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Psicologia no SUAS

Você está no Psicologia no SUAS

Você já foi picado pelo “bichinho” chamado Psicologia Social e Comunitária?


LiviaPor Lívia de Paula*

 

 Em minha estreia¹ neste espaço, trouxe alguns questionamentos que sempre me acompanham no cotidiano de trabalho dentro da Política de Assistência Social. Tais questionamentos se referem a qual psicologia seria possível dentro deste campo de trabalho, a qual psicologia temos nos dedicado como trabalhadores do SUAS. Se estamos garantidos por lei dentro dos equipamentos da Assistência Social, estamos mais que convidados, estamos convocados a pensar como tem sido e como pode se dar nosso fazer junto às famílias. Assim, seja em um CRAS, CREAS ou demais equipamentos das proteções básica e especial, sempre haverá um profissional de Psicologia “fazendo” alguma coisa. E se já sabemos que não fazemos psicoterapia, mas estamos nestes locais fazendo alguma coisa, quero te perguntar: o que estamos fazendo? Já parou para pensar?

Nosso “gueto” do SUAS sempre está a pontuar: nossa formação não nos preparou e talvez ainda não prepare nossos colegas estudantes para esta inserção na Assistência Social. Embora já existam disciplinas que abarcam a prática do psicólogo social em alguns cursos, a maioria ainda parece ter como foco a dobradinha “indivíduo – divã”. Mas, há algum tempo refletindo sobre isso, tal pontuação tem me incomodado. Claro, não há como negar que a maioria de nossas disciplinas possuem um viés clínico pautado no indivíduo e em sua psiquê. Mas, acredito que a maioria de nós tenha sim sido ao menos apresentado a disciplinas como: Dinâmica de Grupo e Instituições, Psicologia Social, Psicologia Comunitária, Saúde Coletiva, entre outras. Tais disciplinas me parecem essenciais para nortear nossa atuação, mesmo não abordando diretamente o funcionamento do SUAS e de seus equipamentos.  Será que, por não tratarem diretamente da Política de Assistência Social, acabamos nos esquecendo de seus ensinamentos? Além disso, creio que somos ou deveríamos ser profissionais que acreditam na possibilidade de transformação, de mudança das pessoas. E o mesmo não vale para nós? Se não me sinto preparado para atuar no campo, o que estou fazendo para mudar isso?

Lembro da minha formação, da primeira aula como caloura de Psicologia: Dinâmica de Grupos. Não sei bem ao certo, mas talvez ali eu já tenha sido picada por este bichinho chamado Psicologia Social e Comunitária. Lembro-me afetivamente da professora Eloísa Borges, e a vocês peço licença para mencioná-la e agradecer pela delicadeza de nos emprestar os seus olhos para que pudéssemos desenvolver os nossos. Vieram outras disciplinas e estágios, onde pude exercitar o fazer da Psicologia junto a grupos e minorias. E aí, pronto. Me descobri encantada por este universo que hoje conduz minha prática no SUAS.

Tive outros encantamentos durante a graduação. E como já pontuei o viés clínico tão enfatizado pejorativamente por nós do SUAS, é claro que ele também foi marcante em minha formação. E aí, no sétimo período, me vi flertando com a Psicologia Fenomenológico-Existencial. Entender o ser humano sem noções pré-concebidas, a partir do fenômeno, entendido como aquilo que se revela, que se mostra, isto é, “aquilo que aparece”. Esta é a proposta da fenomenologia. Você deve estar se perguntando: cabe no contexto do SUAS? A meu ver, O SUAS nos convida o tempo todo para esta postura fora da caixinha dos rótulos: acolher o que aparece, o inusitado e nos reinventar, sem roteiro predefinido construir intervenções a partir do que nos é dado pelos usuários. Por isso, mais que olhar pejorativamente para nosso viés clínico, proponho que prestemos atenção naquilo que esse viés pode trazer de contribuição para o nosso fazer. Não se trata de ser psicoterapeuta no contexto do SUAS, mas de refletirmos sobre como nossa formação clínica pode, conjugada aos ensinamentos da Psicologia Social, contribuir para a construção/invenção da nossa prática.

Creio que seja necessária uma última reflexão. Uma reflexão mais individual e afetiva: você já se perguntou se seu coração bate pelo social? Pois não bastam as capacitações, cursos e livros se não tivermos prazer naquilo que fazemos. Se o nosso coração bate pelo social, deixemo-nos “picar” todos os dias pela Psicologia Social. E sigamos com a luta, lembrando da famosa e até batida frase de Jean-Paul Sartre, filósofo existencialista: “Não importa o que fizeram de mim, o que importa é o que eu faço com o que fizeram de mim.” Estamos no SUAS. E aí, o que vamos fazer com isso?

Texto 1  [1]Compartilhando vivências: vamos falar sobre nossa atuação na Proteção Social Especial?

*Lívia de Paula – Graduada em Psicologia pela Universidade do Estado de Minas Gerais (2003). Possui formação em Psicoterapia Existencial e especialização em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes. Foi membro do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Gestões 2010-2012 e 2012 -2014). Atua na área de Assistência Social desde 2006. Atualmente é técnica de referência do PAEFI/CREAS de Itaúna/MG, psicóloga clínica, coordenadora do GT SUAS da Subsede Centro Oeste do CRP – MG e membro do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (Gestão 2016-2018). Contato: liviadepaulla@yahoo.com.br

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9 respostas para “Você já foi picado pelo “bichinho” chamado Psicologia Social e Comunitária?”.

  1. Avatar de Evandro Batista
    Evandro Batista

    Olá Lívia.
    Trabalho com técnico de referência do SCFV há três anos e considero que, na atuação da maioria dos psicólogos no SUAS, foi adotada uma espécie de ortodoxia social sob a justificativa de combater a ortodoxia clínica dos profissionais da psicologia. Obviamente, não há como negar os muitos anos de prática da psicologia calcada numa patologização excessiva e desnecessária dos sujeitos. Por outro lado, não se pode negligenciar a existência do sofrimento mental das pessoas e a consequente repercussão sobre a fragilização das famílias, acesso e violações de direitos. Portanto, se um psicólogo que atua no SUAS assume a postura extremista de ignorar todo e qualquer aspecto clínico-psicológico dos sujeitos, corre sério risco de justamente contribuir para que estes não tenham garantidos o acesso aos seus direitos. Não podemos, nem devemos fazer psicoterapia no SUAS, mas isso não significa que não possamos utilizar os conhecimentos da clínica para aprimorar nossa prática a fim de atingir nosso objetivo: aumentar a capacidade protetiva das famílias, protegê-las e garantir o acesso aos seus direitos.

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    1. Avatar de Lívia de Paula
      Lívia de Paula

      Olá Evandro,
      obrigada pelo seu comentário. Também não sou adepta dos radicalismos. Acredito que todos os nossos conhecimentos podem, de alguma forma, contribuir para nossa atuação, onde quer que estejamos. No SUAS temos um foco claro que precisa ser respeitado e do qual precisamos nos apropriar mais, porém isto não significa abandonar todo o resto, não é mesmo? Grande abraço! Espero que continue acompanhando os posts.

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      1. Avatar de Joelma Silva
        Joelma Silva

        Para ampliar conhecimentos, segue sugestão de leitura:

        Livro do CREPOP sobre a atuação do(a) psi na PSE:

        Clique para acessar o Livro_ServicoProtecao_11mar.pdf

        Livro do CREPOP sobre a atuação do(a) psi na PSB:

        Clique para acessar o 2008-CREPOP-CRAS-SUAS.pdf

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  2. Avatar de Claudia
    Claudia

    Eu estou trabalhando em um CRAS, eu vejo que as pessoas que lá vão, estão mais interessadas nos benéficos do bolsa família, no leite, no óleo e nos mantimentos que são oferecidos no SCFV, do que no que a psicologia tem a oferecer, quem demonstra interesse em explorar suas vulnerabilidades psíquicas, e se abrem para a psicologia, devem ser encaminhadas para a saúde, porque não podemos atender por mais de 3 x, então fica difícil ser psicólogo num ambiente desses, se bem que a saúde também está tomada pelo paradigma positivista médico. Parece que só o assistente tem lugar no CRAS, nos somos uma espécie de intrusos que são acorrentados, talvez por medo deles perderem algum poder que eles pensam ter sobre as pessoas, não sei,ainda. Se alguém puder me animar um pouquinho eu agradeço,pois estou bem pra baixo pelo que eu vivencio no dia a dia, praticamente não faço nada no serviço fico sem ter o que fazer, literalmente, não me dão casos, atendimentos são fúteis, logo eles vão embora (depois que conseguem algum benefício, ou são encaminhados pra saúde, ou ainda desistem depois de perceberem que não terão benefícios materiais) ou eu mando um relatório pro CREAS, ou Conselho tutelar, e o atendimento é interrompido. Bem, muito agradecida pelo desabafo, e desejo um forte abraço a todos vcs colegas de profissão.

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    1. Avatar de Lívia de Paula
      Lívia de Paula

      Olá Claúdia,
      Obrigada pelo seu comentário. A atuação da psicologia na Assistência Social é ainda nova, repleta de desafios e dificuldades. A assistência social, em sua história, é marcada pela postura assistencialista. Penso que a sua realidade é próxima da minha e de vários outros colegas nossos. Vejo o campo como um espaço de luta constante: pelo reconhecimento da Assistência Social como direito, pela valorização dos trabalhadores do SUAS e pelo lugar da Psicologia nesta atuação. Enfim, você não está sozinha! Que bom que a Rozana Fonseca criou este blog para nos encontrarmos, não é verdade? Quando compartilhamos as dores, elas ficam mais leves! Um grande abraço e força!

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  3. Avatar de Anderson
    Anderson

    Não sei de fui picado pelo tal bichinho, mas só sei que ele me persegue … todo concurso que presto acabo caindo no tal SUAS. Embora eu entenda o trabalho do psicólogo no SUAS, eu não gosto, meu coração não bate pelo social. Admiro quem goste.
    Percebo uma boa quantidade de psicólogos atuando no SUAS sem se identificar. Até entendo a questão da nossa formação clínica. Acho que as prefeituras poderiam, todas, se possível, abrirem concursos já especificando no edital o campo de atuação, como algumas cidades maiores têm feito.
    Vocês estão de parabéns pelo blog. Auxilia muito os profissionais de psicologia que estão ingressando no Social. Abraços.

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    1. Avatar de Lívia de Paula
      Lívia de Paula

      Oi Anderson, obrigada por comentar. Obrigada também pela coragem de assumir que não se identifica tanto assim com o campo. Penso que se alguns profissionais tivessem a sua coragem algumas transformações que precisamos seriam menos árduas. Concordo com você no que tange aos concursos públicos, inclusive meu próximo texto fará menção a isto. Espero que continue aqui conosco! Abraços!

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  4. Avatar de Mariana Gervasio

    Estou adorando acompanhar todas as postagens do blog!!!

    Continuem!!!

    Abçs,
    Mariana

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    1. Avatar de Lívia de Paula
      Lívia de Paula

      Que bom Mariana! Espero que continue gostando!! Abraços!

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Comentários