Sobre modos e meios de resistência ao desmonte da assistência social
Por Rozana Fonseca Levei tempo tentando achar o tom mais adequado para este texto, porque tenho medo de produzir discurso enviesado na responsabilização de quem é vítima. Mas já escrevi dois textos marcando minha indignação quanto ao governo atual e por isso a escolha por este caminho, além do mais, não dá para desfazer o governo (se fosse mulher no posto, até que dariam um jeito…). Diante do retrocesso (ranço dessa palavra, mas não conheço outra melhor e mais capaz de condensar o que estamos vivendo), da retirada à fragilidade dos direitos (todos eles: humanos, sociais, civis, políticos), muitos me perguntam: Como continuar acreditando no SUAS? Como manter a motivação? O que fazer diante do desmonte, falta de profissionais, redução ou fechamento de unidades de proteção social? É difícil propor respostas a essas inquietações sem particularizá-las porque temos uma diversidade de situações e contextos – considerando os aspectos socioeconômicos e políticos de cada região do Brasil, mas eu desconfio que se faz urgente repensar nossa ausência nas instâncias de controle social, bem como questionar a qualidade quando há participação. Os tempos são sempre de resistência e de luta para vários povos, minorias, e movimentos sociais – mas aos tempos atuais, acrescenta-se tensão, terrorismo, autoritarismo, Fake News e amadorismo. Lutas por direitos, por transformações sociais, são campos de forças e na maioria das vezes o governo impera. Vejo como saída mais disponibilidade para participar dos campos de disputas e defesas de interesses coletivos. Porque acredito que o cenário atual escancara a nossa falta de mobilização e de ocupação dos espaços de controle e participação social. Mas também expõe a fragilidade dos resultados dessas instâncias. Fragilidade porque a manutenção e o porquê desses espaços não estão solidificados e não têm o mesmo prestígio nas diferentes regiões. Nas grandes cidades temos organizações de grande atuação e com indiscutível relevância enquanto que nas médias e pequenas cidades há uma lacuna enorme de organizações coletivas. Cada centro urbano com suas dificuldades. Nas metrópoles, mesmo com várias organizações coletivas, é sabido que a participação popular não é muito expressiva ou os espaços mais disputados, são concorridos pelas mesmas pessoas, estas que revezam nos cargos de representatividade diante da falta de pessoas interessadas em disponibilizar tempo de sua jornada para lutar por causas coletivas. Nas médias e pequenas cidades os espaços são dificultados pela personalização das relações, pela rotatividade dos profissionais e pela precarização dos vínculos trabalhistas, o que força o profissional a trabalhar em dois ou mais municípios para receber um vencimento razoável. Vou problematizar as conferências municipais dos conselhos de direitos porque já presenciei muita participação protocolar nesses espaços e porque também defendo que não há meios de aperfeiçoar uma prática senão passarmos pela criticidade e pela análise da efetividade do que está sendo feito. Por isso pontuo algumas situações a serem superadas: Trabalhadores presentes em conferência para cumprir dia de trabalho e para desempenhar atividades operacionais e de logística. Trabalhadores como facilitadores dos grupos de trabalho porque foram designados para tal função, contudo não fazem a menor ideia do que são as temáticas a serem discutidas. Trabalhadores que não sabem se estão como governo ou sociedade civil (o resultado desse equívoco é desastroso e sintomático porque evidencia que os trabalhadores estão alheios ao seu lugar de disputa e defesa). Cabe a pergunta: testemunha-se tal situação por desinteresse dos trabalhadores ou pelas condições de gestão do trabalho no SUAS que não viabilizam estudos, capacitações? Se olharmos mais de perto, vamos encontrar as duas variáveis. E os usuários? salvo um número pouco expressivo, estamos longe de afirmar uma participação efetiva. Já presenciei usuário conselheiro votando em pauta que apenas favorecia interesses do governo, minha atenção ao seu voto foi maior ao vê-lo dias antes em reunião com gestor da assistência social – este que o convocou para um encontro. Conseguinte, o descrédito e a depreciação desses espaços deliberativos são inevitáveis. A desmotivação para se dedicar a esse campo também se torna certa, daí perguntamos, quais motivos temos para acreditar em um processo tão passível de dissimulação? Serão esses os motivos da ausência de tanta gente? Ou serão essas ausências as motivadoras desses resultados protocolares e questionáveis? Então, como resistir usando ferramentas que nós desconhecemos ou que pouco lhes conferimos créditos? É sabido que conferências, conselhos de direito já funcionaram como marcos decisivos no avanço dos direitos sociais e já se mostraram como possibilidade efetiva de participação da sociedade civil nas decisões do governo. E é válido pontuar que a natureza de intensas disputas e tensões de forças não são ruins em si mesmas, pois são inerentes a construções heterogêneas com vários interesses em pauta. O que não dá é só um lado da força se apossar do terreno, munidos pelo privilégio do acesso e conhecimento do sistema, e se fazer presente de maneira tão desonesta. Uso o exemplo do conselho ou conferência, mas é preciso se abrir para os espaços de defesa da classe trabalhadora e dos usuários como Fóruns municipais ou regionais dos trabalhadores, Fóruns municipais dos usuários, pois são imprescindíveis como resistência e construção coletiva para evitar o que falei no início do texto: a perseguição política e personificação das lutas. Discorridas as críticas ao modus operandi dessas instâncias coletivas e à nossa exígua presença nas mesmas, por onde podemos começar? Participar como ouvinte das reuniões ordinárias do CMAS e outros conselhos de direitos, bem como de outras políticas púbicas do município; Ficar atentos no prazo da eleição de composição dos conselhos; Criar fórum dos trabalhadores ou reativá-lo; Mobilizar, incentivar e colaborar com os usuários para que os mesmos possam ser capazes de decidir e organizar seus espaços de lutas e defesas coletivas. Incorporar nas atividades coletivas dos serviços do SUAS, ao longo do ano, as temáticas e práticas de participação e controle social; Participar de sessões ordinárias na Câmera de vereadores; Acionar o Ministério Público diante de assédio moral no trabalho; Acionar o Ministério Público frente a ameaça aos direitos sociais (é nossa função a defesa social e institucional, mas sozinhos
DIÁLOGO SOBRE O BPC

Sra. Maria, sr. José, Estão propondo alterar a LOAS, lei que garantiu um benefício para os idosos acima de 65 anos que não têm meios para prover o próprio sustento e não tem quem possa fazer por eles. Estão tirando seus direitos, vocês tão sabendo? Na redação original, lá em 1993, era só para idosos com mais de 70 anos, depois passou para 67 e após o Estatuto do Idoso (2003), está fixado em 65 anos. Várias propostas de conferências dos direitos da pessoa idosa e da assistência social já apontavam para a importância de garantir o benefício a partir dos 60 anos. Olha a deliberação da última Conferência Nacional de Assistência Social: 2. Alterar os critérios de concessão do Benefício de Prestação Continuada – BPC estabelecendo: a) Aumento de renda per capita para meio salário mínimo; b) Redução da idade do idoso para 60 anos; c) Não computação do valor do benefício na renda per capita para efeitos de concessão do BPC a outra pessoa idosa e/ou com deficiência na mesma família; d) Não computação de benefícios previdenciários de até um salário mínimo no cálculo da renda per capita para concessão do BPC à pessoa idosa e à pessoa com deficiência; e) Não computação da renda do curador no cálculo da renda do curatelado para fins de acesso; f) Ampliação em 25% no valor do BPC para pessoas que necessitam de cuidador; g) Concessão de 13º parcela anual; h) Incluir as pessoas com doenças crônico-degenerativas na concessão do Benefício de Prestação Continuada-BPC; i) Garantir a continuidade da vinculação do benefício ao salário mínimo nacional; j) Garantir a continuidade do modelo de avaliação das pessoas com deficiência baseado na CIF (Classificação Internacional da Funcionalidade) para o acesso ao BPC; k) Incluir novamente as pessoas com transtornos mentais graves e doenças raras; l) revogar imediatamente o Decreto Federal nº 8.805/2016 e todas as normativas que ferem os direitos constitucionais sobre as pessoas com deficiência e idosas. (Resolução nº 21/12/2017) Estava até indo bem, apesar dos passos lentos, né? Conferência, Sr. José? A cada dois anos o governo e sociedade conferem como estão as políticas para os idosos na sua cidade, propõem sobre o que precisa melhorar e deliberam ações em prol das pessoas idosas. O sr. nunca participou de uma? Já. Tem até foto do Sr. no site da prefeitura – na primeira fila. Sabia que estão querendo realizar as conferências só a cada quatros anos, e talvez nem realizar mais? O caráter deliberativo desse espaço de controle social também corre risco. Direitos sociais, num mundo cujos donos do capital ditam as regras, exigem defesa constante. Maria, a proposta é muito apartada da realidade do país. Quero dizer que quem propôs ou deixou como texto final não está preocupado em diminuir ou evitar o aumento da desigualdade social, porque idoso em situação de miséria, na maioria dos casos, tiveram um passado sem ou com precário acesso aos direitos sociais e civis. Muitos não sabem escrever o próprio nome; Muitos são vítimas do trabalho infantil e precoce; Muitos não têm um único registro na carteira de trabalho; Muitos nunca tiveram esse documento; Muitos nunca receberam salário mínimo – só experenciaram bicos; Muitos e muitos mesmo, não tem bens nenhum; casa própria? Patrimônio de R$ 98.000?; Muitos têm algum tipo de problema de saúde, físico e/ou mental, decorrente do esforço físico precoce e intenso, além de exposição a ambientes insalubres. Muitos tiveram/têm doenças não tratadas corretamente ou em tempo hábil – o que os deixaram sequelas, não estou falando de pessoa com deficiência. Se encaixou em várias dessas situações, dona Maria? Agora reflita comigo: faz o que com R$400,00? Não, Maria. Ampliar a faixa de idade, mas diminuir de forma tão abrupta o valor (de R$998,00 para R$400,00) não é vantagem, é moeda de troca, é cilada. Ninguém deveria receber menos que o mínimo. Uma vida inteira de misérias, da financeira a de potência, para viver os últimos dias de vida nem com o mínimo? Últimos dias. Não sei. Mas muito não costuma ser. A elevação da expectativa de vida não se aplica, significativamente, aos milhares de idosos que vivenciaram as situações que descrevi acima porque o resultado dos estudos reflete a desigualdade social, então o pobre vive menos e vive pior. Portanto, a instituição dos direitos sociais é para reverter e minimizar as mazelas advindas desse quadro. E é para frente que se anda! Não dá para aceitar menos do que foi, duramente, conquistado nas últimas décadas. E agora, Maria, José, o que fazer? Espalha essa notícia, rebelem-se todos. Com indignação, com luta, Rozana Fonseca
Preconceito de quem? Algumas inquietações sobre as relações entre trabalhadores e usuários no SUAS

Por Lívia Soares de Paula* Em dezembro do ano passado, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) lançou em parceria com o Fórum Nacional de Usuárias e Usuários da Assistência Social (FNUSUAS), durante a XI Conferência Nacional de Assistência Social, a “Campanha de Combate ao Preconceito contra a Usuária e o Usuário da Assistência Social”. Na ocasião, foi apresentado o primeiro vídeo da campanha. Segundo informações do site do CFP, a iniciativa tem por objetivo: provocar o debate sobre questões que perpassam diariamente a vida das pessoas que acessam os benefícios, programas e serviços da Assistência Social. A responsabilização individual pela situação de pobreza, a acusação de vagabundagem e visão de que a situação de vulnerabilidade social é resultado de escolhas são algumas delas.[2] Dando continuidade às ações da campanha, foi realizado um Diálogo Digital intitulado “Vergonha não é ter direitos, vergonha é ter preconceito”.[3] Assistindo a este Diálogo, me vi desafiada a dividir com vocês neste espaço algumas reflexões que me ocorrerem a partir das falas dos convidados. A primeira questão que me ocorreu, a meu ver, revela uma possível contradição. Ao receber a divulgação do Diálogo, de pronto pensei: “preciso ver este evento, ouvimos falar e falamos tão pouco deste assunto”. No entanto, enquanto assistia, me vi pensando no quanto falamos sobre os usuários: “fulano não adere”; “não tem jeito com essa família”; “será que está me contando a verdade?”; “a gente tenta de tudo, mas eles parecem não querer ajuda” … Essas, dentre diversas outras, são frases muito comuns em nosso cotidiano de trabalho. Em minha percepção, estaria aqui revelada a contradição: falamos pouco sobre o assunto ao mesmo tempo em que falamos muito sobre os usuários. Muito sobre aquilo que eles não conseguem e sobre as angústias que o contato com eles nos traz. E foi esta constatação que me desafiou a abordar o tema aqui, para que possamos juntos lançarmo-nos algumas indagações sobre nossa prática junto ao público da Política de Assistência Social. Um dos pontos importantes e que podem nos apontar indicativos da direção na qual temos caminhado em nossa atuação no que tange a este aspecto, diz respeito à participação dos usuários nas esferas de Controle Social. Os usuários de seu município participam efetivamente dos conselhos de direitos? Sabem o que são estes conselhos? Estão presentes nas conferências? De que forma esta questão é tratada pela gestão e pelos técnicos do equipamento em que você está inserido? Junto a isso, precisamos nos perguntar também sobre como temos conduzido o acompanhamento das famílias que atendemos. Qual é o lugar que as famílias ocupam neste acompanhamento? Como é a construção das estratégias de trabalho em cada situação? Quem participa? Quando temos que redigir algum documento sobre o trabalho realizado, as famílias têm sido consultadas? As respostas a cada uma destas perguntas nos auxiliarão na identificação do cenário no qual estamos trabalhando. Talvez sejam suscitadas novas interrogações. A partir daí tornar-se-á possível falarmos sobre o trabalho junto aos usuários, de forma séria, comprometida e responsável. Na minha percepção, infelizmente, ainda estamos longe disto. Longe disto porque nosso discurso ainda está concentrado em um “sobre o usuário” que, na maioria das vezes, não inclui um “com o usuário”. E não podemos negar que este discurso “sobre o usuário” está, em muitas circunstâncias, carregado de preconceito. Isto posto, constato que, diante da campanha que norteia este texto, é impreterível que nos indaguemos: Preconceito de quem? E quando o preconceito parte de nós mesmos, trabalhadores do SUAS? Esta foi uma das questões levantadas no Diálogo realizado pelo CFP. E é de fato uma questão delicada: será possível trabalhar o preconceito da sociedade em relação aos usuários sem antes trabalhar os nossos próprios preconceitos? Será que nosso discurso sobre o usuário nos aproxima ou nos distancia dele? Para refletir um pouco mais sobre isto, proponho que façamos um exercício. Suponhamos que, depois de compartilharmos nossa história com uma pessoa, presenciemos esta mesma pessoa conjecturando e lançando hipóteses sobre o porquê agimos de determinado modo e não de outro, o porquê temos determinadas dificuldades. Sem nos consultar, a pessoa está dedicada a construir uma teoria sobre nós. Suponhamos que, após este momento, a pessoa traga ao nosso encontro (ou seria ao nosso confronto?), de forma pronta, as “soluções” que ela está certa que resolverão as dificuldades que compartilhamos. Como nos sentiremos? Não raro, é esta a atitude que temos frente aos nossos usuários. Fazemos conferências para deliberar sobre ações direcionadas a eles, sem que eles estejam efetivamente presentes. Individualizamos e psicologizamos suas dificuldades, esquecendo as especificidades de cada contexto em que estão inseridos. Não ouvimos suas vozes. Desmerecemos o que eles nos apresentam. Não valorizamos o seu saber. Neste momento, estamos servindo a quem? Sem ações emancipatórias legítimas, engrossamos o caldo da benevolência, da caridade, da assistência social como “favor”. Já vivenciei e me incomodei muito com situações nas quais o usuário nos agradece por aquilo que fizemos “por ele”. Cada vez que um usuário me agradece por aquilo que fiz “por ele”, me questiono: será que não consegui, de novo, fazer “com ele”? Volto ao Diálogo Digital instigador deste texto: estamos conseguindo trabalhar junto aos nossos usuários a noção de que não é vergonha ter direitos? Muito já foi dito sobre o quanto a Política de Assistência Social nos convoca a repensar nosso papel enquanto profissionais. E os desafios frente a este assunto também nos convocam a prosseguir repensando. Nosso suposto saber precisa ser deixado de lado. Ele nos coloca distantes dos nossos usuários. O saber que pode ser fermento para a emancipação precisa ser construído no entre, na relação que estabelecemos com as famílias que atendemos. Nesta relação não pode caber verticalidade. Sobre a escuta das pessoas atendidas na Política de Assistência Social, Silva (2014) afirma: […] Uma escuta que dê voz, que revele, realmente, a expressão da palavra aos sujeitos de sua história […] É importante que seja um espaço onde o protagonismo assuma seu efetivo exercício político de cidadania na complexa trama das relações sociais. (p.153) Sendo
Autonomia profissional e o trabalho no CREAS

Por Thaís Gomes * A motivação para escrever este texto surgiu a partir de diversas inquietações sobre o trabalho no SUAS, sobre intersetorialidade, sobre os avanços e recuos na política de assistência social e sobre o desgaste a que estamos submetidos quase que diariamente, especialmente no que se refere a autonomia profissional neste âmbito – um incômodo daqueles que ativam a gastrite – brincadeiras a parte, o sentimento é de que precisamos matar um leão por dia. Sabemos que em nossos locais de trabalho estamos lidando com diversas realidades e especificidades, seja no perfil do município e do público-alvo da política, da gestão, na quantidade e qualidade da oferta dos serviços, na relação com as demais políticas setoriais e órgãos de garantia/defesa de direitos e tudo isso vai impactar de alguma forma a nossa prática profissional. Com este texto convido-os a refletir sobre como tem se dado a relação entre a autonomia profissional, os princípios éticos das profissões que compõe o SUAS, o escopo da política de assistência social e as solicitações de relatórios que são feitas aos equipamentos especialmente pelos órgãos do sistema de justiça. No que diz respeito a autonomia profissional, trabalharei na perspectiva de que esta se manifesta no arcabouço legal normativo da profissão, no caso do Serviço Social como um direito do Assistente Social, expresso no Código de Ética da profissão em seu artigo 2º, alínea h) ampla autonomia no exercício da profissão, não sendo obrigado a prestar serviços profissionais incompatíveis com as suas atribuições, cargos ou funções; e que tem suas atribuições e competências claramente definidas na Lei 8662/93 – Lei de Regulamentação da Profissão. Cabe destacar que extrapola os objetivos desta reflexão um aprofundamento teórico da discussão de autonomia profissional dentro do Serviço Social, para quem se interessar em aprofundar um pouco mais sobre o tema deixo como sugestão o artigo “A relativa autonomia do assistente social na implementação das políticas sociais: elementos explicativos” de Vera Maria Ribeiro Nogueira e Silvana Marta Tumelero. (1) Dito isto, vamos ao que se propõe esta breve reflexão. A NOB-RH/SUAS refere, no que diz respeito aos princípios éticos para os trabalhadores da assistência social, que “a Assistência Social deve ofertar seus serviços com o conhecimento e compromisso ético e político de profissionais que operam técnicas e procedimentos impulsionadores das potencialidades e da emancipação de seus usuários”, além de esclarecer também que “os princípios éticos das respectivas profissões deverão ser considerados ao se elaborar, implantar e implementar padrões, rotinas e protocolos específicos, para normatizar e regulamentar a atuação profissional por tipo de serviço socioassistencial.” Trazendo essa reflexão sobre autonomia profissional e os princípios éticos do trabalho na política de assistência social para o âmbito da proteção social especial de média complexidade, especificamente para o CREAS, apresento algumas pontuações relativas a seu papel no SUAS e na rede de atendimento para posteriormente apresentar as reflexões relativas a autonomia profissional neste contexto. Sabe-se que o CREAS é o equipamento de referência na oferta de trabalho social especializado de caráter continuado a família e indivíduos em situação de risco pessoal ou social, pela ocorrência de violação de direitos. O papel do CREAS e suas competências enquanto órgão da política de assistência social fazem parte de um arcabouço de leis e normativas que fundamentam e definem esta política social e regulam o SUAS, desse modo, devem ser compreendidos a partir da definição da finalidade/objetivos da política do SUAS, ou seja, afiançar seguranças socioassistenciais, na perspectiva de proteção social, conforme descrito nas orientações técnicas do CREAS. O caderno de orientações destaca ainda a importância de se compreender e delimitar quais as competências do CREAS para o desempenho efetivo de seu papel enquanto equipamento do SUAS, para que seja possível elucidar qual seu papel e buscar fortalecer a sua identidade na rede intersetorial e também evitar a incorporação de demandas que competem a outros serviços ou equipamentos da rede socioassistencial, de outras políticas setoriais ou mesmo de órgãos de defesa de direitos. Desse modo, expressa ainda que ao CREAS não cabe “I) ocupar lacunas provenientes da ausência de atendimentos que devem ser ofertados na rede pelas outras políticas públicas e/ou órgãos de defesa de direitos; II) ter seu papel institucional confundido com o de outras políticas ou órgãos, e por conseguinte, as funções de sua equipe com a de equipes interprofissionais de outros atores da rede, como, por exemplo, da segurança pública (delegacias especializadas, unidades do sistema prisional, etc), órgãos de defesa e responsabilização (poder judiciário, ministério público, defensoria pública e conselho tutelar) ou de outras políticas (saúde mental, etc) e por fim III) assumir a atribuição de investigação para a responsabilização dos autores de violência, tendo em vista que seu papel institucional é definido pelo papel e escopo de competências do SUAS” (p.26,27). Porém, como vemos, ainda que esteja claramente delimitado qual é o papel institucional do CREAS e qual é o tipo de trabalho a ser desenvolvido neste equipamento, em nosso cotidiano profissional é muito comum nos depararmos com situações nas quais somos chamados a elaborar relatórios com objetivos que não coincidem com os objetivos do trabalho social na proteção social especial. Vale ressaltar que isto vem sendo recorrente também no âmbito da proteção social básica, conforme tenho visto nos relatos dos profissionais. De acordo com o caderno de orientações técnicas a elaboração de relatórios sobre os atendimentos e acompanhamento das famílias e indivíduos constitui uma importante competência do CREAS, ressaltando que estes não devem se confundir com a elaboração de laudos periciais, relatórios ou outros documentos que possuam finalidade investigativa que constituem atribuição das equipes interprofissionais dos órgãos do sistema de defesa e responsabilização. Quando ocorrer a solicitação é necessário que seja resguardado o disposto nos códigos
Da visita ao atendimento domiciliar: rompendo paradigmas

Na primeira parte deste texto (Leia AQUI), eu trato a visita domiciliar – VD como uma prática perigosa para nós do Sistema Único de Assistência Social – SUAS e um dos motivos é por ela ser usada nos dias atuais assim como foi lá no início e meados do século passado – A leitura da Parte 1 é fortemente recomendada: Visita Domiciliar no SUAS. É óbvio que as construções teóricas e éticas sobre essa técnica avançaram ao longo do tempo, dialogando com as propostas das políticas públicas, mas do ponto de vista prático eu arrisco em pontuar que pouco se diferenciam do passado, onde as ações não tinham características e nem diretrizes de política pública. Eu também deixei linhas para continuar tecendo sobre o que poderia ser uma mudança na conceituação dessa prática no campo da Assistência Social, porque corre-se o risco da utilização desta técnica como recurso para averiguações de informações, “checagem”, fiscalização dos dados identificados nas entrevistas na unidade, critério para acesso a benefício eventual, ente outros objetivos com características policialescas e coercitivas. “Indicar os meios para reconhecer a verdadeira indigência e tornar a esmola útil aos que a dão e aos que a recebem”. Trecho do texto: Visita Domiciliar no SUAS Diante disso, a minha proposta é que passássemos a nomear a visita domiciliar, no âmbito do SUAS, como atendimento domiciliar. É mais assertivo e coaduna com os princípios e diretrizes da Política Nacional de Assistência Social – PNAS, por se tratar de uma política pautada na Garantia de Direitos e não na averiguação de fatos, como poderíamos, sumariamente, atribuir às ações técnicas do Sistema Judiciário e de outros órgãos de responsabilização do Sistema de Garantia de Direito, por exemplo. O que me faz apostar na potência desta mudança de perspectiva é porque considero que no âmbito do SUAS o/as assistentes sociais, as psicólogas/os, os demais profissionais que compõem as equipes e claro, os que compõem os órgãos gestores, assim como a população que usa os serviços, ainda tratam a Assistência Social como lócus de tratamento individual da pobreza. Este panorama é contrário a perspectiva da cidadania, do coletivo. Há sim uma dimensão personalizada na proteção social, mas o que estou tentando problematizar é que esta sempre corre o risco de aparecer como sendo a única em detrimento da dimensão cidadã/coletiva. Ela é mais aparente, mais focal e portanto mais fácil de materializar as ações de Assistência Social. Um exemplo pode ser o da concessão de benefício eventual – BE, como a cesta básica – CB, o mais popular entre os demais. Trata-se de um direito reclamável direcionado a uma pessoa/família, e que, antes da profissionalização da Assistência Social, o acesso a esse direito era pautado na dualidade eleitor-governo. É claro que não houve um rompimento imediato nesta lógica após o SUAS, até porque, historicamente, as mudanças ocorrem paulatinamente e é necessário que várias estratégias de rompimento se juntem para além do arcabouço legal. Mas os objetivos da PNAS, deste a Lei Orgânica de Assistência Social de 93, nos direcionam para o que eu estou chamando de dimensão cidadã do acesso a um direito. Onde estaria a dimensão cidadã deste direito, a cesta básica? Vou tentar abordar na perspectiva dos atores envolvidos, fazendo as perguntas que eles deveriam ser capazes de fazer ao reclamarem, mediar/gerir este direito: Usuários: Além de mim, há quantas pessoas/famílias nesta mesma situação? Quantos conseguem acessar esse direito? Por que e desde quando estamos nesta situação? Qual é a resposta do Estado para este problema? Gestores/técnicos/profissionais do SUAS/conselheiros: Quais estratégias são necessárias para romper a lógica assistencialista tão impregnada na oferta da cesta básica? quais análises são necessárias para a compreensão qualitativa entre a necessidade apresentada e a cobertura de proteção social? A lei que regulamenta os BE está em conformidade com a garantia de direitos ou reforça a lógica da concessão para quem mais merecer? (Condicionando o acesso ao direito após avaliações e chancelamentos técnicos). A Lei foi formulada e aprovada com participação popular? As famílias beneficiárias conhecem a lei? São algumas questões que inviabilizam a mera reprodução e provocam novas direções na gestão e execução da Assistência Social. O direito é coletivo e é um grande erro achar que ele só existe por conta do indivíduo, sendo que ele existe porque atende a um interesse coletivo. E por que então o usufruto desse direito é sempre acionado no panorama individual? Se eu tenho acesso a alimentação, ao ensino com qualidade e gratuito, porque o outro não tem? Por que ainda há tantas pessoas sem acesso aos direitos fundamentais, como a segurança alimentar? Não seriam essas perguntas um indicar do exercício da cidadania e do amplo acesso aos direitos? Em muitos municípios ainda não há uma gestão de benefícios eventuais imbuída de diagnóstico que subsidiasse o planejamento para uma concessão mais próxima possível da demanda. Ocorrendo assim, uma discrepância entre demanda e oferta – ou seja, muitas famílias ficam em situação de desproteção social sem acesso ao benefício. Diante deste cenário, como critério para filtrar a demanda, é recorrente que a orientação do gestor passa a ser a de utilizar as ações dos técnicos do CRAS para realizarem a VD domiciliar e só assim “permitir” a concessão do benefício. É neste ponto que a visita domiciliar é utilizada como no início do século passado e sem que a equipe técnica pare para analisar o que está sendo feito e o mais importante, o que precisa ser feito para mudar esse desequilíbrio de acesso ao direito a curto, médio e longo prazo. Não seria interessante, a curto prazo, até que o cenário se torne mais equilibrado, as próprias famílias (da lista de demanda de CB) definirem quem mais precisa? Não seria uma proposta impossível, desde que os acompanhamentos em grupo pelo PAIF fossem realidades. Em um próximo texto irei abordar a descentralização dos benefícios eventuais para as unidades de CRAS, pois há uma enorme confusão sobre gestão de benefícios e promoção do acesso a esse direito. A proposta do atendimento domiciliar em contraponto a visita domiciliar é que a
Orientações do CNAS sobre as Conferências de Assistência Social de 2017
Tenho recebido vários e-mais solicitando materiais sobre a Conferência de Assistência Social. Por isso, informo que os documentos que tenho são os disponibilizados pelo Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS. Para facilitar o acesso irei deixar os arquivos dos Informes CNAS aqui para download (mas estão todos no Blog do CNAS, onde sugiro que você deem uma navegada para conhecer mais do processo de Conferência e controle social). BAIXAR: Informe nº 02 – Orientações temáticas e organizativas para as Conferências Municipais de Assistência Social de 2017– CLIQUE AQUI BAIXAR: Informe nº: 03 – Distribuição de Delegados – CLIQUE AQUI Controle social – é o exercício democrático de acompanhamento: da gestão e avaliação da Política de Assistência Social, do Plano Plurianual de Assistência Social e dos recursos financeiros destinados a sua implementação BAIXAR ⇒Gestão do SUAS e o Controle Social (OFICINA DO CNAS COEGEMAS ) Uma produtiva conferência a todos!
Conferências de Assistência Social nos municípios, estados e DF 2017

Divulgando o calendário das Conferências de Assistência Social de 2017! É tempo de se organizar para não realizar a conferência na última hora e correr o risco de cumprir meros protocolos! #AvanteSUAS “Em 2017 ocorrerá o processo de Conferências de Assistência Social, que terá como tema “Garantia de direitos no fortalecimento do SUAS”, para isso, o Conselho Nacional de Assistência Social aprovou a Resolução nº 23/2016 publicada no Diário Oficial da União no dia 23 de dezembro do ano passado. Na normativa consta o cronograma para realização das Conferências Municipais, Estaduais e do Distrito Federal da Assistência Social, além de outras normas para realização das Conferências de Assistência Social. … Leia na íntegra no site CNAS Baixar Resolução nº 23/2016, clique aqui VEJA OS INFORMES CNAS: (Clique na imagem par acessar o Post) #Participação #ControleSocial
Entre o pessimismo da razão e o otimismo da vontade: breves considerações sobre cultura política e trabalho na assistência social

Por Thaís Gomes* Chegou ao fim mais um período eleitoral e assim vão sendo desenhadas as plataformas políticas para os próximos quatro anos em nível municipal… É um período que traz muitas preocupações e incertezas para os trabalhadores da assistência social. Cortes de gastos, ameaça de demissão dos trabalhadores contratados, redução das equipes e dos benefícios, interrupções nos SCFV, são só alguns dos fatores que prejudicam potencialmente a oferta dos serviços socioassistenciais. Esse quadro demonstra como a cultura política local influencia a dinâmica da política de assistência social, principalmente em períodos eleitorais, onde é possível notar o quanto ainda é utilizada como meio de troca de favores entre políticos e eleitores, com predomínio de relações verticais com forte cunho clientelista, ainda que a atual configuração da política de assistência social proponha exatamente a ruptura com o ranço histórico do assistencialismo. Não é incomum ver vereadores “bondosamente”, isentos de interesses, acompanharem os usuários dos serviços nos CRAS por exemplo, para acesso a benefícios eventuais em ano de eleição municipal por exemplo. E se os traços da cultura política influenciam a dinâmica da política de assistência social, cumpre observar que afeta também o trabalho dos técnicos que atuam na ponta dos serviços. A incidência das práticas de mandonismo e coronelismo nos municípios influenciam os processos de trabalho e a oferta dos serviços na política de assistência social de um modo perverso ao permitirem também, para além do cenário citado anteriormente, a inserção de pessoas sem qualificação profissional e técnica para ocupar cargos de gestão/ coordenação nas secretarias de assistência social através dos cargos comissionados, pois ao não disporem dos requisitos para ocupar tais cargos, acabam reproduzindo dentro da lógica de trocas de favores e cabide de emprego, práticas assistencialistas que perpetuam a visão da política de assistência social como favor e não como direito, culminando num círculo vicioso que prejudica a oferta de serviços em consonância com as prerrogativas do SUAS, além de causar constrangimentos entre as equipes técnicas, usuários e gestores. Além disso, a grande incidência de contratações profissionais por contrato de trabalho por tempo determinado, RPA’s, comissionados, terceirizados e voluntários em detrimento da contratação via concurso público também configura uma questão delicada no debate da cultura política local, pois nos remete a pensar até que ponto as normativas existentes no arcabouço da política de assistência social, como a NOB-RH (Norma Operacional Básica de Recursos Humanos) têm força de lei, tendo em vista ser a contratação por concurso público o modo em que se atesta o conhecimento técnico do profissional para exercer determinada função, confere estabilidade profissional, além de ser parte fundamental no processo de construção de uma política pública de Estado e estar preconizado na configuração da política de assistência social. De acordo com Brisola e Silva (2014) a precarização das condições de contratação no âmbito do SUAS contribui também para a restrição dos direitos profissionais/ trabalhistas e para a descaracterização da assistência enquanto política pública estatal podendo ocasionar ainda mais retrocessos na efetivação dos direitos socioassistenciais. Outro ponto a ser destacado na trama de relações desenvolvidas por intermédio da cultura política local é a participação social dos profissionais nas instâncias de representação dos trabalhadores, sindicatos, conselhos de direito e de políticas e movimentos sociais. A precarização das condições de trabalho também é fator determinante no processo de despolitização das categorias profissionais e também da própria política de assistência social, que prevê a participação e o controle social por intermédio dos conselhos e conferências. Muitas vezes imersos na rotina de trabalho, em meio a tantas questões que se colocam, os profissionais não dispõe de tempo para discutir o trabalho desenvolvido, refletir sobre suas práticas, sobre as condições de trabalho, bem como participar ativamente das instâncias de controle social como o conselho municipal de assistência social por falta de tempo e estímulo e até mesmo por represálias (demissões, assédio moral, ameaças de violência, perseguições, etc) que possam sofrer advindas do órgão gestor da política ou do poder executivo, ou de ambos. Além da parca oferta de capacitações para as equipes técnicas, o que propiciaria um espaço privilegiado para trocas de experiências e debate sobre o cotidiano de trabalho. Importante sinalizar que enquanto profissionais precisamos estar atentos à dinâmica das relações sociais forjadas em nosso dia a dia, buscando entender a dinâmica social e econômica e seus rebatimentos em nosso espaço profissional, para que possamos adotar posturas que busquem romper com práticas burocráticas e conservadoras que ajudam a perpetuar práticas clientelistas e assistencialistas, traços da cultura política local, dentro da política de assistência social. E isto somente pode se concretizar através das discussões fomentadas pelas práticas profissionais e das estratégias de enfrentamento traçadas por quem faz o SUAS acontecer diariamente. O cenário que se mostra atualmente é de grandes retrocessos na política de assistência social em todos os níveis, nacional, estadual e municipal. No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, recentemente a Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos foi incorporada à Secretaria Estadual de Saúde, o que representa um enorme retrocesso ao unir as políticas de assistência social e saúde, destaque também para os importantes documentos de referência sobre o trabalho na política de assistência social elaborados pela SEASDH. A impressão que tenho é que estamos vivenciando um estado de apatia social e descredibilidade política em meio a conjuntura que se apresenta através dos noticiários (sérios e imparciais), redes sociais, diante de tantos bombardeios de estratégias dos governantes de todas as instâncias para dirimir direitos sociais conquistados. Mas não devemos/ podemos perder as esperanças pois em meio as crises é que surgem as possibilidades de mudança. Que em 2017 possamos coletivamente traçar estratégias para enfrentar o desmonte dos direitos sociais, que tenhamos coragem e ousadia para lutarmos pela política de assistência social e pela efetivação dos direitos, por melhores condições de trabalho no SUAS, por maior adesão e participação dos trabalhadores nos espaços de decisão, frentes de trabalho, grupos de discussão e reflexão do trabalho para juntos buscarmos uma alteração neste cenário de retrocessos posto. “(…) O
A Assistência Social que fazemos: da escrita ao debate (Hangout)

Oi Pessoal, Na próxima Segunda-feira, 07/11, às 20h, acontecerá o Hangout com a apresentação das colaboradoras do Blog Psicologia no SUAS e debate sobre a Assistência Social como direito. Aproveitaremos para divulgar o resultado do Concurso Cultural: Assistência Social é direito, não é caridade. Para saber sobre o concurso clique AQUI . QUER PARTICIPAR? ⇓ Preencha o Formulário AQUI e aguarde o link da transmissão que será envido para o seu e-mail. Assista ao debate
A violência nossa de cada dia

Por Lívia de Paula* Como técnica de referência de um CREAS, é algo recorrente em minha prática receber convites e solicitações para participar como facilitadora em rodas de conversa e palestras sobre o tema violência, na maioria das vezes sobre violência contra crianças e adolescentes, meu foco de atuação dentro do serviço. Já estive nos espaços, mais diversos, como escolas, falando para crianças e adolescentes; escolas, falando para pais e responsáveis; universidade, falando para alunos; teatro, falando para pessoas da comunidade; evento promovido por igreja evangélica, falando para fiéis; entre outros. Considero uma imensa responsabilidade explanar sobre este tema e uma das preocupações que tenho é tentar sair do lugar comum que muitas vezes nos captura enquanto trabalhadores da área: falar sobre prevenção, sobre os tipos de violência e sobre as formas de denúncia. Geralmente é este o nosso script, tanto quando falamos sobre o tema, quanto quando somos convidados a ouvir outros profissionais em capacitações que nos são oferecidas. É claro que este script tem grande importância, pois é ele que nos orienta em nosso trabalho cotidiano. Porém, penso ser interessante ir além. Ir além, a meu ver, é antes de falar do que já está posto, promover reflexões. Antes de dizer o número do Disque 100 (Disque Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República)[i], seria bacana conhecer o que as pessoas pensam sobre violência. Qual é o conceito delas sobre o assunto? Qual é o seu conceito, caro colega de SUAS? Já se perguntou? É com esse questionamento que geralmente inicio minhas apresentações. Perguntando a mim mesma e aos meus ouvintes o que é violência. E as descobertas vão inúmeras, muitas vezes mudando até o rumo da prosa. Observo que, em grande parte das discussões, a violência é vista como algo que não nos pertence. Violência é coisa de noticiário policial, num reino tão, tão distante… Quantas vezes me perguntam: mas existe violência sexual em Itaúna? E essa forma de olhar a violência não é exclusividade daqueles com os quais nos relacionamos (amigos, conhecidos, parentes, usuários). Essa é a minha forma de olhar a violência. Essa, provavelmente, é a sua forma de olhar a violência. Mas então, o que seria violência? A Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002) define a violência como: o uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade que, resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação.[ii] Pensando a partir deste conceito da OMS, torna-se simples observar como a violência faz parte do cotidiano de cada um de nós. Quem nunca se sentiu ameaçado ou chantageado? Quem nunca ficou irritado no trânsito e ofendeu outro motorista? Isso sem falar nas nossas relações familiares, algumas sustentadas pelos conflitos e violências psicológicas várias. A violência nossa de cada dia. Assimilada e Banalizada. Aquela que não dá ibope pros “Datenas”, afinal todo mundo perdoa porque: “eu estava nervoso”, “aquele motorista é um lerdo”, “foi só uma brincadeirinha”. A psicanalista Maria Laurinda Ribeiro de Souza, em seu artigo “A banalização da violência: efeitos sobre o psiquismo”[iii], nos traz contribuições importantes sobre este tema: Outra forma de se olhar para a questão da violência é identificar, no nosso cotidiano mais próximo, como ela se manifesta nos pequenos gestos. Por serem tão do dia-a-dia e por parecerem tão insignificantes frente à magnitude das manchetes, não se dá tanta atenção. Penso, por exemplo, nas discriminações, exclusões e desrespeitos mais comezinhos – transformar as empregadas em escravas disfarçadas deixando, por exemplo, as roupas jogadas, os jornais espalhados, para que elas os guardem. […] Violência do casal que não suporta as mínimas diferenças e não consegue negociar ou ao menos escutar as divergências. Violência com os filhos que são deixados ao relento das ruas ou, em situações econômicas mais favoráveis, aos acasos da televisão moderna – os jogos eletrônicos e computadores. […] O lugar para os afetos, as amizades, o respeito mútuo, a confiança, está cada vez mais restrito. Saindo de casa: violência no descuido com as calçadas; inexistência de rampas, de guias rebaixadas, de respeito mínimo às normas de convivência, cidadania, zoneamento urbano, empregos informais sem direitos trabalhistas, sem previsões de acidentes e de amparo à velhice… Também aqui a lista seria imensa. Apesar de tantos exemplos fáceis de serem identificados e que produziriam realmente uma lista imensa, acredito que promover reflexões mais amplas sobre o conceito de violência configura-se como um desafio em nosso cotidiano. Alguns destes exemplos ainda trazem espanto e geram muitas polêmicas quando abordados. Em certa ocasião, na qual estava como facilitadora de uma roda de conversa, falávamos sobre as palmadas, os famosos tapinhas para educar. Fui questionada por uma colega psicóloga: “mas você acha que isto também é violência?” Não sei se é o caso desta colega, mas conheço vários profissionais do SUAS que acreditam e defendem discursos como “mulher apanha porque gosta”, “pedófilo precisa é ser castrado”, “criança só vira gente se apanhar”. É por essas e outras que o desafio está posto. E é por tudo isso que defendo que continuemos a falar de violência. Que não recuemos quando convidados a falar sobre violência. Porém é urgente que ampliemos nosso olhar. Que busquemos a violência naquele reino distante. É preciso sim que a nossa fala contemple as situações que chocam: a negligência grave, as violências física, sexual e fatal. Mas, mais necessário ainda é que a nossa fala discurse principalmente sobre a violência mais “perigosa”: aquela à qual nos acostumamos, aquela que se veste de hábito. Que essa reflexão possa começar conosco e se estender aos espaços nos quais somos convidados a estar: os equipamentos do SUAS, as ruas, as praças, as escolas, a comunidade. Só assim será possível contribuirmos para a quebra dos ciclos de violação, uma das tarefas mais importantes da Política de Assistência Social. [i] Para conhecer o serviço, acesse AQUI [ii] Acesse o Relatório Mundial sobre Violência e Saúde AQUI [iii] Artigo