Quem fiscaliza os serviços e benefícios da Assistência Social?

Por Tatiana Borges* Como assistente social e servidora do estado é comum, em alguns momentos no trabalho cotidiano do SUAS, sermos confundidas com fiscais da política de assistência social dos municípios. Para além da fiscalização, observo por diversas vezes que gestoras/es e trabalhadoras/es municipais esperam do ente estatal uma ação mais incisiva que possa solucionar as inadequações existentes nas equipes de referência, nas estruturas físicas e formas de organização dos serviços e benefícios socioassistenciais, como também nas próprias gestões de assistência social. Considero que este anseio é próprio de quem quer ver o Sistema Único de Assistência Social que tanto estudamos nas orientações técnicas, textos e legislações, materializado na realidade de trabalho vivida. Penso ainda que esta aspiração parte de quem busca e acredita ser possível que o SUAS, tal como proposto, atue na proteção a vida, na prevenção da incidência de riscos sociais, na identificação e superação de desproteções sociais e na redução de danos impactando a existência de grupos de pessoas. Eu também acredito nesta possibilidade do SUAS viabilizar direitos socioassistenciais. No entanto, aprendi nos espaços de formação de assistentes sociais a evitar pensamentos mágicos e a desvincular do messianismo presente na profissão e que obviamente influencia a política de assistência social. Este messianismo é a ideia de que “boas moças” salvam as pessoas, resolvem os problemas da pobreza na sociedade e promove as mudanças sociais. Não obstante, a desassociação do fatalismo histórico onde a realidade já estaria definida levando a acomodação e mediocridade profissional também sempre se fez urgente. (IAMAMOTO, 2005) Trago este debate profissional por que de alguma forma a história da política de assistência social e da profissão de serviço social se misturam, ambas nasceram da necessidade do Estado controlar e fiscalizar os pobres para manter a ‘ordem social’. No serviço social houve o momento de ruptura com o modelo conservador conhecido como movimento de reconceituação da profissão. Na política de assistência social, a ruptura é a constituição, é a LOAS e o SUAS que coloca em foco o rompimento com velhas práticas assistencialistas, clientelistas e descontínuas para se trabalhar com a noção de direitos que podem ser reclamáveis, com serviços continuados, gratuitos e qualificados e também com o controle social das ações. Neste contexto de rupturas não seria demais afirmar que não há facilidades e não existe mágica, embora possamos sim construir este novo caminho de efetivação da política conforme previsto nas normativas e é exatamente o que tem sido feito pelos conjuntos diversos de atores/as sociais que lutam cotidianamente em seus espaços ocupacionais e de participação para que o SUAS se torne uma realidade. E para que estas novas possibilidades aconteçam de fato é preciso ter noção de totalidade e perceber o movimento dialético da sociedade, além dos diferentes projetos societários que disputam forças e envolvem os espaços públicos em cada esfera de governo. E por falar em esferas de governo o que pretendo ressaltar neste texto é o fato de NÃO existir na Constituição Federal e legislações do SUAS uma hierarquia entre os entes federados (estado, município e união) mas sim corresponsabilidades. Valeria um estudo mais aprofundado da relação entre estados e municípios no âmbito da assistência social para entendermos como se estabeleceu esta suposta hierarquia. Em minhas pesquisas encontrei duas publicações específicas do estado de São Paulo que evidenciam a prioridade histórica do repasse de auxílios e subvenções estaduais diretamente às entidades privadas sem critérios claramente estabelecidos e com a intervenção do poder legislativo. Esta prática ainda é existente e conhecida como indicações parlamentares, que não passam pelo crivo dos conselhos de assistência social. Segundo BOVOLENTA (2016) este tipo de ação “produziu uma relação de subalternidade entre os entes, uma vez que criava uma hierarquia entre estados e municípios”. Assim, não existe na lei, mas esta visão de hierarquia criada equivocada e historicamente ainda permeia a relação estado-municípios e a meu ver prejudica o avanço da política de assistência social, pois além de criar expectativas irreais, faz com que algumas realidades sejam distorcidas e por vezes até omitidas pelo receio de repreensões, punições e/ou perda de recursos. Efetivamente, as fragilidades e lacunas das ofertas socioassistenciais devem ser conhecidas e analisadas criticamente em uma relação de horizontalidade e confiança entre os entes federados para que seja possível a união de esforços no alcance da superação, primando sempre pela qualidade do atendimento à população usuária desta política pública. É preciso estar claro que o conceito atual da gestão no SUAS tem se distanciado do caráter hierárquico e centralizador e assumido um papel de: cooperação; de apoio técnico na organização, implantação e reordenamento dos serviços; de educação permanente; supervisão; acompanhamento; diagnóstico; informação; vigilância; monitoramento analítico por dados e indicadores e avaliação. Aspectos que orientam o planejamento estratégico da política pública de assistência social, com intuito de aprimorar a gestão, fortalecer o controle social e principalmente qualificar os serviços, programas, projetos e benefícios de assistência social. Dito isso seria a fiscalização a função principal do ente estadual? Se atentarmos para os textos da LOAS (art. 13) e da NOB SUAS 2012 (art. 12 e 15) que dispõem sobre as atribuições dos entes estatais não encontraremos esta função como sendo a principal dos estados, mas sim dos conselhos municipais de assistência social, devido ao seu caráter deliberativo. O que não quer dizer que não exista ou deva existir apuração de denúncias e/ou fiscalizações quanto à utilização de recursos estaduais na finalidade prevista, por exemplo. Mas não é esta a essência da gestão estadual da política de assistência social. Para esta atividade existem órgãos específicos como tribunais de contas, controladorias gerais, entre outros, além do Ministério Público que deve apurar as irregularidades e tomar as medidas cabíveis. Segundo as orientações às práticas de supervisão do estado de São Paulo (2016): O papel preponderante do estado é monitorar e avaliar territorialmente a gestão socioassistencial das diferentes regiões, acompanhando a gestão municipal e os resultados de suas ações, dando apoio e assessoria técnica de forma sistemática, visando o efetivo cumprimento das normativas e buscando excelência no atendimento à
Mulheres que chegam ao SUAS: que histórias elas podem contar?
Por Lívia de Paula* Nossa história tem meninas, e meninas também contam nossa história. É impossível compreender o Brasil sem a insistência de compreender suas meninas. Porque entre nós ser menina ainda constitui uma desvantagem social e, sendo pobre, uma exclusão social. -Marlene Vaz- Dia 08 de março: Dia Internacional da Mulher. Em virtude desta data, o mês de março assume em diversos segmentos sociais, inclusive nas políticas públicas, um caráter de celebração e mobilização diante das questões relativas ao feminino. A publicidade comercial foca seus esforços no incentivo ao consumo, a indústria da beleza vende a importância de estar sempre bela e atraente, os serviços de saúde oferecem exames preventivos, orientações e consultas específicas. O SUAS também se mobiliza. Lembro-me que, no ano passado, o Blog Psicologia no SUAS realizou um Hangout com o intuito de discutir quais estavam sendo as práticas propostas na política de assistência social dos municípios para marcar esta data. Muitas foram as críticas feitas por nossa editora Rozana às atividades já banalizadas nos equipamentos, como o famoso “Dia da Beleza”, por exemplo. Seus questionamentos diziam respeito a quais estereótipos estamos reforçando quando reduzimos nossas ações a proporcionar um corte de cabelo, um alisamento dos fios e uma maquiagem.[i] Ao me propor a escrita deste texto, me vi pensando: “Será que conseguimos avançar em alguma coisa no que tange a esta temática?” Meu convite para você, leitor e colega do SUAS, é esse: vamos pensar juntos como temos atuado frente às questões do feminino? Comecemos pensando sobre a pluralidade escondida nessa história de ser mulher. O nosso “Dia da Beleza” contempla essa pluralidade? Usando uma das frases mais conhecidas de Freud: será que sabemos “afinal, o que querem as mulheres?” Será que sabemos de fato quem são essas mulheres que chegam até o SUAS? No nosso cotidiano de trabalho, estamos sempre falando sobre essas mulheres. Discutimos o lugar da mulher na sociedade contemporânea e as questões de poder imbricadas nas violações a que todas nós estamos sujeitas. Falamos de empoderamento e autonomia. Ao mesmo tempo, em nossa rotina prática, preenchemos nossos relatórios quantitativos e categorizamos: meninas vítimas de abuso sexual, adolescentes aliciadas por redes de exploração sexual, mulheres prostitutas, mulheres vítimas de violência doméstica…. Lidamos todos os dias com situações nas quais a vulnerabilidade, a fragilidade e os mais diversos tipos de violência fazem com que mulheres cheguem até nós “gritando por socorro.” No meu texto anterior[ii]: “Feliz Gestão Nova: o SUAS convida a uma Psicologia Neutra?”, defendi a ideia de que o SUAS convida, para o trabalho em seus equipamentos, profissionais que se posicionem em defesa dos direitos das minorias, dentre elas, as mulheres. Só uma defesa intransigente torna possível uma transformação nos ciclos de violação a que estão submetidas nossas usuárias. E é por isso que precisamos ocupar os espaços falando de violência, de identidade de gênero, de relações de poder alicerçadas em nossa cultura machista. Mas é também necessário nos atentarmos para uma possível armadilha que pode nos capturar no percurso desta tarefa. Esta armadilha surge quando, ancorados em nossos posicionamentos ideológicos, deixamos de estar em contato com a pessoa que estamos atendendo. Isso pode fazer com que criemos balizadores do que acreditamos “mais adequado” para a vida das usuárias. Algumas frases, comuns de serem ouvidas nos equipamentos, exemplificam o que exponho: “por que você não se separa deste companheiro?”, “ela precisava largar a prostituição e o uso das drogas”, “para quem não tem nada, aprender artesanato já seria uma fonte de renda”. Agindo assim, corremos o risco de simplesmente trocar uma forma de opressão por outra. Corremos o risco de criar um outro modelo idealizado de mulher. Será que nosso papel não seria trabalhar as situações de vulnerabilidade que envolvem as mulheres a partir das experiências de feminino que nos são apresentadas? Circula sempre pelas redes sociais, em diversas páginas que discutem as questões do feminino, uma frase bastante interessante: “Lugar de mulher é onde ela quiser.” Creio que não podemos nos esquecer disso. Se acreditamos que o patriarcado nos tirou a voz por tanto tempo e ainda hoje continua nos oprimindo, não é hora de escutarmos a voz das mulheres? Precisamos escutar principalmente aquilo que é difícil de ouvir. Aquilo que nos faz nos sentir impotentes. Aquilo que, por vezes, toma o sentido oposto do que acreditamos liberdade feminina. Segundo Torres, Nas situações, mais complexas, é preciso não apenas nos colocar no lugar do outro e entender o lado do outro, tentar sentir o que o outro sente – o que tange o conceito de empatia –, mas também conseguir se aproximar do fenômeno em questão. (TORRES, 2015)[iii] É necessário nos atentarmos para a experiência de cada mulher que acolhemos. Existe ali uma manifestação do feminino, que se revela singular e intransferível, que nos aproxima do fenômeno, que amplia nossa compreensão e que pode inclusive enriquecer nossas estratégias de enfrentamento no nível macro. O documento “Referências técnicas para atuação de psicólogas (os) em Programas de Atenção à Mulher em situação de Violência”, produzido pelo Conselho Federal de Psicologia, no ano de 2013, traz uma contribuição importante para esta questão, quando aborda o referencial da clínica ampliada. Segundo o documento: Um diferencial dessa clínica denominada ampliada é que a escuta realizada pelo profissional não se interessa apenas pela situação de violência, mas pela pessoa na sua integralidade, considerando todas as suas necessidades. (p.50) Apesar do documento não tratar do trabalho no SUAS, penso ser uma boa sugestão de leitura exatamente por possibilitar que ampliemos o nosso olhar sobre esta problemática. Ainda é urgente falar, e falar muito, sobre violência, exclusão e sobre as fragilidades e desvantagens de ser mulher em nossa cultura. Mas que possamos compreender as pessoas que acolhemos em sua integralidade, que possamos parar para escutá-las sobre aquilo que vivem. Por que ao invés de promover Dias da Beleza e do Artesanato, não fazemos de março um mês de Histórias, por exemplo? Por que não convidar essas mulheres para uma “costura” de vivências, na qual cada uma pode
Direção social, elaboração de relatórios e o trabalho na proteção social especial

Por Thaís Gomes* O trabalho na proteção social especial provoca múltiplas reflexões nos mais diversos âmbitos tais como as formas de se trabalhar, posturas a serem adotadas nas variadas situações cotidianas, a correta utilização do instrumental técnico-operativo de cada profissional no equipamento, a adequação do trabalho às regulamentações da política de assistência social, dentre outras. O cotidiano de trabalho traz a tona nossas visões de mundo, a forma que enxergamos cada realidade com que nos deparamos diariamente e que orientam nosso fazer profissional e os documentos emitidos a partir deste, o que exige certos cuidados. A proteção social especial trabalha com indivíduos e famílias em situações de violação de direitos tais como violência física/psicológica/ sexual (abuso e/ou exploração sexual)/, negligência, abandono, trabalho infantil dentre outras demandas. Atuar na PSE requer habilidades no trabalho social com as famílias, com o atendimento pautado no respeito à diversidade de arranjos familiares, à heterogeneidade, potencialidades, valores, crenças e identidade das famílias atendidas. De acordo com a PNAS, a realidade brasileira revela que existem muitas famílias com as mais diversas situações socioeconômicas que induzem à violação de direitos dos seus membros, além dos mais diversos arranjos familiares, considerando, nesse processo, família como conjunto de pessoas que se acham unidas por consanguíneos, afetivos e, ou, de solidariedade, entendendo, nessa perspectiva, que há uma infinidade de arranjos familiares. O trabalho na política de assistência social seja na proteção social básica ou especial, requer o que Cardoso (2008) chama de observação sensível, tendo em vista a aparência muitas vezes não representar a essência da situação apresentada e é através dela que temos a possibilidade de desvelar o real. A autora caracteriza a observação sensível como vivência, busca por percepções, memórias, sensações e sentimentos frente à realidade apresentada. Tem a qualidade de nos alertar para o sensível no relacionamento com os usuários. Essa abordagem nos sensibiliza para a empatia e o cuidado na escuta e registro dos atendimentos, para o acolhimento e o respeito ao usuário e sua história de vida, significa “estar interessado no que o outro tem a dizer”. A autora nos fala que ao observarmos um determinado fenômeno social atribuímos significado ao mesmo, e, através dessa observação, expressaremos em nossos registros os sentidos, as condições de vida, acesso as políticas sociais, a presença real de violação de direito e de que forma as pessoas reagem aquela realidade, e como os indivíduos se organizam para o enfrentamento diário dos desafios colocados pelo contexto social vivenciado. Em concordância com a PNAS, sabemos que o trabalho na proteção social especial se dá realizando uma estreita interface com o sistema de garantia de direitos (1), onde é necessária muitas vezes uma gestão mais complexa e compartilhada com o Poder Judiciário, Ministério Público, Conselhos Tutelares, bem como outros órgãos e ações do poder executivo, com envio de relatórios dos mais diversos tipos para colaborar na elucidação dos casos. Essa interface nos remete a seguinte reflexão: quando emitimos um documento a algum dos órgãos do sistema de garantia de direitos relatando situações de violações de direito que são demandas da PSE, estamos a serviço de quem? A quem está direcionado o nosso trabalho? Qual teor dos relatórios emitidos, eles apresentam um profissional comprometido com os direitos dos usuários ou com a instituição a qual representa/responde? Quais os valores que imprimo ao meu trabalho diariamente? Será nosso papel julgar/punir usuários? Nesses termos é necessário refletir sobre a direção social adotada em nosso fazer profissional. Cardoso (2008) sinaliza que o nosso lugar (e aqui trago para o lugar dos profissionais que atuam na PSE) é de humanizar o atendimento ao usuário, é de torná-lo um espaço de direito legítimo, socialmente justo. Isso se dá quando imprimimos em nosso fazer profissional uma identidade institucional de que aquele espaço no qual estamos inseridos, é um espaço de direito social, fruto de conquistas democráticas coletivamente organizadas, e que nossa ação expressa nos serviços assistenciais esta intenção política. E é com esta intenção que devemos pautar todo processo de trabalho, reforçando o nosso compromisso com os direitos do usuário. Cardoso (2008) nos fala que o significado social de nossa intervenção consiste justamente numa estratégia para o resgate dos direitos emancipatórios e inclusivos destes usuários dentro do processo de desenvolvimento social. Devemos, portanto nos ater ao cuidado na escrita dos relatórios enviados aos órgãos, utilizando um referencial técnico pautado nas regulamentações da política de assistência social, no referencial bibliográfico comum à temática e nas orientações ético-políticas profissionais e adequado aos objetivos propostos. O uso de discursos de senso comum, reproduzindo estigmas e preconceitos retratam um profissional despreparado para lidar com a complexidade da realidade social que permeia a vida dos usuários da política de assistência social, o que pode prejudicar potencialmente os usuários e ainda culpabilizar as famílias e/ou indivíduos. Cardoso (2008) enfoca ainda que a “adoção de conceitos marcadamente assistencialistas, pragmáticos e excludentes, [na elaboração dos relatórios] pode induzir a ações semelhantes, nos distanciando de compromissos essenciais que dão sentido à existência profissional”, dentro do equipamento da política de assistência social no qual estamos inseridos como é o nosso caso e isso independe da categoria profissional e se o trabalho é desenvolvido na PSB ou PSE. A autora nos demonstra ainda que devemos nos questionar se é objeto do serviço social ou de outra profissão que atue na política de assistência social, ser investigador da vida alheia, que emite julgamentos sobre comportamentos, modos de vidas das famílias ou se somos investigadores da realidade social em que estes estão inseridos, das afetações político-sociais que podem interferir na qualidade de vida das pessoas, no acesso a seus direitos fundamentais. No trabalho com famílias, por exemplo, quando da elaboração de relatórios, por vezes são utilizados termos como “ambiente nocivo”, “lar instável”, “desestrutura familiar”, “lar desestruturado” e tantos outros termos estigmatizantes , desse modo, devemos refletir sobre qual modelo de referência familiar estamos adotando como correto para considerar que este ou aquele modelo seja inadequado (2). Segundo Cardoso (2008) a linguagem adotada na elaboração dos relatórios revela os estigmas do profissional,
Oficinas, grupos e atividades no âmbito do SUAS
Por Aline Morais* Inicio aproveitando uma observação que expus em outro texto: Diálogos e perspectivas possíveis da Assistência Social com/e da Terapia Ocupacional quando citei sobre as discussões feitas por colegas acerca do uso de atividades e necessidade de que essas tenham objetivos, por exemplo, de que a oficina de artesanato “nunca pode ser feita sem uma parte socioeducativa” associada. Tal discussão, para os terapeutas ocupacionais está bastante contemplada, já que o ensino de atividades na formação do Terapeuta Ocupacional é central nos diferentes campos da profissão, e sempre permeada por um intuito. Como também já sinalizamos, é um mito pensar na atividade ou na aplicação de uma técnica que produz efeitos por si só, sem o recurso e direcionamento profissional competente. Partimos da visão de que a atividade humana é relacional, instaurando aprendizagens de si, do outro, de técnicas, instrumentos e territórios, facilitando novas experiências que aumentem a potência de ação e criação da existência (SILVA, POELLNITZ, 2015). O uso de atividades nos serviços de assistência social é um importante recurso (ou metodologia) de trabalho junto ao seu público. Ainda há um histórico de oferta de cursos profissionalizantes (tendo em vista estimular o empreendedorismo e saída da condição de dependente do poder público) e artesanato (para dar uma “ocupação”) aos sujeitos da assistência. Parece-me que a visão de que “é necessário se ter um objetivo” é recente em alguns núcleos do campo social. Esse raciocínio invertido confere um grande risco: o de que se construam objetivos e demandas para justificar a oferta de atividades que se têm disponíveis, sendo que o caminho deveria ser contrário: construir atividades a partir das demandas dos usuários (sempre!). A partir disso, vamos focar na discussão acerca das atividades, oficinas e grupos. Qual a diferença entre grupo e oficina? Segundo o dicionário online Michaelis, oficina é um lugar onde se exerce um ofício, um curso de curta duração que envolve um trabalho prático e partilha de experiências. Por grupo, define-se um conjunto de pessoas que forma um todo, conjunto de seres ou coisas previamente estabelecidos para fins específicos (MICHAELIS, 2017). Mediante este aporte, compreendemos que tanto os grupos como as oficinas podem ter os mesmos objetivos, contudo, sua metodologia e/ou recurso é diferente. As oficinas são um tipo de grupo, que está relacionado necessariamente ao fazer, à ação humana prática, promovendo aprendizagem e experimentação compartilhada, contando com um caráter ativo e dinâmico dos sujeitos (SILVA, 2007). Considerando as orientações técnicas sobre o PAIF (BRASIL, 2012), as oficinas com famílias são definidas como encontros previamente organizados, com objetivos de curto prazo (começo, meio e fim) a serem atingidos, conduzidos por profissionais de nível superior. Atuar com conjunto de famílias vem da compreensão de que as pessoas estão em constante interação com o outro, relacionando-se. Essas oficinas teriam o intuito de suscitar reflexões sobre um tema (nas áreas civis, políticos, sociais, culturais, econômicos, ambientais) de interesse da família. Em geral, contam com sete a quinze participantes. Objetiva-se desenvolver projetos coletivos e empoderamento da comunidade, conquista do protagonismo e da autonomia, podendo ser aberta ou fechada. Em tais orientações, os atendimentos coletivos (em grupo), além de oficinas com famílias, podem se caracterizar em acolhidas e ações comunitárias. Portanto, segundo as orientações técnicas, as oficinas são reconhecidas como uma modalidade de trabalho grupal, mas, não necessariamente ligada ao “fazer”, já que reconhece que a reflexão de um tema poderia ser feita. Porém, a reflexão seria um “fazer”? Uma atividade prática? Entendo que a oficina, ou a confecção de algo concreto traz a materialização dos conteúdos implícitos, que somente as palavras e o recurso verbal não seriam capazes de expressar e experimentar. Diante disso, partimos desse conceito de oficina, que necessariamente envolve o fazer algo concreto-prático. Em terapia ocupacional, há diversas formas de compreensão da atividade humana, entre elas (e aquela que acredito ser a que mais dialoga com a Assistência Social) é a de que a atividade se constitui em um “meio” para diversos fins, tais como a mediação de situações, experimentação, expressão, formação de vínculos, intermediação, socialização, produção de autonomia, e outros, a serem construídos junto à população alvo das ações de acordo com suas demandas (MALFITANO, 2005). O uso de atividades admite a realização de uma série potente de ações, que podem ser classificadas, compreendidas e aplicadas com diferentes objetivos, tais como: a) a partir de técnicas intrínsecas (marchetaria, mosaico, dança, culinária, entre outros); b) uso e produção do material, recurso ou equipamento (cerâmica, fotografia, origami, papel reciclado, blog, entre tantas outras); c) pelos campos de saber em que são classificadas (artística, cultural, literária, esportiva, lúdica, de lazer, entre outras); d) pelas propostas antecipadamente elaboradas com temáticas e objetivos preestabelecidos (debates sobre perspectiva de vida, informação a respeito do mundo do trabalho, processos educativos acerca da rede de proteção da infância e adolescência no município, entre outras); e) por serem ações cotidianas (usar o transporte público, estudar, alimentar-se, jogar futebol, entre outras); f) pelos diferentes sentidos e significados que os sujeitos em ação podem designar ou imprimir a partir de suas vivências pessoais, nesse caso, ainda que as propostas tenham indicações ou direcionamentos prévios, o interesse está na percepção individual que aquela determinada experiência proporcionou ao participante da ação (SILVA, 2012). Considerando as oficinas como um importante recurso para o trabalho social com famílias, vale destacar que aquelas que, de fato, promovem transformações, devem propiciar espaços de pertencimento ao sujeito, visando construir perspectivas de vida por meio de descobertas e capacitações das suas potências, que facilitem o autoconhecimento, a expressão de si, que dá sentido ao que somos (LIMA, 2004). Para tanto, volto à importância do recurso humano, especificamente do terapeuta ocupacional. Por mais que possa ser redundante para alguns, cabe enfatizar que o oficineiro tem uma função diferente do terapeuta ocupacional, pois ele tem o domínio da técnica (por exemplo, o músico que ensina o processo de composição de um rap, um artesão). O terapeuta ocupacional pode dominar a técnica, mas isso não é o essencial, tampouco imprescindível a este profissional. Ele deve ser