DIÁLOGO SOBRE O BPC

Sra. Maria, sr. José, Estão propondo alterar a LOAS, lei que garantiu um benefício para os idosos acima de 65 anos que não têm meios para prover o próprio sustento e não tem quem possa fazer por eles. Estão tirando seus direitos, vocês tão sabendo? Na redação original, lá em 1993, era só para idosos com mais de 70 anos, depois passou para 67 e após o Estatuto do Idoso (2003), está fixado em 65 anos. Várias propostas de conferências dos direitos da pessoa idosa e da assistência social já apontavam para a importância de garantir o benefício a partir dos 60 anos. Olha a deliberação da última Conferência Nacional de Assistência Social: 2. Alterar os critérios de concessão do Benefício de Prestação Continuada – BPC estabelecendo: a) Aumento de renda per capita para meio salário mínimo; b) Redução da idade do idoso para 60 anos; c) Não computação do valor do benefício na renda per capita para efeitos de concessão do BPC a outra pessoa idosa e/ou com deficiência na mesma família; d) Não computação de benefícios previdenciários de até um salário mínimo no cálculo da renda per capita para concessão do BPC à pessoa idosa e à pessoa com deficiência; e) Não computação da renda do curador no cálculo da renda do curatelado para fins de acesso; f) Ampliação em 25% no valor do BPC para pessoas que necessitam de cuidador; g) Concessão de 13º parcela anual; h) Incluir as pessoas com doenças crônico-degenerativas na concessão do Benefício de Prestação Continuada-BPC; i) Garantir a continuidade da vinculação do benefício ao salário mínimo nacional; j) Garantir a continuidade do modelo de avaliação das pessoas com deficiência baseado na CIF (Classificação Internacional da Funcionalidade) para o acesso ao BPC; k) Incluir novamente as pessoas com transtornos mentais graves e doenças raras; l) revogar imediatamente o Decreto Federal nº 8.805/2016 e todas as normativas que ferem os direitos constitucionais sobre as pessoas com deficiência e idosas. (Resolução nº 21/12/2017) Estava até indo bem, apesar dos passos lentos, né? Conferência, Sr. José? A cada dois anos o governo e sociedade conferem como estão as políticas para os idosos na sua cidade, propõem sobre o que precisa melhorar e deliberam ações em prol das pessoas idosas. O sr. nunca participou de uma? Já. Tem até foto do Sr. no site da prefeitura – na primeira fila. Sabia que estão querendo realizar as conferências só a cada quatros anos, e talvez nem realizar mais? O caráter deliberativo desse espaço de controle social também corre risco. Direitos sociais, num mundo cujos donos do capital ditam as regras, exigem defesa constante. Maria, a proposta é muito apartada da realidade do país. Quero dizer que quem propôs ou deixou como texto final não está preocupado em diminuir ou evitar o aumento da desigualdade social, porque idoso em situação de miséria, na maioria dos casos, tiveram um passado sem ou com precário acesso aos direitos sociais e civis. Muitos não sabem escrever o próprio nome; Muitos são vítimas do trabalho infantil e precoce; Muitos não têm um único registro na carteira de trabalho; Muitos nunca tiveram esse documento; Muitos nunca receberam salário mínimo – só experenciaram bicos; Muitos e muitos mesmo, não tem bens nenhum; casa própria? Patrimônio de R$ 98.000?; Muitos têm algum tipo de problema de saúde, físico e/ou mental, decorrente do esforço físico precoce e intenso, além de exposição a ambientes insalubres. Muitos tiveram/têm doenças não tratadas corretamente ou em tempo hábil – o que os deixaram sequelas, não estou falando de pessoa com deficiência. Se encaixou em várias dessas situações, dona Maria? Agora reflita comigo: faz o que com R$400,00? Não, Maria. Ampliar a faixa de idade, mas diminuir de forma tão abrupta o valor (de R$998,00 para R$400,00) não é vantagem, é moeda de troca, é cilada. Ninguém deveria receber menos que o mínimo. Uma vida inteira de misérias, da financeira a de potência, para viver os últimos dias de vida nem com o mínimo? Últimos dias. Não sei. Mas muito não costuma ser. A elevação da expectativa de vida não se aplica, significativamente, aos milhares de idosos que vivenciaram as situações que descrevi acima porque o resultado dos estudos reflete a desigualdade social, então o pobre vive menos e vive pior. Portanto, a instituição dos direitos sociais é para reverter e minimizar as mazelas advindas desse quadro. E é para frente que se anda! Não dá para aceitar menos do que foi, duramente, conquistado nas últimas décadas. E agora, Maria, José, o que fazer? Espalha essa notícia, rebelem-se todos. Com indignação, com luta, Rozana Fonseca
Precisamos falar sobre a cesta básica

Por Tatiana Roberta Borges Martins[1] A cesta básica de alimentos é uma velha conhecida da política de assistência social, ela existe desde as primeiras formas de prestação de auxílio à população e observo que, pelo menos entre as/os assistentes sociais, existe uma relação espinhosa com esta provisão, talvez pelo reducionismo do senso comum, que classifica a avaliação socioeconômica para concessão de benefícios como a única atribuição desta profissão, mas, sobretudo, pelo viés de caridade e moeda de troca que a cesta básica carrega ao longo da história e que a política de assistência social procura romper ao pautar benefícios socioassistenciais como direito de quem necessita. Não pretendo problematizar neste espaço sobre qual trabalhador/a do Sistema Único de Assistência Social/SUAS deve conceder a cesta básica para o cidadão, deixo esta tarefa para a Rozana Fonseca (risos), a intenção é realizar uma reflexão de como todos nós, que atuamos nesta política pública, nos relacionamos com esta forma de oferta que, segundo os dados oficiais[i], é a maior concessão referenciada como benefício eventual na assistência social. Além disso, sabendo que, em nossa sociedade, a doação de alimentos ainda se configura como uma prática ligada à religiosidade dos “cidadãos de bem” que tem o dever de praticar esmolas para ficarem em paz com suas consciências, proponho uma breve, mas indispensável análise, de como o poder público trata a questão da oferta de alimentação: também como um favor ou como um direito humano fundamental e universal?[ii] Recentemente, no espaço de educação permanente da região[iii] em que atuo, tivemos a presença da brilhante pesquisadora da temática “benefícios eventuais”, Drª. Gisele Bovolenta, que trouxe a tona antigas inquietações acerca do tema e as provocações que efetuo aqui são baseadas em seus textos, os quais recomendo a todas/os trabalhadoras/es da área conhecê-los. Os benefícios eventuais na assistência social A Política Nacional de Assistência Social/PNAS quando define que sua principal função é a proteção social está incluindo a integração de serviços e benefícios socioassistencias, o que engloba o benefício eventual como parte das seguranças sociais, mais especificamente a segurança de sobrevivência/renda. No entanto, é evidente que os avanços obtidos no SUAS não abrangeram, de forma significativa, os benefícios eventuais. Gisele Bovolenta (2017) afirma que os benefícios eventuais estão nominados na Lei Orgânica de Assistência Social/LOAS, mas ainda não foram conceituados, ou seja, não existem muitos estudos e nem muitos indicativos de quais os tipos e espécies de benefícios de vulnerabilidade temporária devem ser ofertados pela assistência social, se estes benefícios devem ou não ser pagos em pecúnia, ou qual o local apropriado para a entrega, tampouco há precisão sobre as formas de gestão, regulamentação e financiamento destas provisões. A pouca atenção dos municípios com esta parte da proteção social e principalmente a negligência da maioria dos estados contribuem para a manutenção da visão das pessoas que solicitam estes benefícios como carentes, desvalidas, coitadas, folgadas, acomodadas, entre outros termos pejorativos que se distanciam da noção de cidadãos de direitos. A ausência de regulamentação posterior a LOAS e demais normativas nacionais levou a uma operacionalização desorganizada dos benefícios eventuais, mais identificada com ações sociais isoladas de caráter assistencialista e clientelista do que com uma política pública cuja centralidade é o Estado (união, estado e município). Dito em outras palavras, a falta de interesse em regulamentar os benefícios eventuais e aproximá-los do campo de direitos juridicamente reclamáveis (como o BPC) tem a ver com as vantagens obtidas nas ações paternalistas e eleitoreiras. “A cesta básica é a água com açúcar na assistência social” Ouvi esta frase da Profª. Aldaísa Sposati em um espaço de formação que participei e imediatamente concordei e até me lembrei de momentos que, inconscientemente, também utilizei este “chazinho” nos atendimentos do famigerado “plantão social”. Ou seja, a afirmação é que a cesta básica é usada como um “calmante” quando não sabemos como lidar com as situações que emergem no cotidiano da prática profissional no SUAS, mas queremos amenizar de alguma forma o sofrimento do cidadão. Assim, a resposta do poder público para diferentes demandas é sempre a mesma: provisão de alimentos, isso quando há resposta, o que acaba por maquiar as reais desproteções sociais e violações de direitos existentes. Como a demanda se apresenta, por vezes, complexa, a concessão de cesta básica parece aliviar e confortar as adversidades vividas. Como o Estado se propõe a ser mínimo para a área social, prover alimentação, enquanto indispensável para a sobrevivência humana, parece ser o lenitivo necessário para que o indivíduo supere por si só a situação vivenciada. Por vezes, o que se observa é uma provisão pontual, isto é, o cidadão não é acompanhado ou mesmo encaminhado em suas necessidades aos serviços socioassistenciais complementares e necessários. (BOVOLENTA, 2017, p.509) Diante desta reflexão, é incoerente a reclamação de que os usuários só aparecem na assistência social atrás de cestas básicas, mesmo isso sendo um fato, porque se analisarmos bem, a mínima presença do Estado na vida de grande parte dos pobres historicamente foi esta: provisão de alimentos, sem demais serviços integrados. Já ouvi histórias de sorteios de cestas básicas para que os usuários participem de reuniões e depois querem reclamar quando eles aparecem no CRAS pedindo alimentos? Penso que temos que adotar um olhar crítico sobre as ofertas de serviços e benefícios públicos, antes de afirmarmos que os usuários não aderem às ações. E o poder público aderiu aos serviços, programas e benefícios de assistência social? E nós profissionais, de fato aderimos ao modelo do sistema proposto? Cesta Básica é mesmo um benefício eventual? Outro ponto importante e que nos faz pensar é se uma necessidade contínua de uma família à alimentação pode ser considerada eventual, baseada no conceito de vulnerabilidade temporária ou pontual. Acredito que não. Pois, se afirmamos, com tanta convicção, que são as mesmas famílias que sempre solicitam a cesta básica na prefeitura, não se trata de uma vulnerabilidade passageira, mas sim de vulnerabilidade social ou de situação de pobreza que é reflexo do contexto social, econômico, político e cultural do país e que não se resolve rapidamente,
Quem fiscaliza os serviços e benefícios da Assistência Social?

Por Tatiana Borges* Como assistente social e servidora do estado é comum, em alguns momentos no trabalho cotidiano do SUAS, sermos confundidas com fiscais da política de assistência social dos municípios. Para além da fiscalização, observo por diversas vezes que gestoras/es e trabalhadoras/es municipais esperam do ente estatal uma ação mais incisiva que possa solucionar as inadequações existentes nas equipes de referência, nas estruturas físicas e formas de organização dos serviços e benefícios socioassistenciais, como também nas próprias gestões de assistência social. Considero que este anseio é próprio de quem quer ver o Sistema Único de Assistência Social que tanto estudamos nas orientações técnicas, textos e legislações, materializado na realidade de trabalho vivida. Penso ainda que esta aspiração parte de quem busca e acredita ser possível que o SUAS, tal como proposto, atue na proteção a vida, na prevenção da incidência de riscos sociais, na identificação e superação de desproteções sociais e na redução de danos impactando a existência de grupos de pessoas. Eu também acredito nesta possibilidade do SUAS viabilizar direitos socioassistenciais. No entanto, aprendi nos espaços de formação de assistentes sociais a evitar pensamentos mágicos e a desvincular do messianismo presente na profissão e que obviamente influencia a política de assistência social. Este messianismo é a ideia de que “boas moças” salvam as pessoas, resolvem os problemas da pobreza na sociedade e promove as mudanças sociais. Não obstante, a desassociação do fatalismo histórico onde a realidade já estaria definida levando a acomodação e mediocridade profissional também sempre se fez urgente. (IAMAMOTO, 2005) Trago este debate profissional por que de alguma forma a história da política de assistência social e da profissão de serviço social se misturam, ambas nasceram da necessidade do Estado controlar e fiscalizar os pobres para manter a ‘ordem social’. No serviço social houve o momento de ruptura com o modelo conservador conhecido como movimento de reconceituação da profissão. Na política de assistência social, a ruptura é a constituição, é a LOAS e o SUAS que coloca em foco o rompimento com velhas práticas assistencialistas, clientelistas e descontínuas para se trabalhar com a noção de direitos que podem ser reclamáveis, com serviços continuados, gratuitos e qualificados e também com o controle social das ações. Neste contexto de rupturas não seria demais afirmar que não há facilidades e não existe mágica, embora possamos sim construir este novo caminho de efetivação da política conforme previsto nas normativas e é exatamente o que tem sido feito pelos conjuntos diversos de atores/as sociais que lutam cotidianamente em seus espaços ocupacionais e de participação para que o SUAS se torne uma realidade. E para que estas novas possibilidades aconteçam de fato é preciso ter noção de totalidade e perceber o movimento dialético da sociedade, além dos diferentes projetos societários que disputam forças e envolvem os espaços públicos em cada esfera de governo. E por falar em esferas de governo o que pretendo ressaltar neste texto é o fato de NÃO existir na Constituição Federal e legislações do SUAS uma hierarquia entre os entes federados (estado, município e união) mas sim corresponsabilidades. Valeria um estudo mais aprofundado da relação entre estados e municípios no âmbito da assistência social para entendermos como se estabeleceu esta suposta hierarquia. Em minhas pesquisas encontrei duas publicações específicas do estado de São Paulo que evidenciam a prioridade histórica do repasse de auxílios e subvenções estaduais diretamente às entidades privadas sem critérios claramente estabelecidos e com a intervenção do poder legislativo. Esta prática ainda é existente e conhecida como indicações parlamentares, que não passam pelo crivo dos conselhos de assistência social. Segundo BOVOLENTA (2016) este tipo de ação “produziu uma relação de subalternidade entre os entes, uma vez que criava uma hierarquia entre estados e municípios”. Assim, não existe na lei, mas esta visão de hierarquia criada equivocada e historicamente ainda permeia a relação estado-municípios e a meu ver prejudica o avanço da política de assistência social, pois além de criar expectativas irreais, faz com que algumas realidades sejam distorcidas e por vezes até omitidas pelo receio de repreensões, punições e/ou perda de recursos. Efetivamente, as fragilidades e lacunas das ofertas socioassistenciais devem ser conhecidas e analisadas criticamente em uma relação de horizontalidade e confiança entre os entes federados para que seja possível a união de esforços no alcance da superação, primando sempre pela qualidade do atendimento à população usuária desta política pública. É preciso estar claro que o conceito atual da gestão no SUAS tem se distanciado do caráter hierárquico e centralizador e assumido um papel de: cooperação; de apoio técnico na organização, implantação e reordenamento dos serviços; de educação permanente; supervisão; acompanhamento; diagnóstico; informação; vigilância; monitoramento analítico por dados e indicadores e avaliação. Aspectos que orientam o planejamento estratégico da política pública de assistência social, com intuito de aprimorar a gestão, fortalecer o controle social e principalmente qualificar os serviços, programas, projetos e benefícios de assistência social. Dito isso seria a fiscalização a função principal do ente estadual? Se atentarmos para os textos da LOAS (art. 13) e da NOB SUAS 2012 (art. 12 e 15) que dispõem sobre as atribuições dos entes estatais não encontraremos esta função como sendo a principal dos estados, mas sim dos conselhos municipais de assistência social, devido ao seu caráter deliberativo. O que não quer dizer que não exista ou deva existir apuração de denúncias e/ou fiscalizações quanto à utilização de recursos estaduais na finalidade prevista, por exemplo. Mas não é esta a essência da gestão estadual da política de assistência social. Para esta atividade existem órgãos específicos como tribunais de contas, controladorias gerais, entre outros, além do Ministério Público que deve apurar as irregularidades e tomar as medidas cabíveis. Segundo as orientações às práticas de supervisão do estado de São Paulo (2016): O papel preponderante do estado é monitorar e avaliar territorialmente a gestão socioassistencial das diferentes regiões, acompanhando a gestão municipal e os resultados de suas ações, dando apoio e assessoria técnica de forma sistemática, visando o efetivo cumprimento das normativas e buscando excelência no atendimento à