Parâmetros de atuação do SUAS no sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência

As trabalhadoras e trabalhadores da Assistência Social ganham mais um reforço orientativo sobre o que fazemos, colaborando para a argumentação junto ao Sistema de Justiça e SGD. Todas as leis e normativas sofrem tensões e severas disputas quanto aos direcionamentos de princípios e de operacionalização a serem seguidos. Com a Lei 13.431/2017, com o decreto 9.603/2018 que a regulamenta, bem como com esta cartilha orientativa não seria diferente. Por isso, este documento é de extrema relevância, considerando que a Assistência Social sofre intensa pressão e desrespeito quanto aos seus objetivos, assim como os profissionais são intimados e até ameaçados por solicitações indevidas, extrapolando os campos e limites de atuação. É preciso marcar que o SUAS compõe a rede de proteção e assim deverá agir, com absoluta presteza para garantir o atendimento à criança e adolescente vítimas ou testemunhas de violências e às suas famílias, considerando o princípio da proteção integral. De acordo com o texto de divulgação do documento, a “proposta é apresentar parâmetros a serem adotados pela rede socioassistencial no atendimento à criança e ao adolescente vítima ou testemunha de violência e suas famílias, visando a proteção integral e a não revitimização desse público, em cumprimento à Lei nº 13.431/2017 e ao Decreto nº 9.603/2018”. Fonte Rede SUAS:http://twixar.me/2ZcT Boa leitura!

8 Propostas de ações na Assistência Social sobre o Dia Internacional da Mulher

O dia 8 de março é o Dia Internacional   da Mulher. Começo este texto desfazendo uma equivocada ideia acerca da origem dessa data, espalhada por vários meios de comunicação, principalmente textos pela internet e jornais físicos ou digitais. A explicação comumente dada é que se trata de uma data que faz referência ao incêndio ocorrido no dia 25 de março de 1911 na Triangle Shirtwaist Company, em Nova York, onde 146 pessoas morreram, em sua maioria mulheres. Eu aprendi que essa não é a verdade sobre esta data, a qual tem um cunho muito mais político e social do que a população insiste em negar. Aprendi com a socióloga Eva Blay ao ler seu ensaio 8 de março: Conquistas e Controvérsias, em meados de 2012, quando divulguei este artigo no blog e propus um debate acerca das atividades que são feitas nas unidades da Assistência Social em alusão a esta data. Por algum motivo este texto foi perdido e só tem o vídeo da transmissão on-line que fiz através do Youtube (se você quiser conferir pode ir lá no Canal, mas lembre-se que se trata de um vídeo ao vivo, então reserva um tempinho e um caderno para anotar as poucas partes relevantes 😊).   Para Eva Blay o dia fora proposto por Clara Zetkin já em 1910, sendo possível inferir que decorrida a tragédia se potencializou a necessidade de discutir as precárias condições das mulheres em relação ao trabalho. Sendo, portanto, uma data que marca as lutas das mulheres por igualdade de direitos. O Dia Internacional da Mulher só foi oficializado em 1975, pela ONU, lembrando suas conquistas políticas e sociais. No Brasil, é evidente uma menção comercial da data e uma alusão rasa ao ser mulher. Normalmente são atribuídos adjetivos que em nada colaboram com as lutas políticas e sociais das mulheres: forte, guerreira, edificadora do lar, educadora… A lista é bem extensa, mas estes adjetivos já ajudam com a reflexão de como essa data é tratada com um viés liberal e comercial. Vale, portanto, reforçar que a data 08 de março é fortemente atrelada às lutas dos movimentos sociais e feministas. Então, chegou a hora de marcar o objetivo deste texto: fazer com que as profissionais das equipes do SUAS e de outras políticas públicas que passarem por aqui, reflitam e mudem a perspectiva sobre esses eventos em referência ao dia 08 de março que são comumente realizados nos serviços e comunidade como dia da beleza, palestra de autoestima e atividades que reforçam a ilusão de mulher guerreira. A Política de Assistência Social tem um significativo apelo às mulheres e sabemos como é fácil reproduzir desigualdade de gênero ao invés de combatê-la, portanto, faz-se necessário refletir que se esse tema fosse tratado como agenda ao longo do ano, as equipes não teriam muita dificuldade em propor atividades mais politizadas e fecundas. Assim, a proposição aqui é que se trabalhe ao longo do ano temas em relação aos direitos das mulheres e inclusive contemplando as meninas (crianças e adolescentes) dos serviços, visando agregar atividades e superar aquelas que mencionei como rasas e meramente comerciais. Não é demais pontuar que cada atividade deve ser avaliada conforme o contexto de cada microrregião e que essa lista só tem como meta ser um disparador de ideias e mostrar o quanto se pode fazer muito mais do que esses eventos superficiais, inconsistentes e de que em nada reivindicam posicionamento teórico-técnico das profissionais do SUAS. Sugestões de atividades politizadas para o dia 08 de março nos CRAS, CREAS e demais unidades de serviço da Assistência Social: Formação das trabalhadoras/res do SUAS A gestão precisa contemplar a formação sobre gênero no rol das capacitações promovidas pela Educação Permanente – EP e sabendo que as mulheres formam a maioria das equipes que gerenciam e operacionalizam o SUAS (este que tem as mulheres como a maioria das participantes), faz-se urgente problematizar e formar novas possibilidades de leituras e intervenções no contexto contraditório da proteção social no campo da Assistência Social e das demais políticas transversais. Cabe, então, considerar o fato de que as duas profissões mais presentes na Assistência Social são “femininas”: a Psicologia tem 89% de profissionais mulheres e o Serviço Social é composto por 93,7% (dados PNAD 2007). Destaco que a falta de implementação da PMEP não deve inviabilizar atividades destinadas às mulheres trabalhadoras do SUAS, assim, pode ser realizada uma Palestra ou Oficina sobre movimentos sociais feministas; sobre mulheres e relação com o trabalho de cuidar, este muito atribuído ao feminino. 2) Conselho Municipal dos Direitos da Mulher Momento para realizar um evento no formato de Fórum ou outro mais adequado a cada realidade e possibilidade, sobre a formação do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher e no caso do mesmo já estar implantado, vale um evento para avaliar seu funcionamento e como está seu alcance junto a sociedade e instituições públicas e privadas. Bom lembrar que seria um excelente momento para avaliar e monitorar as deliberações da última Conferência Municipal. 3) Movimentos Sociais e as Conquistas Femininas Oportunidade para discutir o alcance dos direitos políticos e sociais das mulheres ao longo da história do Brasil, principalmente no século XX e como as mulheres podem refletir sobre os lentos avanços e necessidade de mais mobilização para que a condição da mulher na sociedade continue sendo transformada em direção a igualdade de gênero. Considero interessante aproveitar o evento para evidenciar mulheres que foram/são fundamentais nas lutas de emancipação e visibilidades dos direitos das mulheres, bem como daquelas que lutam denunciando as desigualdades ainda tão arraigadas na sociedade. Estou fazendo uma lista das mulheres e projetos feministas que me inspiram e em breve divulgo aqui com vocês! Você pode trocar o dia da beleza pelo dia de homenagens às mulheres que fazem a diferença no seu território! 4) Mulher e Maternidade Atividades como Rodas de Conversa e Oficinas são uma boa opção metodológica para tratar desse tema com as usuárias dos serviços. Como essas mulheres vivenciam o cuidado com os filhos ou com a

Abordagem psicossocial e a práxis na Assistência Social

Por Rozana Fonseca No texto “Atendimento psicossocial ou interdisciplinaridade na assistência social? ”, publicado em março, indiquei que iria escrever sobre o conceito psicossocial como abordagem metodológica, tendo como campo teórico a psicológica social e comunitária. Tenho interesse que estes textos possam ser compreendidos e usados por todos os profissionais que compõem o SUAS[i] e por aqueles que não estão contemplados por ela, mas atuam neste sistema – e não esquecendo dos trabalhadores de nível médio, estes que, muitas vezes, ficam à margem dos processos práticos da Educação Permanente. A Política de Educação Permanente do SUAS – PEP/SUAS precisa ser amplamente implementada e garantida para todos aqueles que integram a rede socioassistencial, porque a atuação de todos os profissionais interfere na realidade – para a sua manutenção ou para a transformação e o resultado dessa ação reverberará, com as mesmas características, nestes agentes. Abordarei mais sobre isso ao longo deste texto.   No texto citado acima pontuei que o conceito “psicossocial” não é a junção da Psicologia com o Serviço Social como é comumente reproduzida acriticamente na Assistência Social, às vezes, considerado apenas uma acepção para a “dupla profissional” formada por essas duas profissões. Estas que compõem as equipes de referência com uma diferença numérica substancial das demais profissões previstas e atuantes. Discorri também sobre os prejuízos de não se discutir o “psicossocial” na Assistência Social como uma abordagem teórico-metodológica porque reflete a falta de uma intervenção pautada pela interdisciplinaridade. A abordagem psicossocial é mais discutida e sustentada na Política de Saúde Mental a qual é chamada de Atenção Psicossocial, e, sumariamente, visa superar o modelo médico e o clínico-psicoterápico e nomeia o principal equipamento substitutivo dos hospitais psiquiátricos – o Centro de Atenção Psicossocial – CAPS, enquanto que na Assistência Social ainda é pouco discutida. Esta abordagem tem uma diversidade de correntes e sobre isso direciono vocês aos escritos de Eduardo Vasconcelos (2008) sobre Abordagens Psicossociais (Vol. I, II e III) mais especialmente ao Vol. I, intitulado “História, teoria e trabalho no campo”, onde o autor traz um panorama preciso com sistematização histórica, epistemológica e teórica. Como o autor pondera, na prática precisaremos compreender como se processa hoje uma prática criativa ou reprodutiva. Este texto é também um manifesto porque vejo a/s abordagem(s) psicossocial(s) como norteadora (s) da atuação dos trabalhadores no SUAS, pois a intenção não é só apontar o uso equivocado do termo “atendimento psicossocial”, porque me valendo de Zangari et.al (2017), “mais do que pontuar uma conexão racionalizada do que seja “psico-social”, é desejável que psicólogos sociais incorporarem/desenvolvam uma atitude decorrente da profunda compreensão do que se denomina ou adjetiva como “psicossocial”. Pág. 79 O método psicossocial é tratado a partir de diferentes disciplinas e escolas teóricas, e é muito aceita, na Psicologia, como tendo fundamentação teórica-metodológica na psicologia social e comunitária – nas várias psicologias. A palavra psicossocial, especialmente o hífen que relaciona psico e o social é tratada exaustivamente por diferentes autores e perspectivas teóricas no livro “A Psicologia Social e a Questão do Hífen”, organizado por Silva Junior e Zangari. (2017). Questões que são postas e analisadas desde a grafia até a conceituação da Psicologia Social, e por isso recomendo o estudo para quem deseja aprofundar nesta temática e conhecer as diferentes abordagens teóricas.   Considerando minha afinidade com a Psicologia Social crítica de base no materialismo histórico-dialético, eu me recorro a Vasconcelos (2008) para conceituar abordagem psicossocial, o que para ele trata-se de um campo: “Campo das abordagens psicossociais que é uma área do conhecimento cujo objeto é a interseção de fenômenos psicológicos, sociais, biológicos e ambientais, formando um campo aplicado (…). O campo é nominado no plural porque tem uma perspectiva pluralista, multidimensional e interdisciplinar, e marcado inexoravelmente por um engajamento ético e político nas lutas dos vários movimentos sociais populares e seus projetos históricos, bem como na construção de políticas sociais universais e marcadas pelos princípios da integralidade, intersetorialidade e ampla acessibilidade, como direito do cidadão e responsabilidade do Estado”.  Pág.15 Com a abordagem psicossocial nunca me senti à deriva, ou que tinha caído de paraquedas na Assistência Social. Bader Sawaia foi uma das autoras a quem recorri no início da atuação no SUAS e foi neste período que tive acesso ao livro “As Artimanhas da Exclusão: Análise psicossocial e ética da desigualdade social”[ii]. Entender que essa abordagem infere os estudos e a prática interdisciplinar e a ação intersetorial, me levou, desde o início, à práxis. A práxis do trabalhador do SUAS A intervenção a partir da perspectiva psicossocial implica à problematização e ao desenvolvimento de uma atuação sob a égide da práxis e da interdisciplinaridade. Práxis não é prática. Práxis é a inter-relação entre a teoria e a prática. É um compromisso com a transformação da realidade com a qual atuamos e com as disciplinas das quais nos servimos e as servimos para sua reinvenção ou atualização a fim e que não se tornem obsoletas ou instrumento opressor para o tempo presente ou o iminente. A práxis deve ser o norte de atuação onde a prática tem ação intencional na direção da emancipação e da transformação da realidade, ação esta que influenciará a teoria, a qual nunca está pronta e ambas sofrem alteração numa via de mão dupla. A realidade é complexa, contraditória, opressora e por isso é tão importante a práxis para manter uma atuação menos alienante, e domesticadora conforme nos aponta Paulo Freire (2005), o qual conceitua práxis como sendo a: “reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo. Sem ela, é impossível a superação da contradição opressor-oprimidos”. Pág.42 A intervenção psicossocial eleva também a urgência da implementação da Política Nacional de Educação Permanente no SUAS – PNEP/SUAS, a qual “deve buscar não apenas desenvolver habilidades específicas, mas problematizar os pressupostos e os contextos dos processos de trabalho e das práticas profissionais realmente existentes. Via pela qual se buscará desenvolver a capacidade crítica, a autonomia e a responsabilização das equipes de trabalho para a construção de soluções compartilhadas, visando às mudanças necessárias no contexto real das

Da adesão à participação: repensando nossa relação com as(os) usuárias(os) do SUAS

Por Lívia Soares de Paula* Desde o lançamento da Campanha de Combate ao Preconceito contra a Usuária e o Usuário da Assistência Social, lançada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) e pelo Fórum Nacional de Usuárias e Usuários da Assistência Social (FNUSUAS) em dezembro de 2017, venho refletindo continuamente sobre a relação estabelecida entre nós, trabalhadoras (es), e as (os) usuárias (os) da política de Assistência Social. Veja também o texto que já publiquei aqui: Preconceito de quem? Algumas inquietações sobre as relações entre trabalhadores e usuários no SUAS. Nesta relação, um dos desafios diz respeito a participação (ou não) das (os) usuárias (os) nos atendimentos e atividades propostas nos nossos equipamentos. Este assunto é recorrente nos espaços de discussão sobre nossa atuação no SUAS e a escrita deste texto sobre ele foi sugerida por uma colega assistente social que, ocupando um destes espaços, se viu provocada a refletir sobre o mesmo. No nosso cotidiano de trabalho, em geral não utilizamos o termo participação, mas sim adesão das (os) usuárias (os) nas atividades: “essa família não adere”; “já fizemos de tudo, mas não conseguimos a adesão das famílias”. O uso do termo adesão em detrimento do termo participação já aponta, a meu ver, alguns pontos importantes para iniciarmos nossa conversa sobre a temática. O que vêm à sua cabeça quando ouve a palavra aderir? E quando ouve a palavra participar? Quais as diferenças entre estas duas palavras? Fazendo uma pesquisa simples no dicionário, já nos é possível tecer alguns apontamentos sobre as possíveis definições para as duas palavras. Para a palavra adesão, o dicionário traz: 1. ação ou resultado de aderir, de ligar-se ou estar fisicamente ligado a algo, aderência; 2. postura favorável a uma ideia, movimento, ato, etc; 3. filiação a partido, associação, etc. Para participação, encontramos: 1. ação ou resultado de participar, de fazer parte; 2. associar-se pelo pensamento, pelo sentimento, compartilhar. Este simples retorno às definições me provoca a pensar sobre as duas palavras e suas diferenças. O termo aderir me sugere que estamos olhando para a (o) nossa (o) usuária (o) como um sujeito passivo que irá se “ligar” ao que projetamos para ele. Já o termo participar me coloca diante da imagem de uma (o) usuária (o) ativa (o), que faz parte, que associa-se pelo sentido que o projeto tem para ela (e), que “com-partilha”. A partir disso, faço a nós um convite. Precisamos refletir sobre como olhamos para as famílias e indivíduos que acompanhamos: como sujeitos que aderem ou que participam? Silva (2014) realizou uma pesquisa na cidade de Porto Alegre (RS), com o intuito de conhecer os usuários da política de Assistência Social daquela cidade. Os resultados de sua pesquisa mostram-se muito relevantes para contribuir com o nosso diálogo sobre os questionamentos que coloquei anteriormente. A autora faz um apanhado histórico sobre nosso país e sobre o surgimento e transformação da Assistência Social no Brasil. Menciona nossa cultura política que ainda transveste o direito como benesse e concessão. Tal cultura reforça a subalternidade e afasta a sociedade das relações democráticas. (SILVA, 2014, p. 125) Sob meu ponto de vista, este aspecto é um dos pontos nodais no nosso trabalho junto às (aos) nossas (os) usuárias (os). Não raro, olhamos para as famílias e indivíduos que atendemos como sujeitos que devem se submeter ao que planejamos para eles. Reforçamos a velha lógica assistencialista, na qual o sujeito atendido não é escutado, não é convidado a fazer parte como protagonista de sua vida que é, mas sim colocado no lugar de mero receptor de benesses. Esta constatação me acompanha tantas e tantas vezes, quer seja no meu cotidiano de trabalho quer seja nos espaços de discussão que frequento, que me pergunto: será que é só assim que conseguimos trabalhar? Como essa forma de atuação relaciona-se com nossa própria história de vida e com nossos preconceitos? E porque estamos escolhendo atuar como trabalhadoras (es) de uma política que prima por defender intransigentemente a cidadania como um direito? É urgente que respondamos a estas perguntas. Ao refletir sobre isso, salta aos meus olhos o quão contraditórios temos sido se na teoria defendemos a política de Assistência Social como um direito, mas na prática agimos ancorados na lógica da concessão que nos transporta para um lugar de poder sobre vidas que não são as nossas. Em que nos interessa ter poder sobre a vida de outra pessoa? E de que poder estamos falando? Em sua pesquisa, Silva (2014) se deparou com alguns usuários do SUAS que afirmaram não saber nada sobre cidadania ou sobre sujeito de direitos. Isso reforça ainda mais minhas indagações sobre a contradição que expus acima. Defendemos uma política de direito, mas deixamos passivamente que a (o) usuária (o) nem saiba o que isso significa. E assim, as desigualdades vão se solidificando, com o nosso aval. Eu, trabalhadora e detentora da informação, defino e a (o) usuária (o) executa, “adere”. É urgente que pensemos a esse respeito. Precisamos nos incomodar com isso. Sair do lugar cômodo de quem detém o poder sobre o outro, de quem diz tranquilamente que as famílias não “aderem”. Essa é tarefa que nos está posta: É tarefa primordial da Política de Assistência Social a superação dessa dimensão com caráter clientelista para se afirmar como política que possibilite a construção de direitos, contando com o protagonismo dos sujeitos por ela atendidos. Os elementos conservadores e autoritários, constituintes da formação social brasileira, revelam o quanto a hegemonia das classes dominantes exerce a reprodução das formas de dominação das classes subalternas no país. (SILVA, 2014, p. 145) Eis o nosso desafio. Ao invés de dizermos que nossas (os) usuárias (os) não aderem, é fundamental que reflitamos sobre os embasamentos de nossa atuação. Temos observado e avaliado as políticas setoriais do nosso município, analisando o quão alinhadas elas estão entre si e com as necessidades e demandas dos cidadãos? Temos provocado espaços de diálogo com nossas (os) usuárias (os), nos quais elas (es) possam se sentir à vontade para se expressarem, por meio do estabelecimento

#03 Princípios éticos para os trabalhadores da assistência social

Vamos para mais um texto da nova série do BPS. Se você não sabe do que se trata Desafio do diferencial científico-profissional no SUAS , recomendo a leitura dos textos referentes aos desafios anteriores: Desafio #01 – Conceitos para qualificar o Trabalho Social com Famílias Desafio #2 – Referência e contrarreferência na Assistência Social Neste pequeno trecho de um diálogo, carregado de equívocos, poderíamos tê-lo como mote para discutir vários assuntos como: violência institucional; posicionamento ético político; capacitação ou de forma mais ampla, a educação permanente no SUAS; seguranças afiançadas; benefícios no âmbito do SUAS; Política de Segurança Alimentar e Nutricional; preconceitos contra os usuários do SUAS; princípios éticos da Assistência Social – este escolhido como motivo deste texto, dentre outras possibilidades. Percebe-se, portanto, o quão rico podem ser nossas discussões e reflexões quando paramos para analisar e avaliar a prática à luz dos marcos orientativos e das teorias das várias disciplinas que norteiam os fazeres na Assistência Social. Se o exemplo te trouxe espanto, ótimo. Mas se te trouxe espanto e uma sensação de Déjà vu, saiba que iguais a você tem mais um tanto (infelizmente, recebi vários comentários que reforçam o quão recorrente é esse tipo de intervenção e relação violenta com usuário). Diante do exposto, espero que esteja claro para vocês (eu também preciso continuar convencida) quanto as razões que me levam a provocar essas reflexões a partir de fragmentos tão rotineiros, porém não vistos, pelo menos de forma tão explicita e direta, em outros campos de debates. Eu defendo que temos que ir para o diálogo sempre enfrentando as sombras dos deslizes rotineiros, que podem acontecer com qualquer um e nós. Por isso, entendo que este tipo de seção aqui no blog não tem a missão de revelar os malfeitos no SUAS, mas a de levar a/o profissional à órbita da práxis. Princípios éticos da e na Assistência Social Quando o profissional está no SUAS, independente da forma como se deu sua inserção na composição da equipe ou na gestão, ele deve ser signatário dos princípios éticos que regem essa política, mas sobretudo, ancorar-se nos fundamentos e códigos de ética da sua profissão.  Como mostra o exemplo, a rotina e o excesso daquilo que nos escapa, considerando a incompletude da política e a nossa possibilidade de resposta, são campo fértil para desumanizar nossa prática. Aliás, não gosto muito da ideia de Humanização de atendimento ou de uma política, como é no SUS. Pode ser assunto para um próximo texto! Portanto, pode parecer inelutável a ocorrência de violência institucional ou práticas que ferem os princípios e códigos de ética. Contudo, não cabe justificativa quanto a violação do Código de Ética. Sendo que a mesma é passível de processos disciplinares éticos, nas profissões regulamentas que compõem o SUAS. O exemplo do desafio #03 é para erguermos os princípios éticos da Política Nacional de Assistência Social – PNAS (2004) e NOB-SUAS (2012) e aqueles especialmente atribuídos aos trabalhadores pela Norma Operacional Básica – NOB-RH-SUAS (2006). Cabe ressaltar que nenhum interlocutor com o desafio nas redes sociais, citou os princípios éticos para os trabalhadores do SUAS e não citaram violação do código de ética profissional.  Minha hipótese tem a ver com o receio de exposição sobre esses temas espinhosos e que de tão recorrentes, já escaparam da pauta de discussões/reuniões. Banalização? Aceitação? Resignação? Para obter respostas, o convite é retomar à base da práxis. Como as interlocutoras do desafio citaram os princípios organizativos e não os princípios éticos, eu acredito ser relevante inseri-los aqui também para que possamos diferenciá-los. Obviamente que os princípios democráticos são guiados por concepções éticas, as quais serão desdobradas nos documentos seguintes (veja quadro completo aqui). É importante pontuar que ao longo das normativas, os princípios éticos foram evoluindo e ganhando destaque, como pode ser conferido na redação mais robusta da NOB-SUAS de 2012. Princípios éticos NOB-RH-SUAS 2006 NOB-SUAS 2012 – Art. 6º 1. A Assistência Social deve ofertar seus serviços com o conhecimento e compromisso ético e político de profissionais que operam técnicas e procedimentos impulsionadores das potencialidades e da emancipação de seus usuários;    2. Os princípios éticos das respectivas profissões deverão ser considerados ao se elaborar, implantar e implementar padrões, rotinas e protocolos específicos, para normatizar e regulamentar a atuação profissional por tipo de serviço socioassistencial.   3. São princípios éticos que orientam a intervenção dos profissionais da área de assistência social:   a) Defesa intransigente dos direitos socioassistenciais;   b) Compromisso em ofertar serviços, programas, projetos e benefícios de qualidade que garantam a oportunidade de convívio para o fortalecimento de laços familiares e sociais;    c) Promoção aos usuários do acesso a informação, garantindo conhecer o nome e a credencial de quem os atende;   d) Proteção à privacidade dos usuários, observado o sigilo profissional, preservando sua privacidade e opção e resgatando sua historia de vida;    e) Compromisso em garantir atenção profissional direcionada para construção de projetos pessoais e sociais para autonomia e sustentabilidade;   f) Reconhecimento do direito dos usuários a ter acesso a benefícios e renda e a programas de oportunidades para inserção profissional e social;   g) Incentivo aos usuários para que estes exerçam seu direito de participar de fóruns, conselhos, movimentos sociais e cooperativas populares de produção;   h) Garantia do acesso da população a política de assistência social sem discriminação de qualquer natureza (gênero, raça/etnia, credo, orientação sexual, classe social, ou outras), resguardados os critérios de elegibilidade dos diferentes programas, projetos, serviços e benefícios;   i) Devolução das informações colhidas nos estudos e pesquisas aos usuários, no sentido de que estes possam usá-las para o fortalecimento de seus interesses;    j) Contribuição para a criação de mecanismos que venham desburocratizar a relação com os usuários, no sentido de agilizar e melhorar os serviços prestados. I – defesa incondicional da liberdade, da dignidade da pessoa humana, da privacidade, da cidadania, da integridade física, moral e psicológica e dos direitos socioassistenciais;   II – defesa do protagonismo e da autonomia dos usuários e a recusa de práticas

Atendimento psicossocial ou interdisciplinaridade na assistência social?

Quando iniciei, em 2009, meu trabalho no CRAS eu fui orientada que os atendimentos eram psicossociais. Eu achei ótimo, uma vez que eu já conhecia a abordagem psicossocial. Mas com o passar do tempo e com o desenvolvimento da minha capacidade de observação e análise do que se fazia nos serviços e principalmente o estranhamento quanto ao sentido que as pessoas davam ao termo psicossocial, eu descobri que algo estava equivocado. A ideia de que o atendimento é psicossocial nos serviços (PAIF, PAEFI e nos demais serviços da Assistência Social) foi propagado como atividade conjunta da psicóloga com a assistente social – Escreva o primeiro comentário quem nunca pensou assim ou ouviu tal afirmativa em reuniões com gestores, coordenadores, em atividades oficiais ou bastidores em congressos, seminários e teleconferências do MDS. Para escrever este texto percorri todos os principais cadernos oficiais de orientações técnicas e não encontrei o termo psicossocial como é entendido nos serviços da Assistência Social. Então por que esse conceito ganhou tanta força? Talvez porque para as assistentes sociais estava marcado que o trabalho era conjunto com o profissional de psicologia, enquanto que para a psicóloga era o argumento que desbancava qualquer proposta terapêutica/psicológica. Para os gestores/coordenadores pode ter sido a maneira mais fácil de entender e passar a ideia do trabalho coletivo nos serviços aos membros das equipes. Minha análise direciona para a proposição de que o “psicossocial” passou, equivocamente, a assumir um lugar que deveria ser o da defesa do trabalho interdisciplinar. Interdisciplinariadade no SUAS é tomada como diretriz para toda metodologia de trabalho adotada, ou seja, é prevista como base para o desenvolvimento dos processos de trabalho com as famílias e com o território. Como o atendimento na Assistência pode ser psicossocial (como proposta de intervenção de duas profissões) se as equipes dos serviços são compostas por múltiplas profissões? Como juntaremos os profissionais da Pedagogia, da Terapia ocupacional, do Direito, da Sociologia, da Antropologia e dos demais previstos na Resolução nº 17 de 2011? A resposta é o campo da interdisciplinaridade – Veja o tabela interdisciplinaridade- psicossocial –  porque este é o preceito para a atuação técnica nos serviços, no trabalho social com famílias. É este termo que encontramos nas principiais normativas técnicas dos serviços que compõem a rede socioassistencial. Mas porque ele não viralizou como o psicossocial? Será por que os serviços foram implantados com a presença mais numerosa dos profissionais das categorias do Serviço Social e Psicologia? Seria uma explicação muito simples e objetiva, por isso eu tenciono para a ideia de que a interdisciplinaridade é ainda campo desconhecido ou não praticado pelos profissionais, os quais estão atuando mais na lógica multidisciplinar. Considero relevante afirmar que atendimentos – ações particularizadas ou visitas domiciliares, em dupla não significa que o trabalho está sendo interdisciplinar. Bem como ao postular que o trabalho tem base na interdisciplinaridade não se está dizendo que a única maneira de fazê-lo é por meio da dupla. Escreva o segundo comentário quem nunca ouviu: “fulana é minha dupla” “eu amo a minha dupla”! Trabalho interdisciplinar requer, sobretudo, um rompimento de paradigma. Para exercer a interdisciplinaridade é preciso romper com a ideia de que os problemas podem ser subdivididos em categorias, onde para cada situação haveria um especialista. As situações de vulnerabilidades e riscos sociais são compostas por multidimensões e qualquer tentativa de dissecá-las para eleger qual parte pertence a um determinado conhecimento, quebra-se as interconexões e as complexidades que as constituem. Família, território, violência, institucionalização, são temas complexos e para questões complexas, respostas complexas. Tendo compreendido que o termo psicossocial está sendo usado de forma deslocada e esvaziada, espero ter contribuído para que você abra essa roda e deixe chegar os demais saberes. No próximo texto apresentarei o conceito psicossocial como abordagem metodológica, tendo como campo teórico a psicologia social e comunitária, além de referenciar alguns livros sobre a intervenção psicossocial. Instagram do Blog: @psicologianosuas Facebook: Blog Psicologia no SUAS Acesse o Texto II: Abordagem psicossocial e a práxis na Assistência Social

Violação de Direitos no âmbito do SUAS: E os autores de violência, onde cabem?

Por Lívia de Paula* No mês de maio deste ano, discutimos aqui neste espaço algumas questões concernentes ao nosso fazer enquanto trabalhadores do SUAS frente às situações de violência sexual infanto-juvenil – Leia aqui ⇒Violência Sexual Infanto-Juvenil no SUAS: das demandas de urgência ao “urgente” repensar do nosso fazer Apontamos a cautela que se faz necessária no trabalho de acompanhamento de tais situações, especialmente no que diz respeito às solicitações de averiguação da veracidade dos fatos relatados pelas famílias e indivíduos por nós atendidos.  Também mencionamos que a urgência de punição dos autores das violações, algo que é assunto bastante comum nos corredores dos equipamentos da Proteção Social Especial – PSE, não necessariamente conduz a um processo de responsabilização dos mesmos. Partindo destes dois aspectos, tentaremos hoje pensar um pouco a respeito do lugar que as pessoas autoras de violência têm ocupado em nossas concepções sobre a Política de Assistência Social e em nossa prática nos serviços. Cremos que esta reflexão é um convite importante para os profissionais da PSE, mas que também se revela agregador para aqueles que atuam na Proteção Social Básica – PSB. O documento “Orientações Técnicas: Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS”, publicado em 2011, pelo Ministério do Desenvolvimento Social – MDS, deixa claro, em vários trechos, que o papel dos técnicos deste equipamento não deve ser confundido com o papel das equipes dos órgãos de defesa e responsabilização. O SUAS não pode configurar-se como um espaço de apuração de denúncias de violação de direitos. Sendo assim, as ações investigativas em relação aos autores de violência não compõem nossas atribuições. Sabemos disso e sabemos também da nossa luta incansável para que este entendimento chegue aos mais diversos órgãos com os quais nos relacionamos, especialmente a órgãos como: Conselhos Tutelares, Ministério Público, Delegacias, Poder Judiciário, entre outros. Estando claro que os equipamentos da Assistência Social não devem se constituir enquanto espaços de averiguação e muito menos de punição dos autores das violações, fica a pergunta: Isso significa dizer, então, que essas pessoas não cabem no SUAS? No que tange ao nosso trabalho de prevenção, proteção e defesa de direitos, não há lugar para eles? Até o momento, me parece que não temos nos dedicado a pensar sobre isso. Sempre que tratamos do tema, os relatos de experiências de trabalho, nos serviços da Política de Assistência Social, envolvendo autores de violência é escasso. Se pensarmos nas violações contra idosos ou contra mulheres, ainda encontramos algumas tímidas narrativas. Mas se adentrarmos na especificidade das violências de cunho sexual, provavelmente será difícil encontrarmos notícias sobre este tipo de prática. Aproveito, então, para convidar vocês, leitores do Blog, a nos contar caso conheçam alguma prática, na esfera do SUAS, que tenha este foco. E quais os motivos de estarmos tão focados nas vítimas, relegando o cuidado aos autores de violência à invisibilidade? Não fazem eles parte das famílias que acompanhamos? Creio ser bastante pertinente refletirmos sobre estes pontos se estivermos de fato comprometidos com o enfrentamento das situações de violência, qualquer que a sua tipologia (violência contra a mulher, violência infantojuvenil, violência de gênero, entre outras). Entendendo que este é um tema que nos desafia, considero primordial, para esta reflexão, começarmos pensando sobre nossa visão a respeito da relação vítima-agressor, buscando identificar nossos valores e possíveis preconceitos. Através de tal identificação, será possível deixarmos de lado interpretações pré-concebidas que podem representar empecilhos para uma prática que se efetive realmente engajada com a ruptura dos ciclos de violência nos contextos familiar e comunitário dos usuários que atendemos. Além desse aspecto pessoal, é essencial considerarmos a possibilidade de não estarmos devidamente qualificados para a atuação junto a este público. Não há como negar que esta é uma prática que pode nos tirar da nossa zona de conforto, convocando-nos à reinvenção de nosso modo de trabalho. Entendemos que não é tarefa simples pensar em trazer os autores de violência para a “roda” do SUAS. Mas quando pensamos em desistir diante do quão árdua se faz a proposta, surgem dois questionamentos que nos convocam a encarar a empreitada: O que estamos dizendo quando deixamos de compreender a experiência da violação também pelo viés do seu autor? Quais as implicações da invisibilidade do cuidado aos autores de violência no âmbito do SUAS para nosso propósito de ruptura dos ciclos de violações, nas famílias e territórios acompanhados por nossos equipamentos? A meu ver, ainda se faz distante vislumbrarmos algum avanço no que concerne a esta temática. As possibilidades e caminhos ainda nos parecem imensamente obscuros. Mas espero que este texto possa nos despertar para esta questão, tão esquecida em nosso dia a dia de trabalho. Para nos inspirar um pouco mais, compartilho duas instituições que atuam desenvolvendo projetos relacionados à prevenção e enfrentamento das situações de violência, nos quais também são foco os autores dessas situações: o Instituto Noos (Rio de Janeiro) e o Instituto Albam (Belo Horizonte). Acessem os sites, conheçam o trabalho por eles desenvolvido. Quem sabe algum de nós não será inovador em alguma iniciativa parecida na esfera da Política de Assistência Social? Referências Bibliográficas: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Orientações Técnicas: Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS. Brasília, 2011. Imagem inserida pela Editora do Blog: “Judite decapitando Holofernes” de Artemisia Gentileschi. Disponível em:http://www.bbc.com/portuguese/geral-38594660 acessado em 07/09/2017. Veja como citar este texto:  ⇒Download do Texto em pdf: Violação de Direitos no âmbito do SUAS: E os autores da violência, onde cabem? Por Lívia de Paula —*Lívia de Paula é Psicóloga do CREAS de Itaúna/MG e colabora mensalmente com o Blog Psicologia no SUAS. Para ler os demais textos da Lívia: Clique aqui  

“Cadê o pessoal dos direitos humanos? ” Está no SUAS!

Por Tatiana Borges* Nestes tempos em que o óbvio precisa ser dito, tenho sentido a necessidade de provocar uma reflexão sobre os direitos humanos e a política de assistência social, sem, é claro, qualquer pretensão de esgotar um tema de tamanha complexidade e que na realidade nem me parece tão óbvio assim. O fato é que muito se tem dito de direitos humanos, no senso comum, na parcela retrógada da sociedade e nas redes sociais o termo aparece de forma pejorativa, carregado de distorções, mas e em nosso meio, entre nós profissionais das áreas humanas, técnicas/os do Sistema Único de Assistência Social – SUAS, como estas questões têm sido difundidas? Trabalhamos com uma política que visa garantir direitos e como falamos de direitos para os nossos usuários e usuárias? Direitos sociais e civis estão descolados dos direitos humanos? Vislumbramos a assistência social como direito? Estamos mesmo falando em direitos? Este texto é um convite para pensarmos nestas indagações e começo deixando claro que, a meu ver, o nosso lugar de fala não nos permite a acomodação do senso comum, tampouco a repetição das falácias que têm sido ressaltadas por aí como, por exemplo: “direitos humanos para humanos direitos”, “direitos humanos só serve para bandidos”…, mas, por que não podemos reproduzir o que todos falam? Primeiro por que falar em direitos humanos na contemporaneidade significa falar em direito de ser pessoa, de se constituir como gente, sem desassociar uma classe de pessoas de outra classe, como se uma classe de pessoas fosse ‘do bem’ e considerada portadora de direitos e a outra classe, ‘a do mal’, não tivesse dignidade. Desta forma, toda pessoa, por ser humana, deve contar com os direitos humanos, que na verdade são um conjunto de direitos. Nas palavras de Hanna Arendt “temos direito a ter direitos” e isso nos remete aos princípios da igualdade e equidade e ao pressuposto constitucional de que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (art. 5º). Segundo por que não existe divergência entre a defesa dos direitos humanos e o combate à criminalidade, muito pelo contrário, é justamente por se incomodar com a criminalidade que se defendem direitos, dentre eles o da segurança pública. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 3º) diz que: “Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”, veja só os direitos humanos se associa à segurança, portanto não são coisas destoantes.  A despeito da imensa literatura sobre direitos, o texto de Ramon Kayo “Ninguém é a favor de bandidos, é você que não entendeu nada” aborda esta questão da infeliz associação de direitos humanos com ‘defesa de bandido’ de uma forma bem didática, recomendo a leitura e destaco o trecho que evidencia que não é infringindo os direitos humanos que se diminui o número de marginais: “É confuso que o cidadão que clama tanto por justiça, que a lei seja cumprida, fique ávido para descumpri-la: tortura, homicídio e ameaça são crimes, mesmo que sejam contra um condenado. Então, não, bandido não tem que morrer, porque isso te tornaria tão marginal quanto (…) ninguém quer que os bandidos sejam especiais: o que o ‘povinho dos Direitos Humano’ quer é que a sociedade não crie mais marginais e que a quantidade dos existentes diminua” Assim, é por acreditar que a negação de direitos básicos traz consequências que afetam a vida de todas as pessoas e por saber que o modo como nos relacionamos em sociedade possui raízes na estrutura social, econômica, política e cultural do país e do mundo que se defendem direitos, individuais e coletivos, a todos e a quem deles necessitar.  Efetivamente, não pretendo aprofundar neste espaço o debate sobre criminalidade, mas considero imprescindível conectar as demandas de nosso trabalho no SUAS, sobretudo as demandas dos usuários que atendemos, à realidade social mais ampla e esta realidade inclui o debate sobre os direitos humanos, direitos estes construídos historicamente com a influência internacional e que são entendidos como uma unidade indivisível, interdependente, inter-relacionada e de alcance universal.  Os direitos humanos no SUAS Além do fato da assistência social ter como uma de suas funções a defesa e garantia dos direitos, a afirmação que nós, trabalhadoras/es do SUAS, somos ou deveríamos ser defensoras/es de direitos humanos faz sentido se atentarmos para a própria Política Nacional de Assistência Social – PNAS 2004 que coloca o SUAS como um dos sistemas que defende e promove direitos humanos: “São princípios organizativos do SUAS: articulação interinstitucional entre competências e ações com os demais sistemas de defesa de direitos humanos, em específico com aqueles de defesa de direitos de crianças, adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, mulheres, negros e outras minorias; de proteção às vítimas de exploração e violência; e a adolescentes ameaçados de morte; de promoção do direito de convivência familiar; ” (p 88). “A atenção às famílias tem por perspectiva fazer avançar o caráter preventivo de proteção social, de modo a fortalecer laços e vínculos sociais de pertencimento entre seus membros e indivíduos, para que suas capacidades e qualidade de vida levem à concretização de direitos humanos e sociais” (p 90).  Na NOB SUAS 2012 também aparece a defesa da dignidade da pessoa humana, como princípio ético para a oferta da proteção socioassistencial no SUAS. Defender a dignidade da pessoa humana é defender direitos humanos, o que inclui a defesa incondicional da liberdade, da privacidade, da cidadania, da integridade física, moral e psicológica. (Art. 6º). Ao analisar as categorias profissionais que compõem o SUAS a ligação com os direitos humanos é revelada em praticamente todos os códigos de ética que disciplinam as áreas de saber integrantes deste sistema: Assistente Social: “Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo”. (Princípios Fundamentais). Psicóloga/o: “O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. ” (Princípios Fundamentais). Advogada/o: “O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado Democrático de Direito, dos