrativa e da equipe da DRADS em forma de rodízio, que divide as responsabilidades na organização e realização de cada encontro. Esta dinâmica de condução de atividades coletivas já se traduz em processos democráticos de participação que agregam à nossa competência profissional. Os assuntos discutidos nos encontros são definidos a partir das demandas e necessidades emergentes da prática profissional cotidiana, apontadas pelos membros do grupo e avaliadas como prioritárias pela maioria das/os participantes. Apesar de utilizar a estrutura da DRADS, o grupo não oferece demais ônus financeiro para o estado. Conta com a participação e coordenação de três técnicas da DRADS, Renata, Talismara e eu, todas assistentes sociais, que incorporamos esta atividade como parte da rotina diária de trabalho. Também são disponibilizados os equipamentos necessários para os encontros e os municípios apoiam o grupo no fornecimento do lanche e nas eventuais contratações de especialistas. Contudo, considera-se fundamental agregar investimentos financeiros direcionados para potencializar as ações do grupo. É possível afirmar que o GECCATS traz repercussões positivas para toda a região, pois, os profissionais que atuam na assistência social, principalmente nos CRAS, ganharam um espaço onde podem aprimorar os conhecimentos e desenvolver um trabalho mais assertivo que pode culminar na prestação de serviços com mais qualidade para os usuários, levando em consideração que o trabalho da assistência social está fortemente apoiado na formação técnica e política do seu quadro de pessoal. E por outro lado e de um modo particular, nós, técnicas da DRADS, executamos o papel atribuído ao estado de fomentar capacitações de atualização técnica, além de pactuar e disseminar conteúdos para os trabalhadores do SUAS. (CNAS, 2013). Termino com uma frase citada no último dia 05 no 15º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais/CBAS de Chico Science & Nação zumbi que faz todo o sentido neste processo de aprimoramento profissional “Comecei a pensar, que eu me organizando, posso desorganizar, que eu desorganizando, posso me organizar…” Bibliografia: ·         Brasil. Código de ética do/a assistente social. Lei 8.662/93 de regulamentação da profissão. – 10ª. Ed. rev. e atual. – [Brasília]: Conselho Federal de Serviço Social, [2012]; ·         ——–. Resolução CNAS Nº 4, de 13 de março de 2013. Institui a Política Nacional de Educação Permanente do Sistema Único da Assistência Social – PNEP/SUAS; ·         https://www.youtube.com/watch?v=ytnbrnvTzC4 *Tatiana Roberta Borges Martins Possui pós-graduação em Gestão Pública pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCAR e graduação em Serviço Social pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2004). Atualmente é Servidora Pública e Diretora Técnica I do Núcleo de Avaliação e Supervisão da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social – Diretoria Regional de Assistência e Desenvolvimento Social – DRADS Franca. Tem experiência na Gestão da Assistência Social/SUAS pela trajetória profissional em Órgão Gestor (municipal e estadual), CRAS e Conselhos, desde 2005. É instrutora habilitada pelo Ministério de Desenvolvimento Social

“Você vai trabalhar no SUAS”: considerações sobre uma não-escolha

Por Lívia de Paula* Desde o início do meu trabalho neste espaço de colaboração, tenho tido a honra de ser orientada pelo professor André Torres, profissional significativo em minha formação como psicoterapeuta fenomenológico-existencial e que, ao mesmo tempo, possui uma prática que “conversa” bem com o campo social, tendo inclusive atuado pioneiramente na área e publicado sobre o assunto antes mesmo da consolidação do SUAS (TORRES, 2005)[i]. Uma de suas primeiras sugestões foi que eu contasse um pouco sobre o interesse pelo SUAS antes de efetivamente trabalhar nele. Em nosso último contato, ele me questiona: “Por que trabalhar no SUAS?” Confesso que fiquei profundamente incomodada com este questionamento, ou melhor, com a ausência de uma resposta para ele. De pronto pensei: não escolhi o SUAS. Fui escolhida por ele. Apesar de já ter uma trajetória marcada pelas disciplinas vinculadas à Psicologia Social, conforme abordei em meu último texto, quando iniciei como psicóloga da Prefeitura Municipal de Itaúna não foi me perguntado onde eu gostaria de trabalhar. Creio ser assim na maioria das prefeituras. É raro termos conhecimento de concursos específicos para determinada área de atuação dentro do escopo das secretarias existentes. “Você vai trabalhar no Serviço Sentinela”:  foi assim o meu encontro com o SUAS. Fui lançada nele. E este encontro, bastante inesperado e não planejado, já dura dez anos. Posso dizer então que essa foi uma escolha daquelas que acreditamos ser uma não-escolha.  Ao ser escolhida pelo social, eu também o escolhi. Como servidora pública efetiva poderia, diante de alguma insatisfação, pedir para ser transferida para outro setor. E até hoje não o fiz. Mesmo com a dureza cotidiana do trabalho que todos vocês, meus colegas de SUAS, conhecem muito bem, eu continuo lá. E conheço muitas pessoas que, assim como eu, também continuam. E daí eu refaço a nós a pergunta do meu orientador: Por que continuamos? Tendo me deparado com o incômodo e o desafio posto por esta questão, percebo que fiz dela minha companheira de percurso. Volta e meia, me pego pensando sobre isso. Curiosa que sou vivo em busca de novos desafios, novas tessituras. E isso inclui também, participar sempre de capacitações, congressos, espaços agregadores de novos conhecimentos. Escrevo este texto ainda no calor do último evento no qual estive presente: I Simpósio da Rede de Pesquisas em Narrativas, Gênero e Políticas; realizado nos dias 01 e 02 de setembro, na PUC Minas[ii]. Este simpósio congregou pesquisadores de todo o país e me possibilitou adentrar em um universo até então bastante desconhecido para mim. Fui bastante tocada pelos relatos de experiências e investigações. Uma das apresentações, feita pelo professor da Universidade Estadual de Maringá/PR Murilo Moscheta, me conectou instantaneamente com a pergunta que norteia este texto. De uma forma bastante inovadora e intensa, Murilo terminou sua contribuição se apropriando de uma fala de uma aluna sua, Eloísa Guerra, que “explicou” o porquê de continuar exercendo a profissão de professora, apesar de tantas dificuldades. Disse ela: “O que eu mais gostava ao fim de cada aula era o sentimento de indignação e a vontade de mudar o mundo que predominava em mim”. Sua fala reverberou profundamente em mim, como se me dissesse assim: é isso. A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, em seu Capítulo I, art. 2º, Parágrafo único, dispõe que: A assistência social  realiza-se  de  forma  integrada  às  políticas setoriais, visando ao enfrentamento da pobreza, à garantia dos mínimos sociais, ao provimento de condições para atender contingências sociais e à universalização dos direitos sociais. Somos os profissionais dos quais se espera a operacionalização disto. É possível caminhar no sentido de enfrentar a pobreza, garantir mínimos sociais e universalizar direitos sem refletir sobre as exclusões deste mundo que vivemos? E aquela questão, minha companheira de percurso, começa a ser iluminada. O SUAS só pode ser um campo para os indignados: aqueles que esbravejam contra as desigualdades e injustiças que permeiam a vida dos nossos usuários, aqueles que esbravejam contra as dificuldades que permeiam a atuação dos trabalhadores do social. Podemos estar longe das transformações necessárias para a efetivação da política. Mas estamos no caminho. E acabo de descobrir que uma das coisas que me mantém nesse caminho é o sentimento de indignação e a vontade de mudar o mundo que continuam predominando em mim ao final de cada dia de trabalho. Obrigada André, obrigada Eloísa Guerra, obrigada Murilo! [i]  TORRES, A. R. R. A perspectiva existencial diante da comunidade carente de recursos socioeconômicos. In: Valdemar Augusto Angerami – Camon. (Org.). As várias faces da psicologia fenomenológico-existencial. 1ed. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005, p. 55-80. [ii] Se quiser saber mais sobre o evento, acesse o site: http://www.narrativas-genero-politica.org/ *Lívia de Paula colabora mensalmente com o Blog Psicologia no SUAS! Saiba mais sobre Lívia  AQUI e para os outros textos: AQUI

Primeiro-damismo: da desesperança à consciência da dor e alegria de se tornar cidadã

Tenho sentido o peso e a dor advindos do pouco de cidadania que sou capaz de exercer num País onde direitos sociais são tratados com descaso e instabilidade sob o discurso estólido e perverso de que são os responsáveis por desequilíbrios no orçamento público – porque não dizer que são tratados com violência institucional!  Como ficar indiferente a um processo onde tentam colocar, mais uma vez, a culpa nos pobres? como ficar indiferente num processo onde se legitima a corrupção daqueles que não sabem o que é ficar na fila do SUS, na fila do Cadastro Único, na escola com uma sala onde a temperatura chega a 36 graus, tendo mais de 50 alunos, onde caberia 30? E o que dizer da escória que embolsa o dinheiro público destinado à merenda escolar? A humilhação social deita e acorda com essa gente que eles insistem em desqualificar ao oferecê-los, sob a égide da bondade e da benemerência, o trabalho voluntário. O trabalho pautado no discurso romanceado de criança feliz. Um mero engodo para que estas crianças não sintam na pele a dor e a alegria de serem gente; de pertencerem ao mundo e constatarem que o mundo também as pertencem! Só vão sentir a dor de serem ‘ralé’, a dor por nunca serem cidadãs de bem o suficiente para agradecerem pela bondade da primeira-dama que se esforça num trabalho voluntário para salvá-las apontando, como única possibilidade, uma estética burguesa. Notícias como essa acima, que evidenciam esse ranço ainda tão dominante na nossa cultura, me trazem uma desesperança muito grande quanto as políticas sociais, e questiono o quanto podemos contribuir, de fato, nas políticas públicas. Apesar da desesperança bater (quase sempre 🙁 ), eu tenho ciência que sou uma cidadã/profissional muito melhor depois que ingressei no SUAS, e que há avanços sólidos na assistência social. Por isso, hoje, mesmo constatando que a consciência crítica também traz sofrimento, eu só quero confiar que terei coragem para continuar desafiando as leis que regem a invisibilidade ou manutenção da desigualdade social, porque como dizia o saudoso Marcus Vinicius, temos um único problema: a desigualdade social. E na rotina do trabalho nas políticas sociais, sabe-se que ela é a gênese de tantos outros. Não temerei a alegria de me sentir pertencente ao mundo, assim como não temerei as dores no árduo trabalho de transformação das relações que o fazem e que, consequentemente, me fazem!