Implicações do descrédito de familiares à fala de crianças e adolescentes que sofreram violência sexual

A campanha referente ao 18 de maio – Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes tem uma capilaridade significativa e pelo que é possível acompanhar pelas páginas nas redes sociais as atividades de serviços de proteção contemplam, sobretudo, escolas, passeatas e blitz educativa nas ruas que atinge transeuntes. Nas escolas e demais espaços, o foco em geral é educar as crianças e adolescentes a dizerem NÃO a pedidos e comportamentos violadores de suas partes íntimas e aos adultos, posso resumir, que se ensina habilidades para identificação de sinais de violência. Em que pese alguns formatos, nada de errado nestas estratégias, mas quero trazer um questionamento que tem base em duas publicações realizadas aqui no BPS e no Canal Youtube. Minha pergunta é se as discussões das campanhas têm chegado nas mães, nos pais, nas avós e avôs e em quem cuida de crianças e adolescentes no geral.  Basta focar em instituições e em profissionais e, sobretudo, nas potenciais “vítimas”? Como fazer o debate chegar às mães, aos pais, avós e avôs e outres responsáveis? Estas pessoas estão em suas casas, nas tarefas de reprodução social, nas faculdades, nas fábricas, nas indústrias, no comércio e em outros postos de trabalho. Eu acredito que é preciso criar estratégias de comunicação – em seus diversos tipos e veículos. Por que não criar campanhas com objetivos mais ampliados e com menos peso nas crianças e nos adolescentes? As campanhas atuais salientam que crianças e adolescentes saibam reconhecer a hora de dizer NÃO e direcionam ao adulto o roteiro de não fique calado, DENUNCIE. A questão é que muitas crianças e adolescentes saberão que dizer NÃO não será suficiente para parar ou evitar um abuso/violência. Vejam, eis que apresento agora a justificativa à minha proposição. Antes da pessoa adulta denunciar ela precisa acreditar no relato da criança ou adolescente. E sabe quem diz que não é tão fácil assim de serem acreditados? As pessoas, hoje adultas, relatam[i] suas experiências dolorosas por terem suas falas e experiências banalizadas ou silenciadas por quem, mais uma vez, deveria proteger e cuidar. Não só as pessoas adultas apontam isso, em um vídeo do Canal do BPS no Youtube[ii] onde compartilhei o curta “O Segredo”[iii] (está com um milhão e meio de visualizações) milhares de comentários que aparentemente são a maioria de adolescentes expõem que se sentem desamparados por não terem uma pessoa que acredite em seus relatos, deslegitimando seus sofrimentos – no presente ou no passado. A partir dessas interações no vídeo, eu resolvi escrever uma Carta aberta[iv] a essas pessoas com a intenção de conscientizar sobre a importância de falar com algum adulto quantas vezes fossem necessárias sobre o ocorrido, enfatizei que é preciso quebrar o silêncio. Contudo, passados cinco anos da publicação da carta eu continuo recebendo comentários públicos e privados sobre um aspecto da minha carta que me chama muito a atenção. O fato de ter sofrido várias tentativas de violência, não é o destaque dos comentários e consequentemente não é a origem do maior sofrimento de quem me escreveu, o destaque é o quanto eu tive “sorte” de ter uma mãe que acreditou em mim tão logo eu falei sobre as minhas vivências. São por essas pessoas e por acreditar que as campanhas do faça bonito precisam reconhecer que há uma dimensão ainda pouco explorada sobre prevenção e proteção à crianças e adolescentes que sofreram ou sofrem violência sexual que escrevo este texto. É urgente trabalhar com a dimensão da conscientização da pessoa adulta sobre as implicações do NÃO e do SIM que são dados quando lhes são reveladas situações de violência. Os manuais[v] referentes a escuta de crianças e adolescentes reforçam aos profissionais do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente a importância de se acreditar na criança, mas penso que devemos criar peças de comunicação e outros formatos de atividades que falem diretamente com as mães, pais, avós e responsáveis sobre as implicações do crédito ou descrédito ao que é verbalizado – ou comunicado de outras maneiras, sobre a vivência.   Reforço com o relato de que na minha prática como psicóloga no SUAS e no SUS, neste último atendendo pessoas adultas em intenso sofrimento psíquico, as situações mais severas tem a ver com o fato de que essas mulheres se sentem ainda desamparadas pela pessoa adulta com a qual compartilhou na infância a violência sofrida. O sofrimento persistente revela uma prisão ao fato de terem sido desacreditadas, de experenciarem o constrangimento por terem contado algo que ficará pairando no ar sobre a égide do fingimento e do silenciamento imposto por essa/esse outro adulto que deveria cuidar. Também não é raro relatos de que foram impedidas de buscarem “justiça” – por isso, vale inferir que as estatísticas sobre casos de violência sexual não revelam substancialmente a realidade. O segredo é muito comum quando a violência é intrafamiliar, mas é também significativo em outros contextos. Portanto, não me parece suficiente dizer à pessoa adulta que ela precisa denunciar – isso ela já sabe! Precisa mudar a narrativa e conscientizar que uma pessoa tem mais chances de sofrer e até adoecer severamente por não ter tido o apoio de um adulto cuidador do que pela violência sexual sofrida. A clínica é soberana em demonstrar que é possível ressignificar as agressões e a figura do agressor, ou no jargão psicológico, elaborar as marcas de uma violência sexual, mas é muito, muito difícil de lidar ao longo da vida com o desamparo frente ao menosprezo de uma dor ou de uma vivência tão angustiante e ambígua que registra na pessoa uma fenda profunda e indecifrável que a atormentará por anos sem data para cicatrizar. [i] Referência à minha prática clínica no SUS [ii] https://www.youtube.com/watch?v=CvQ8QU9MSPU [iii] Fonte e Disponibilidade no site SaberTV Gênero: Animação, Infantil Ano: 2005 – País: Coréia do Sul [iv] https://psicologianosuas.com/2019/05/19/carta-de-uma-psicologa-a-vitima-de-violencia-sexual/ [v] https://www.childhood.org.br/publicacao/guia-de-referencia-em-escuta-especial-de-criancas-e-adolescentes-em-situacao-de-violencia-sexual-aspectos-teoricos-e-metodologicos.pdf

Auxílio Brasil e o fim do Bolsa Família: o triunfo da narrativa meritocrática

Rozana Maria da Fonseca Está em tramitação na Câmara dos Deputados a Medida Provisória 1061/21[i] que cria o programa Auxílio Brasil para ocupar o lugar do maior programa de transferência de renda condicionada da américa latina e do mundo[ii], o Programa Bolsa Família. Outro programa que sofre modificações além da nomenclatura é o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que terá em seu lugar o Programa Alimenta Brasil[iii]. Neste texto, eu proponho o destaque a um dos problemas mais severos dos programas que é o seu pano de fundo, ou melhor, a sua base ideológica – a sustentação para erguê-los está pautada na narrativa meritocrática e na responsabilização individual pelo acesso ao mundo do trabalho e superação da pobreza – o enredo do governo sempre inclinou às medidas meritocráticas e quando elas chegam, diferente do que se esperaria de um desgoverno, ele não rompe abruptamente com um programa, ele o reveste de falsas promessas e usa muito bem a narrativa da meritocracia a seu favor. Este não é mesmo um desgoverno, pelo contrário, ele tem projetos – alinhados com os interesses da burguesia e aos poucos vai ganhando mais terreno e impondo afrouxamento aos mais ricos e apertando e onerando a vidas dos mais pobres. Muitos hoje já não elegeriam Bolsonaro, mas estes mesmos votariam em propostas como estas da Medida Provisória. Sabe por quê? Porque ela é impregnada do discurso neoliberal do acorde cedo e vá à luta!  Então, vejam só, como haverá opositores em volume necessário se o nosso país está tomado pela narrativa do empreendedorismo e do individualismo?  Frente a estes programas, o governo e seus aliados, já contavam com o cenário de aceitação popular dessa proposta. Eles sabem do poder regozijante ao impor uma reviravolta nos programas de transferência de renda condicionado que foca à tratativa individual um problema coletivo e estrutural, porque enfatiza o argumento classista e eu diria, violento, que prolifera falácias sobre as pessoas pobres, aos trabalhadores, com contratos formalizados ou não. Não é apenas uma nova roupagem para o Bolsa Família, a forma como a MP foi recebida e discutida na mídia também aponta para uma aceitação de que o viés é para ampliar e melhorar as condições das pessoas pobres ou extremamente pobres, mesmo que apontem problemas relacionados a viabilidade orçamentária e falta de articulação intersetorial. Como ampliar auxílios/benefícios e propor ações intersetoriais de combate à pobreza sem a revogação da emenda constitucional 95/2016[iv]? É preciso se atentar ao que também está acontecendo com o Benefício de Prestação Continuada – BPC, benefício que sofreu alterações recentes, as quais estão sendo consideradas pelo governo como ampliação, mas a questão em pauta é a retirada e o encolhimento dos direitos socioassistenciais. É pertinente pontuar que os programas de transferência de renda, auxílios e benefícios ofertados sempre foram permeados de relações de desconfiança sobre quem acessava ou tentava acessá-los – a dimensão punitiva ou o caráter da inclusão perversa sempre assombrou, o que acontece agora é que ele deixa de ser pano de fundo e se torna a motivador direto. Na perspectiva do direito socioassistencial e da desigualdade estrutural, elejo como problemática a inversão das intenções sobre as mudanças, porque a MP ganha, contraditoriamente, uma aceitação e opiniões em contrário sem muito estardalhaço, o que é para sua gênese e aceitação nacional, o seu maior triunfo – sendo bem possível que não sofra grandes alterações no Congresso Nacional. No campo que poderiam receber ataques pela mídia e outros setores acríticos da sociedade, é justamente por ele que se materializa sua autodefesa – a armadura é majoritariamente a aceitação das pessoas que concordam que a pessoa pobre continua pobre porque não se esforçou o bastante. Não é incomum, encontrar no campo da rede socioassistencial e das políticas sociais, trabalhadores e gestores alinhados ao discurso meritocrático, que agem acriticamente servindo como barreiras adicionais para acesso aos direitos socioassistenciais. Discursos contraditórios ecoam redes à fora como mostra este exemplo: “embora eu reconheça que o problema da pobreza não é somente dos pobres, o PBF elevou o desemprego e muitos deles deixam de trabalhar porque recebem ajuda do governo”. O medo do parasitismo é típico da moderna sociedade capitalista e deriva da equação entre trabalho e respeito, que porém, é historicamente contingente, como salienta o autor: “o valor moral absoluto atribuído ao trabalho, a supremacia do trabalho sobre o lazer, o medo de desperdiçar o tempo, de ser improdutivo – este é um valor que todos, ricos e pobres, sustentavam na sociedade do século XIX”. (Rego e Pinzani, 2014 Apud Sennet, 2004 p.131). Narrativas que reproduzem concepções hegemônicas sobre pobreza e as pessoas empobrecidas também estão espraiadas nas comunidades, nas cidades, nos condomínios. Não é raro testemunhar queixas de pessoas que gostariam de poder contribuir com o fim da pobreza mantendo empregados domésticos, bombeiros, jardineiros, babás, motoristas, pedreiros. Missão cada vez mais ameaçada pelo Bolsa Família porque já não acham tão facilmente estes trabalhadores à disposição e quando estes aceitam o trabalho não querem receber as diárias costumeiramente ofertadas – a queixa é porque não basta mais estalar os dedos para que pessoas, em precárias condições em relação ao mundo do trabalho, viessem eviscerados para ter alguns trocados. A superação da humilhação social passou a ser questionada pelos empregadores, começaram a perceber que alguma coisa poderia desvirtuar as pessoas do lugar atribuídos a elas, como neste trecho: As pessoas humilhadas pela sociedade são levadas a pensar que merecem tal humilhação e que sua situação humilhante é a consequência de uma falta por parte delas. (…) aceitam sua condição e a consideram como resultado de fracasso pessoal, não de um arranjo socioeconômico determinado (…). (Rego e Pinzani, 2014, p. 56). O Programa Bolsa Família ainda precisa sanar lacunas que ferem a dignidade humana, como a fila de espera de milhões de pessoas pela complementação da renda, assim como romper com a dimensão punitiva das condicionalidades[v], mas é certo que com este programa, a dignidade das pessoas ganhou um cenário mais promissor e possibilitou que muitas pessoas saíssem de

Indiferença e negação de direitos às pessoas LGBTQIA+ no SUAS e SUS

O SUAS e o SUS têm pautado campanhas conformadas em coloração temática, mas não é surpresa que nos meses de maio e junho, meses originalmente multicoloridos devido o dia 17 de maio ser o Dia Internacional contra a Homofobia e junho o Mês do orgulho LGBTI+, não vemos campanhas com a intensidade devida e em muitos lugares, quando há iniciativa de trabalhadores, a ação é tolhida pela maioria ou pela gestora/r. Digo isso com veemência porque ontem postei uma provocação sobre a ausência destas agendas no SUAS e recebi depoimentos de profissionais que tentaram pautar essas temáticas nos serviços como Cras e Creas e foram barradas. O entendimento que faço é que se trata de postura de nítida negação de direitos e violência institucional. À essas colegas que mandaram direct, o imperativo para evitar que ações com estas temáticas sejam realizadas, deve ser denunciado ao órgãos de DH. A assistência social e o SUS precisam capacitar gestores e trabalhadores sobre estas temáticas…estamos há décadas indiferentes a questões LGBTI+ Se falta conhecimento, sobra intolerância e violação de direitos por quem tem a obrigação de proteger. Direitos básicos são violados cotidianamente, porque as pessoas que se apresentam nos serviços, sequer tem o nome social e identidade de gênero respeitados.– Recomendo a leitura do Provimento nº 73 de 2018 do CNJ que regulamenta a alteração de nome e sexo no Registro Civil. Neste mês, dia 15, também é tratado o Dia Mundial de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa. Vale uma questão: A campanha está contemplando marcadores que aumentam, substancialmente, as chances de uma pessoa velha – travesti; trans; gay; lésbica, sofrer violência física e psicossocial? São várias reflexões para ontem e eu sigo dedicada a estudar e a me capacitar. Eu formei em Psicologia sem aprender um monte de coisa, mas se fosse pra esperar a gente aprender tudo, nunca teria formatura…então, estudar é tarefa constante e assim vamos aprendendo e melhorando nossa capacidade e habilidade de intervir em diferentes situações que a gente se fizer necessária. Queria muito tecer essas provocações, assim como eu tenho feito sobre as campanhas nestas políticas públicas tratadas aqui (veja nas indicações abaixo) e espero que possam reverberar em mais estudos e em mais práticas que façam diferença crítica à todes. Posteriormente, me comprometo a escrever um texto mais consistente sobre atendimento socioassistencial ás pessoas LGBTi+ nos serviços do SUAS. Acesse as cartilhas abaixo e vamos reverter as situações de indiferença e negação de direitos às pessoas LGBTQIA+ no SUAS e no SUS! Boa leitura Textos sobre as campanhas e agendas coloridas no SUAS: Outubro Rosa e as agendas coloridas – Leia aqui Janeiro branco: Carta à Assistência Social – Leia aqui Setembro Amarelo: o que cabe ao SUAS? Leia aqui Assistência Social e Saúde Mental: cuidar da vida é cuidar da mente – Leia aqui

Proteção social às pessoas em sofrimento psíquico que usam o serviço dos caps: o que cabe ao SUAS?

Rozana Fonseca* Thiago Santos** O Sistema Único de Assistência Social – SUAS, por meio da Política Nacional de Assistência Social – PNAS, inscreve, radicalmente, o que cabe ao campo da assistência social enquanto política pública, um dever do Estado. Tais marcadores impõem uma ruptura com a lógica de uma política compensatória e auxiliar a outros sistemas, tanto no âmbito do executivo, quanto no do judiciário. O desafio posto foi o de construir serviços, benefícios, projetos e programas que pudessem superar, de vez, o desprestígio da assistência social. Desprestígio alimentado secularmente pelas ações assistencialistas, pela falta de continuidade das ações, pela subalternidade atribuída ao público atendido. Por mais que as ações de caridade (ação social) fossem protagonizadas pelas entidades ligadas à elite, o desfecho sempre foi o de desprezo dessas elites às pessoas pobres e miseráveis. Desde meados dos anos 2000, após longos anos de lutas e de resistências pela efetivação da assistência social como política pública, a população brasileira conta com um sistema que organiza e descentraliza a política de assistência social em todo o território nacional – ressalvando as especificidades locais e regionais, tem-se no país uma rede socioassistencial capaz de prevenir, enfrentar e proteger sujeitos e famílias que vivenciam situações de vulnerabilidade social e de riscos sociais. Não é demais marcar – até porque isso será importante ao longo deste texto -, que muitas dessas vivências são provenientes das relações sociais resultantes de um capitalismo que massacra e empurra cada vez mais, a classe trabalhadora para a pobreza. A luta atual, sabemos, é para evitar um desmonte do que foi duramente fixado no campo normativo e legal, mas é bom não perder de vista a necessidade urgente de debater avanços no modo de processar a rede socioassistencial. Este brevíssimo e provocativo histórico da assistência social, é para introduzir este texto destacando que ao tratar da temática saúde mental no âmbito do SUAS não significa que se está propondo uma discussão e ação para além do que já é proposto no escopo dos objetivos e nas seguranças a serem afiançadas [i]pelo SUAS, a saber: acolhida; convívio ou vivência familiar, comunitária e social; renda; desenvolvimento de autonomia; e apoio e auxílio. (Brasil, 2012). Por conseguinte, convém reforçar que ao reivindicar o debate sobre saúde mental no SUAS[ii], não deve ser entendido como um acréscimo às atribuições das equipes, uma vez que as(os) profissionais já têm uma sobrecarga de trabalho, seja pelas equipes incompletas, ou pelas péssimas condições de trabalho e por ingerências dos setores de gestão. O que se propõe aqui é uma introdução quanto às responsabilidades do SUAS com os sujeitos (e/ou com as famílias) que estão em sofrimento psíquico intenso e que acessam, ou deveriam acessar os Centros de Atenção Psicossocial – CAPS [iii]e serviços da Rede de Atenção Psicossocial – RAPS[iv]. A proposta é superar a pergunta jargão: o sujeito é de qual política? Não há um sujeito da Política Nacional de Saúde Mental – PNSM, outro da Política Nacional sobre Drogas – PNAD e outro da PNAS. Mas porque o SUAS não eleva seu olhar e sua escuta às pessoas em sofrimento psíquico? – A pergunta inversa deve ser feita também aos CAPS e aos demais dispositivos da RAPS. A integralidade e a intersetorialidade são objetivos e princípios postulados pelas políticas citadas acima. A fim de evidenciar especialmente alguns trechos que versam sobre articulação entre SUS e SUAS, destacamos:  A PNAD[v] traz com um dos objetivos: “Garantir o caráter intersistêmico, intersetorial, interdisciplinar e transversal do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas – SISNAD, por meio de sua articulação com outros sistemas de políticas públicas, tais como o Sistema Único de Saúde – SUS, o Sistema Único de Assistência Social – SUAS, o Sistema Único de Segurança Pública – SUSP, entre outros” (Brasil, 2019). Na PNAS está explícito que compõem os princípios organizativos do SUAS: “articulação intersetorial de competências e ações entre o SUAS e o Sistema Único de Saúde – SUS, por intermédio da rede de serviços complementares para desenvolver ações de acolhida, cuidados e proteções como parte da política de proteção às vítimas de danos, drogadição, violência familiar e sexual, deficiência, fragilidades pessoais e problemas de saúde mental, abandono em qualquer momento do ciclo de vida, associados a vulnerabilidades pessoais, familiares e por ausência temporal ou permanente de autonomia principalmente nas situações de drogadição e, em particular, os drogaditos nas ruas.”(Brasil, 2004). A PNSM[vi] apresenta um conteúdo mais operacional e organizativo, tendo menos foco em princípios e diretrizes, o que pode ser avaliado como decorrente das peculiaridades do contexto histórico e político. Contudo, as portarias subsequentes versam sobre intersetorialidade e por isso, consideramos relevante destacar o seguinte trecho da Portaria nº 3.588[vii], de 21 de dezembro de 2017 sobre o funcionamento no Art. 50-K. Compete às equipes:  (…) V estabelecer articulação com demais serviços do SUS e com o Sistema Único de Assistência Social, de forma a garantir direitos de cidadania, cuidado transdisciplinar e ação intersetorial. (Brasil, 2017). O destaque à relevância da articulação entre as políticas sociais faz-se necessário para evidenciar o quanto esses objetivos e princípios ainda não estão materializados na rotina da gestão e da execução dos serviços. As práticas intersetoriais nem sempre são consistentes, porque elas até funcionam, mas na instabilidade e a partir de relações pessoalizadas, ou seja, não institucionalizadas. As mais duradouras são mesmo carregadas de afetos e compromissos entre pares, contudo isso não se sustenta diante da alta rotatividade de gestores e equipes. Articulação e integralidade não são estratégias simples ou meramente operacional. Seus processos são complexos e podem ser constituídos por dimensões contraditórias e questionáveis ética e tecnicamente. Para problematizar, evocamos o Programa Crack É Possível Vencer, criado em 2010. Este que foi um programa altamente questionável quanto às ações articuladas com assistência social para retirar as pessoas em situação de rua e em uso abusivo de drogas, obrigando-as à internação, ao acolhimento, ou mesmo sendo obrigadas a voltar para suas casas. Numa lastimável ação de um programa que violava Direitos Humanos em nome de cuidado

2ª temporada do Sextas Básicas: Assistência Social e Educomunicação

Por Joari Carvalho e Rozana Fonseca A 2ª temporada do Sextas Básicas debaterá Assistência Social e Educomunicação e terá três edições especiais que serão transmitidas pelo Canal do Blog Psicologia no SUAS no Youtube nos dias: 13 e 27 de novembro e 04 de dezembro. Teremos como convidada e convidados: Kênia Figueiredo (UNB), Ismar Soares (ECA/USP e Presidente da ABPEducom – Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação, Claudemir Viana (ECA/USP). Confira mais detalhes na programação abaixo. Conheça a proposta do projeto Sextas Básicas – Clique AQUI Assista aos vídeos da primeira temporada – Clique AQUI Embora o que será transmitido nesta segunda temporada seja apenas os três encontros, trata-se de um projeto que está sendo construído desde o final das edições do Sextas Básicas, SUAS e Pandemia. Começamos com reunões, Rozana Fonseca e Joari carvalho – coorganizadores e mediadores do projeto e posteriormente iniciou-se as reuniões com os membros interessados em construir esta segunda temporada. E assim, gostaríamos de apresentá-los o grupo atual que compõe o Sextas Básicas Assistência Social e Educomunicação: Alexandre de Brito Angelo; Aurora Fernandez Rodriguez; Carmen Monari; Daniela Fernanda Simião; Emília Daniele de Araujo; Heridane Ferreira; Juniele Silva dos SAntos; Marcelo Soares Vilhanueva; Mônica Ventura Marcelino Ellwanger; Paula Helena Gomes de Moraes Ruiz; Priscila Ferreira Lopes; Rosiane Maria de Lima Assistência Social e Educomunicação A assistência social como política pública de direitos vem sendo construída com o esforço da população, de profissionais, de movimentos sociais, pesquisadores e outros atores sociais desde a redemocratização conquistada do país, com a Constituição de 1988. Pouco a pouco, com momentos sucessivos e intercalados de avanços de retrocessos recentes, práticas de tutela, favor e caridade interesseira sobre famílias e pessoas em vulnerabilidade social vem sendo substituídas pela busca da emancipação e o exercício da cidadania com autonomia, convivência e sustentação.  Ainda assim, no que hoje se organiza como o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), reconhece-se tanto pouco conhecimento da sociedade sobre a existência deste direito público à assistência social, e como acessá-lo, mas também se reconhece o pouco que se consegue efetivar, sustentar e ampliar a capacidade de comunicação dialógica com pessoas que utilizam os serviços para o enfrentamento dos motivos e das consequências das desigualdades que produzem as situações de vulnerabilidade. A comunicação se confunde com cadastros e trocas de dados, uma cadastralização da vida, da vulnerabilidade e de seus sujeitos. A comunicação atravessa as diversas dimensões da organização e da prática da assistência social, sem até o momento, com raras exceções, receber a atenção mais atenta, reflexiva e fundamentada como estratégia de conexão entre o que se vive e o que se diz sobre o estado de direito e o exercício da democracia. Entretanto, ações localizadas em pequena e grande escalas têm sido concretizadas na interface entre comunicação e outras áreas de promoção de direitos sociais, com destaque para a educação, em que se pode destacar a educomunicação como proposta de organização dos processos de comunicação e educação formal e não formal que visam tanto a organização dos fluxos de comunicação mais coerentes e democráticos nas organizações e nos movimentos quanto a apropriação crítica das novas e antigas tecnologias e linguagens de comunicação, sob forte influência da educação popular, democracia participativa e dos estudos de mediação em comunicação, para subsidiar a reflexão crítica e ativa sobre o ecossistema de comunicação do qual se fala, mas também do qual se faz parte. Decorrente dos debates sobre diversos temas decorrente do assunto da pandemia sobre a assistência social, na temporada anterior do projeto Sextas Básicas, no Blog Psicologia no Suas, resolveu-se abrir um espaço de construção mais coletiva para diversas pessoas atuantes na assistência social e interessadas na possibilidade de ampliar ações de comunicação na assistência social. Para tanto, considerou-se tanto a necessidade já anterior de discussão sobre assistência social e comunicação, como também a assustadora pressão para a utilização de tecnologias de comunicação na assistência, por causa das medidas de enfrentamento da pandemia, que podem estar sendo eventualmente utilizadas sem a devida contextualização e implicação, bem como se espera permanecer em parte ou na totalidade em definitivo e rever significativamente a gestão do trabalho social bem ou precariamente realizada até então. Nesta fase de organização do espaço, a proposta é construir e apresentar uma minitemporada de três encontros do projeto Sextas Básicas sobre e com a própria comunicação, experimentando já elaborá-lo com o apoio das referências da educomunicação em termos de valorização da participação, da construção conjunta e da gestão participativa do processo de comunicação, desde a elaboração da pauta de temas sobre o assunto, da escolha da linha editoral, do modo e dos atores da produção e da apresentação e da avaliação. Com esta experiência preliminar, espera-se mais do que apresentar novos encontros do projeto, mas sim iniciar ou integrar e ampliar um movimento pela melhoria das práticas, dos processos e dos produtos de comunicação na assistência social, aproveitando o conhecimento e a experiência da educomunicação. Com isso, neste momento mais do que crucial para a assistência social como direito social, tem-se em vista defender, divulgar e compartilhar a assistência social a quem dela necessitar como uma política pública de direitos participativa, descentralizada, acessível, resolutiva, transparente, integral e, mais do nunca, comunicativa, na forma preliminar de projeto-movimento autogestionário e solidário pelo aproveitamento e a produção de conhecimentos e práticas da educomunicação na gestão e nas ofertas da assistência social em conjunto defesa da assistência social como direito nos processos, espaços e meios de comunicação social públicos, estatais e comunitários. PROGRAMAÇÃO 1 – Comunicação e assistência social     • Data: 13/11     • Horário: 19h às 20h30     • Transmissão: canal do Blog Psicologia no Suas no YouTube     • Objetivo: analisar e debater desafios e possibilidades atuais dos processos comunicativos em serviços, gestão e controle social da assistência social.     • Convidada:          ◦ Kênia Augusta Figueiredo – Assistente social, atuou durante 20 anos na Política de Assistência Social. Doutorou-se em comunicação e é mestre em Serviço Social e Políticas Sociais. Atualmente é docente na Universidade de Brasília – UnB.     •

Escuta especializada na Assistência Social: críticas e alguns apontamentos

Texto[i] com as questões discutidas na LIVE Escuta Protegida – para assistir clique aqui Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.         Sobre a Lei 13.431/2017 (Regulamentada pelo Decreto nº 9.603/2018) A lei da escuta protegida foi aprovada sem alcançar um patamar de consenso aceitável, ela é decorrente do PL nº 3792, de 2015. É sabido que processos legislativos que visam regulamentar políticas públicas, cujas ações perpassam por diferentes órgãos devido a exigência de articulação intersetorial porque deve-se considerar os princípios de integralidade e prioridade absoluta na proteção à criança e ao adolescente, são passíveis de tensões e disputas para tomada de ordenamentos teóricos e metodológicos diversos e até contraditórios no que se refere ao objetivo de proteção à infância. Não é novidade para os órgãos citados nos respectivos marcos legais que a legislação brasileira, no que se refere a proteção integral à criança e ao adolescente, tem notoriedade e reconhecimento nacional e internacional. Contudo, os campos de proteção, promoção e responsabilização do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) carecem de qualificação das suas ações. Todos eles. Se tem um eixo em que todos esses órgãos se igualam é na ineficiência de implementação de políticas de educação permanente para aprimoramento das ações!   É válido pontuar que ter conhecimento e posicionamento crítico – e até contrário – sobre os recentes marcos legais não deve ser compreendido como desconsideração aos esforços de entidades, sociedade civil e governo para fins de proteção integral à criança e ao adolescente. A questão é que a lei direciona determinadas ações e algumas ficarão de fora porque serão incompatíveis ou demasiadamente contraditórias. A lei traduz escolhas bem conscientes que reverberam visão de família, infância e mundo.  Como trabalhadoras e trabalhadores dos órgãos de proteção nunca deixem de perguntar, a quem e a quais interesses atende determinada lei – ou até mais importante, como os legisladores e operadores das leis têm tratado as demais áreas que visam proteger e garantir o pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes? Será compatível reforçar leis que rezam sobre assuntos tratados há 30 anos, mas que não saíram do papel por falta de destinação adequada de recursos orçamentários, falta de implementação de políticas de educação permanente e de compromisso do estado com concursos públicos? Descompromisso público que será agravado com a emenda constitucional 95, cuja aprovação e vigência são escárnios para o campo de ações de prevenção às violências contra crianças e adolescentes. Resgato aqui a distância entre a legislação e ao implementado na prática porque quero pontuar que a lei 13.431/2017 sofreu e sofre várias críticas porque a constituição federal, especialmente no artigo que abre este texto e o Estatuto da Criança e do Adolescente já propõem ações integradas, estas orientadas pelo princípio da prioridade absoluta como dever do Estado. A lei foi intensamente tecida e aprovada por pressão de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) – sabemos que uma OSC com estatura e respeitabilidade internacional pode facilmente imperar seu interesse junto ao ordenamento do Estado. Principalmente quando a conjuntura estatal impõe uma notória fragilidade nas instituições de controle social e de participação popular. Assim, é válido resgatar que os espaços que visam alcançar legislações e políticas públicas que venham, de fato, garantir direitos e beneficiar milhões de interessados, precisam se valer da prerrogativa democrática do amplo debate.    Relação SUAS e órgãos de investigação e responsabilização Faltou debate na elaboração e aprovação da lei 13.431/2017.  Faltou tanto que o Decreto 9.063/2018 que tinha o objetivo de aprová-la, precisou vir com uma redação retificadora. Redação que não muda substancialmente o rumo das críticas, mas traz esclarecimentos importantes, como quando descreve melhor sobre do que se trata a escuta especializada. Para os operadores dos órgãos de proteção, estes que, não raras vezes,  sofrem pressão e ações de cunho autoritários por órgãos de investigação e responsabilização, é fundamental ter ampliado a diferenciação de escuta especializada do procedimento de oitiva denominado depoimento especial, possibilitando maior segurança para um posicionamento ético-político e técnico frente às diversas solicitações equivocadas.   Depoimento especial Art. 22. O depoimento especial é o procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária com a finalidade de produção de provas. Art. 25. O depoimento especial será regido por protocolo de oitiva. (lei 13.431/2017) Não é objetivo deste texto tratar sobre este procedimento, mas é fundamental que este conceito e prática não sejam confundidos com escuta especializada, como exposto acima. Pontuo que é relevante acompanhar as disputas institucionais e técnicas em relação ao procedimento do depoimento especial realizado hoje pelas nossas colegas psicólogas e assistentes sociais nos tribunais e que tem recebido significativas críticas e sendo pauta nos conselhos de classe e de outras instituições e associações de trabalhadores para romper com a lógica do ônus da prova atribuído à criança e ao adolescente e que atribuem às profissionais treinados com técnicas para fazer emergir a verdade desses sujeitos que estão em tenra idade – como se isso fosse garantido! Para aprofundar sobre a polêmica do depoimento especial, sugiro o evento realizado pelo Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais (CRP-MG): “Depoimento especial: um impasse entre a escuta psicológica e a inquirição, confiram na íntegra aqui: https://www.facebook.com/watch/live/?v=1506100502793068&ref=watch_permalink. Vale também conhecer a Recomendação nº 33 do CNJ de 30 de novembro de 2010 – Recomenda aos Tribunais a criação de serviços especializados para escuta de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência nos processos judiciais. Depoimento especial. Conheça o  Protocolo Brasileiro de Entrevista Forense Escuta especializada Art. 7º Os órgãos, os programas, os serviços e os equipamentos das políticas setoriais que integram os

Educomunicação na assistência social

…Segunda temporada do Sextas Básicas? Para você que acompanhou as edições do Sextas Básicas, especialmente a última transmissão “Lives” para a assistência social: aprendizados, críticas e educação permanente”, será mais rápido entender este Post sobre educomunicação na assistência social porque ele faz parte da continuidade deste projeto. Mas caso você não tenha acompanhado, não tem problema, está tudo disponível no canal do blog Psicologia no SUAS no Youtube e aqui no BPS. Estamos trabalhando, eu e Joari Carvalho, ainda nos bastidores, com o intuito de lançarmos a segunda temporada do projeto Sextas Básicas, mas queremos fazer isso com a participação do maior número de pessoas e colegas da assistência social ou de outras instituições que possam se debruçar por um período nesta construção experimental. Educomunicação é participação. É criar e mirar em utopias. Utopia raiz! Portanto, entendemos que fazer um projeto com essa dimensão participativa requer que compartilhemos dos nossos processos até aqui para que possam ter acesso a alguns textos sobre o que é educomunicação e assim poderem ter mais infomações para se decidirem quanto a participação neste projeto juntamente conosco. Vamos à recomendação de Leitura 3Educomunicação e ação social: as práticas educomunicativas nos Centros de Referência de Assistência Social de Curitiba DALLA COSTA, R. M. C.; Evanise Rodrigues Gomes . Educomunicação e ação social: as práticas educomunicativas nos Centros de Referência de Assistência Social de Curitiba. In: 23o. Compós, 2014, Belém-PA. Anais do 23o. Compós. Belém-PA: Editado pela UFPA, 2014. v. 1. p. 1-16. Disponível em: http://compos.org.br/encontro2014/anais/Docs/GT02_COMUNICACAO_E_CIDADANIA/artigorosadallacosta-evanisegomes_2143.pdf Gostaríamos de saber: Faz sentido pra você estudar e fazer educomunicação na Assistência Social? Deixe nos comentários ou envie sugestões para psicologianosuas@gmail.com