Como o Conselho Tutelar age nos casos de violência sexual: o que temos a ver com isso?

Devido a proximidade do dia 18 de maio resolvi escrever um texto que conversasse com os conselheiros tutelares – CT e com os demais integrantes do Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente – SGD, como nós da Assistência Social, trazendo ao debate uma crítica propositiva e ética-política quanto ao atendimento à vítima de violência sexual – estupro de vulnerável conforme Art. 217-A do Código de Processo Penal. 18 de Maio – Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Escolho uma maneira de escrever trazendo para o debate questões da prática com a intenção de sensibilizar quanto a dura realidade de cada agente que, diretamente ou indiretamente, está entrelaçado nestas tramas. Aqui, problematizar os equívocos nas práticas não é nada mais do que tentar contribuir com o campo da proteção integral, considerando a necessidade de reavaliar as rotas para construir novas pontes para caminhos possíveis, mas que são desconhecidos ou tratados como intransitáveis devido a fragilidades e descasos do poder público. Conselheiro tutelar vai à delegacia? Especialmente, será problematizada a atuação do conselho tutelar em casos de violência sexual, tratando do ato de acompanhar a criança ou adolescente à delegacia para denunciar a situação de violência – acompanham, principalmente, na ausência do responsável legal da criança ou adolescente, sob a alegação que o CT o representa. Vale pontuar que isto não é um equívoco apenas dos conselheiros, mas também de integrantes do Sistema de Garantia de Direitos. Podemos elencar alguns dos problemas provenientes do conselheiro tutelar ir à delegacia: age fora da legalidade; põe sua vida em risco ao agir como autor da ação – problema se agrava nas cidades pequenas onde o agressor pode ser um conhecido ou até mesmo familiar; perpetua na sociedade o imaginário de que o CT é órgão punitivo com características e atitudes policialescas; posicionamento individual e não de colegiado; os demais integrantes da rede não assumem suas responsabilidades, fragilizando a sedimentação de uma rede onde os integrantes se posicionem proativamente. É válido pontuar que NÃO ir a delegacia não significa não atuar no caso – pode haver uma deturpação do que é atuar imediatamente no caso. O imediato é garantir que sejam prestados atendimentos à vítima e não PUNIR O AGRESSOR! Quem faz isso é a justiça. Veja sobre medidas de proteção (arts. 98 à 102 da Lei nº 8.069, de 13 julho de 1990). E nos casos em que o responsável legal não vai à delegacia? Eu não vou discorrer sobre outras variáveis, porque não é o objetivo deste texto e ademais o objetivo aqui é trabalhar a ideia de que quando se dá conta do básico, há maiores chances de conseguir agir crítica e eticamente frente aos imprevisíveis e diversos desdobramentos dos casos. A situação de violência sexual exige ação imediata do conselho tutelar, assim como de todos os serviços da rede. Atuará, portanto, conforme preconizado, de forma a aplicar as medidas protetivas que se fizerem necessárias e enviar notícia de fatos ou infração [i]penal ao Ministério Público, o qual requisitará instauração de inquérito baseado no inciso II do Art. 5º do Código de Processo Penal. [ii] Quando o CT representa a família? Vale ressaltar que há um alastrado equívoco, entre os próprios conselheiros, trabalhadores do SUAS, e porque não de maneira geral na sociedade, quanto à ideia de que o conselho tutelar representa a família da criança ou adolescente nas circunstâncias de denúncia ou nos acessos a serviços. A única obrigação legal para o conselho tutelar representar a família é, sumariamente, se a TV ou rádio violarem direitos da criança ou adolescente (veja Constituição Federal , art.220 [iii]), o que está previsto no inciso X do art.136 – das atribuições do CT[iv]. Conflitos familiares e desobediência na escola não são demandas para CT Demandas equivocadas surgem de todo lado, mas podemos exemplificar com uma remetente muito comum: a escola. Esta aciona o conselho tutelar para atuarem em conflitos familiares ou sociais com pedidos explícitos de reprimendas aos adolescentes/crianças rebeldes ou briguentos. E essas demandas deturpadas vão parar, simultaneamente, nos CRAS e CREAS, ou outros serviços da rede socioassistencial, levando a tarefas sobrepostas, muitas vezes, morosas ou ineficientes. Por que o CT aceita a demanda da escola, com pedido da diretora que quer punição aos adolescentes que se negam a cumprir ordens do professor ou regras institucionais ou aceita um pedido de um pai/mãe que não querem que a filha de 15 anos namore e chegue em casa com hematoma erótico (vulgo chupão no pescoço)? E nos casos onde há a exigência de atuação imediata (casos de violência) e eles tendem a ir por caminhos fora da legalidade? Muitas vezes por pressão da própria rede. Temos respostas plausíveis a esta questão que tencionam a justificar pela falta de capacitação e estabelecimentos de fluxos e protocolos pautados nas atribuições de cada integrante do SGD. Outras nem tão plausíveis assim, como as que alegam que ao deixar de fazer esse “suposto/equivocado” trabalho, a criança/adolescente ficará desprotegido. Mas a realidade tem nos mostrado que tem sido as acrianças e os adolescentes os que sofrem as consequências da falta de estabelecimento de fluxos e de articulação protagonizada por todos do SGD – são revitimizados, sofrem violência institucional em nome de uma proteção. Ação do Conselho Tutelar Conselheiro tutelar, age provocando a ação imediata de cada integrante da rede, caso ela não seja tomada proativamente. Assim, vejam só, quanto maior o acionamento ao conselho tutelar, e quanto maior as notificações e requisições emitidas pelo colegiado, mais evidente a precariedade ou nula oferta de atendimento e serviços pelas instituições que deveriam garantir o amplo acesso a assistência social, saúde educação entre outros. Diretivamente, se a rede cumprisse seu papel não precisaria do conselho tutelar requisitar ou cobrar os atendimentos nos serviços. Ressaltando que o mesmo deve fiscalizar, em caráter permanente, o adequado funcionamento dos programas de atendimento existentes (cf. art. 95, da Lei n° 8.069/90). Superação de preconcepções e aprimoramento É preciso então rever as preconcepções, porque
O primeiro-damismo e a desprofissionalização como barreiras na consolidação do SUAS

Por Tatiana Borges; Aline Morais; Lívia de Paula; Rozana Fonseca e Thaís Gomes Apesar de estar reconhecida enquanto política pública na Constituição Federal de 1988, a Assistência Social tardiamente passou a se constituir como direito social e dever do Estado, já que o seu histórico é fortemente marcado pela caridade, filantropia e voluntariado, ou melhor, é o histórico do ‘não direito’, do favor. É possível afirmar que foi com a implantação do SUAS, através da PNAS de 2004, que ocorreu um salto na profissionalização da assistência social, ou seja, contrapondo as práticas emergenciais de compaixão, de improviso e personalismos, é o arcabouço normativo dos últimos 10 anos da política de assistência social que reforça ou exige a presença de equipes de referência interdisciplinares constituídas por servidores públicos para a intervenção no conjunto de expressões das desigualdades sociais, através de serviços e benefícios socioassistenciais. Dito de outra forma, o reconhecimento, através de ordenamentos institucionais e direcionamentos políticos, de que o atendimento com dignidade prestado à população exige condições de trabalho e profissionais qualificados nas dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa é recente. Assim como é novo o tratamento da Assistência Social como responsabilidade estatal, expressada através de seguranças indispensáveis ao desenvolvimento pleno dos cidadãos com a garantia de direitos e com o envolvimento efetivo de todas as esferas de governo. Muito embora este entendimento seja fruto de estudos muito anteriores ao SUAS, de embates e lutas históricas para o reconhecimento da política de Assistência Social como direito e de militância política de diversos segmentos da sociedade, bem como de profissionais, com destaque aos assistentes sociais, o movimento para a implantação deste sistema é ainda incipiente, pois temos mais um modelo do que um sistema propriamente instalado, o que não invalida, de forma alguma, os avanços reais conquistados. Avanços oriundos especialmente dos movimentos organizados de trabalhadoras/es e de usuários, seja na militância diária em seus equipamentos de trabalho ou em fóruns, grupos e conselhos destinados à discussões, deliberações e construções da política. O avanço do SUAS – mesmo que não esteja nivelado, pois a cobertura para os riscos sociais não é universalizada e há um descompasso entre as formas e o tempo histórico de incorporação desta política pela união, estados e municípios – é inegável, principalmente, pelo potencial, já demonstrado pelas pesquisas e pelos indicadores existentes, de impactar a existência de grupos de pessoas, atuando na proteção a vida, na prevenção da incidência de riscos sociais, na identificação e superação de desproteções sociais e na redução de danos. Ainda assim, o desafio cotidiano que nós, das diversas categorias profissionais – que hoje, graças ao conjunto normativo do SUAS, compõem a política de assistência social – enfrentamos é superar a tradição de práticas assistencialistas pautadas sempre pelo controle e adestramento das famílias e pela criminalização da pobreza como forma de manter “a ordem e o progresso” do país, bem como o poder sobre os pobres, tratando os como desvalidos, carentes e não como cidadãos ativos de direitos. Considerando que o primeiro-damismo é uma realidade em muitos municípios, fica mais evidente a necessidade de pautarmos criticamente este cenário, uma vez que agora há uma representação emblemática e carregada de retrocessos. O quanto o primeiro-damismo tem emperrado a consolidação no SUAS? Valeria um estudo, porque sabemos que ainda há uma distância entre a legislação e o modo como a Assistência Social é vista pela população, pelos seus dirigentes e gestores municipais. O que sabemos é que, em muitos municípios a realidade da política de assistência social é permeada por ações de cunho clientelista que se convertem em moeda de troca nos acordos político-partidários entre prefeitos e vereadores para garantir votos da população. A incidência destas práticas na política de assistência social culmina numa desarticulação e fragmentação da mesma, numa sobreposição de propostas, sem considerar o que já existe no SUAS, reduzindo as ações à ajudas e concessões pontuais da primeira-dama. Nós, profissionais que compomos o SUAS e que defendemos este modelo de política pública, trabalhamos em uma direção que tem o Estado como principal responsável pelo bem-estar social e assim tendo como competência a promoção da proteção social que, no âmbito do SUAS, se materializa por meio dos serviços e benefícios socioassistenciais. Nesta direção o Estado atua como agente executivo (PAIF e PAEFI, programas e benefícios), agente regulador (dos serviços socioassistenciais prestados por entidades e organizações sociais) e agente de defesa de direitos e da participação social e esta direção, que preza a assistência como um direito e não como uma benesse, nos faz posicionarmos contrárias/os às propostas que venham reforçar o primeiro-damismo, estatuto que representa tudo aquilo que procuramos romper, ou seja, com o clientelismo, com o cerceamento de famílias e com o uso das pessoas que necessitam da assistência social para a promoção da imagem do político. O primeiro-damismo, a nosso ver, é a caricatura da negação do direito, uma vez que simboliza, de forma bastante clara, o lugar que governos baseados em assistencialismo reservam à população usuária do SUAS: o lugar de quem deve agradecer ao político pela sua bondade, por sua benevolência. Por saber que nós, trabalhadoras/es do SUAS, nos constituímos como a “tecnologia básica” deste sistema, uma vez que “a mediação principal é o próprio profissional” (BRASIL, 2008), não podemos nos calar, pois o trabalho social que realizamos exige conhecimento, formação técnica e perfil e não é possível que para um cargo de condução de uma política pública o critério seja o casamento e não o currículo profissional ou concurso público. A qualificação do trabalho social com famílias é um grande marco na implantação do SUAS e em uma de suas dimensões há um conjunto de atribuições técnicas/os, que compõem as equipes de referência dos serviço socioassistenciais. Entre estas atribuições está o acompanhamento às famílias que se encontram em situação de vulnerabilidade e/ou risco social decorrente, dentre outros fatores, da precariedade de renda. Assim, as famílias beneficiárias de programas de transferência de renda são prioritárias para o acompanhamento social que se configura como a oferta de um serviço e não uma exigência ou