Mulheres que chegam ao SUAS: que histórias elas podem contar?
Por Lívia de Paula* Nossa história tem meninas, e meninas também contam nossa história. É impossível compreender o Brasil sem a insistência de compreender suas meninas. Porque entre nós ser menina ainda constitui uma desvantagem social e, sendo pobre, uma exclusão social. -Marlene Vaz- Dia 08 de março: Dia Internacional da Mulher. Em virtude desta data, o mês de março assume em diversos segmentos sociais, inclusive nas políticas públicas, um caráter de celebração e mobilização diante das questões relativas ao feminino. A publicidade comercial foca seus esforços no incentivo ao consumo, a indústria da beleza vende a importância de estar sempre bela e atraente, os serviços de saúde oferecem exames preventivos, orientações e consultas específicas. O SUAS também se mobiliza. Lembro-me que, no ano passado, o Blog Psicologia no SUAS realizou um Hangout com o intuito de discutir quais estavam sendo as práticas propostas na política de assistência social dos municípios para marcar esta data. Muitas foram as críticas feitas por nossa editora Rozana às atividades já banalizadas nos equipamentos, como o famoso “Dia da Beleza”, por exemplo. Seus questionamentos diziam respeito a quais estereótipos estamos reforçando quando reduzimos nossas ações a proporcionar um corte de cabelo, um alisamento dos fios e uma maquiagem.[i] Ao me propor a escrita deste texto, me vi pensando: “Será que conseguimos avançar em alguma coisa no que tange a esta temática?” Meu convite para você, leitor e colega do SUAS, é esse: vamos pensar juntos como temos atuado frente às questões do feminino? Comecemos pensando sobre a pluralidade escondida nessa história de ser mulher. O nosso “Dia da Beleza” contempla essa pluralidade? Usando uma das frases mais conhecidas de Freud: será que sabemos “afinal, o que querem as mulheres?” Será que sabemos de fato quem são essas mulheres que chegam até o SUAS? No nosso cotidiano de trabalho, estamos sempre falando sobre essas mulheres. Discutimos o lugar da mulher na sociedade contemporânea e as questões de poder imbricadas nas violações a que todas nós estamos sujeitas. Falamos de empoderamento e autonomia. Ao mesmo tempo, em nossa rotina prática, preenchemos nossos relatórios quantitativos e categorizamos: meninas vítimas de abuso sexual, adolescentes aliciadas por redes de exploração sexual, mulheres prostitutas, mulheres vítimas de violência doméstica…. Lidamos todos os dias com situações nas quais a vulnerabilidade, a fragilidade e os mais diversos tipos de violência fazem com que mulheres cheguem até nós “gritando por socorro.” No meu texto anterior[ii]: “Feliz Gestão Nova: o SUAS convida a uma Psicologia Neutra?”, defendi a ideia de que o SUAS convida, para o trabalho em seus equipamentos, profissionais que se posicionem em defesa dos direitos das minorias, dentre elas, as mulheres. Só uma defesa intransigente torna possível uma transformação nos ciclos de violação a que estão submetidas nossas usuárias. E é por isso que precisamos ocupar os espaços falando de violência, de identidade de gênero, de relações de poder alicerçadas em nossa cultura machista. Mas é também necessário nos atentarmos para uma possível armadilha que pode nos capturar no percurso desta tarefa. Esta armadilha surge quando, ancorados em nossos posicionamentos ideológicos, deixamos de estar em contato com a pessoa que estamos atendendo. Isso pode fazer com que criemos balizadores do que acreditamos “mais adequado” para a vida das usuárias. Algumas frases, comuns de serem ouvidas nos equipamentos, exemplificam o que exponho: “por que você não se separa deste companheiro?”, “ela precisava largar a prostituição e o uso das drogas”, “para quem não tem nada, aprender artesanato já seria uma fonte de renda”. Agindo assim, corremos o risco de simplesmente trocar uma forma de opressão por outra. Corremos o risco de criar um outro modelo idealizado de mulher. Será que nosso papel não seria trabalhar as situações de vulnerabilidade que envolvem as mulheres a partir das experiências de feminino que nos são apresentadas? Circula sempre pelas redes sociais, em diversas páginas que discutem as questões do feminino, uma frase bastante interessante: “Lugar de mulher é onde ela quiser.” Creio que não podemos nos esquecer disso. Se acreditamos que o patriarcado nos tirou a voz por tanto tempo e ainda hoje continua nos oprimindo, não é hora de escutarmos a voz das mulheres? Precisamos escutar principalmente aquilo que é difícil de ouvir. Aquilo que nos faz nos sentir impotentes. Aquilo que, por vezes, toma o sentido oposto do que acreditamos liberdade feminina. Segundo Torres, Nas situações, mais complexas, é preciso não apenas nos colocar no lugar do outro e entender o lado do outro, tentar sentir o que o outro sente – o que tange o conceito de empatia –, mas também conseguir se aproximar do fenômeno em questão. (TORRES, 2015)[iii] É necessário nos atentarmos para a experiência de cada mulher que acolhemos. Existe ali uma manifestação do feminino, que se revela singular e intransferível, que nos aproxima do fenômeno, que amplia nossa compreensão e que pode inclusive enriquecer nossas estratégias de enfrentamento no nível macro. O documento “Referências técnicas para atuação de psicólogas (os) em Programas de Atenção à Mulher em situação de Violência”, produzido pelo Conselho Federal de Psicologia, no ano de 2013, traz uma contribuição importante para esta questão, quando aborda o referencial da clínica ampliada. Segundo o documento: Um diferencial dessa clínica denominada ampliada é que a escuta realizada pelo profissional não se interessa apenas pela situação de violência, mas pela pessoa na sua integralidade, considerando todas as suas necessidades. (p.50) Apesar do documento não tratar do trabalho no SUAS, penso ser uma boa sugestão de leitura exatamente por possibilitar que ampliemos o nosso olhar sobre esta problemática. Ainda é urgente falar, e falar muito, sobre violência, exclusão e sobre as fragilidades e desvantagens de ser mulher em nossa cultura. Mas que possamos compreender as pessoas que acolhemos em sua integralidade, que possamos parar para escutá-las sobre aquilo que vivem. Por que ao invés de promover Dias da Beleza e do Artesanato, não fazemos de março um mês de Histórias, por exemplo? Por que não convidar essas mulheres para uma “costura” de vivências, na qual cada uma pode
Direção social, elaboração de relatórios e o trabalho na proteção social especial

Por Thaís Gomes* O trabalho na proteção social especial provoca múltiplas reflexões nos mais diversos âmbitos tais como as formas de se trabalhar, posturas a serem adotadas nas variadas situações cotidianas, a correta utilização do instrumental técnico-operativo de cada profissional no equipamento, a adequação do trabalho às regulamentações da política de assistência social, dentre outras. O cotidiano de trabalho traz a tona nossas visões de mundo, a forma que enxergamos cada realidade com que nos deparamos diariamente e que orientam nosso fazer profissional e os documentos emitidos a partir deste, o que exige certos cuidados. A proteção social especial trabalha com indivíduos e famílias em situações de violação de direitos tais como violência física/psicológica/ sexual (abuso e/ou exploração sexual)/, negligência, abandono, trabalho infantil dentre outras demandas. Atuar na PSE requer habilidades no trabalho social com as famílias, com o atendimento pautado no respeito à diversidade de arranjos familiares, à heterogeneidade, potencialidades, valores, crenças e identidade das famílias atendidas. De acordo com a PNAS, a realidade brasileira revela que existem muitas famílias com as mais diversas situações socioeconômicas que induzem à violação de direitos dos seus membros, além dos mais diversos arranjos familiares, considerando, nesse processo, família como conjunto de pessoas que se acham unidas por consanguíneos, afetivos e, ou, de solidariedade, entendendo, nessa perspectiva, que há uma infinidade de arranjos familiares. O trabalho na política de assistência social seja na proteção social básica ou especial, requer o que Cardoso (2008) chama de observação sensível, tendo em vista a aparência muitas vezes não representar a essência da situação apresentada e é através dela que temos a possibilidade de desvelar o real. A autora caracteriza a observação sensível como vivência, busca por percepções, memórias, sensações e sentimentos frente à realidade apresentada. Tem a qualidade de nos alertar para o sensível no relacionamento com os usuários. Essa abordagem nos sensibiliza para a empatia e o cuidado na escuta e registro dos atendimentos, para o acolhimento e o respeito ao usuário e sua história de vida, significa “estar interessado no que o outro tem a dizer”. A autora nos fala que ao observarmos um determinado fenômeno social atribuímos significado ao mesmo, e, através dessa observação, expressaremos em nossos registros os sentidos, as condições de vida, acesso as políticas sociais, a presença real de violação de direito e de que forma as pessoas reagem aquela realidade, e como os indivíduos se organizam para o enfrentamento diário dos desafios colocados pelo contexto social vivenciado. Em concordância com a PNAS, sabemos que o trabalho na proteção social especial se dá realizando uma estreita interface com o sistema de garantia de direitos (1), onde é necessária muitas vezes uma gestão mais complexa e compartilhada com o Poder Judiciário, Ministério Público, Conselhos Tutelares, bem como outros órgãos e ações do poder executivo, com envio de relatórios dos mais diversos tipos para colaborar na elucidação dos casos. Essa interface nos remete a seguinte reflexão: quando emitimos um documento a algum dos órgãos do sistema de garantia de direitos relatando situações de violações de direito que são demandas da PSE, estamos a serviço de quem? A quem está direcionado o nosso trabalho? Qual teor dos relatórios emitidos, eles apresentam um profissional comprometido com os direitos dos usuários ou com a instituição a qual representa/responde? Quais os valores que imprimo ao meu trabalho diariamente? Será nosso papel julgar/punir usuários? Nesses termos é necessário refletir sobre a direção social adotada em nosso fazer profissional. Cardoso (2008) sinaliza que o nosso lugar (e aqui trago para o lugar dos profissionais que atuam na PSE) é de humanizar o atendimento ao usuário, é de torná-lo um espaço de direito legítimo, socialmente justo. Isso se dá quando imprimimos em nosso fazer profissional uma identidade institucional de que aquele espaço no qual estamos inseridos, é um espaço de direito social, fruto de conquistas democráticas coletivamente organizadas, e que nossa ação expressa nos serviços assistenciais esta intenção política. E é com esta intenção que devemos pautar todo processo de trabalho, reforçando o nosso compromisso com os direitos do usuário. Cardoso (2008) nos fala que o significado social de nossa intervenção consiste justamente numa estratégia para o resgate dos direitos emancipatórios e inclusivos destes usuários dentro do processo de desenvolvimento social. Devemos, portanto nos ater ao cuidado na escrita dos relatórios enviados aos órgãos, utilizando um referencial técnico pautado nas regulamentações da política de assistência social, no referencial bibliográfico comum à temática e nas orientações ético-políticas profissionais e adequado aos objetivos propostos. O uso de discursos de senso comum, reproduzindo estigmas e preconceitos retratam um profissional despreparado para lidar com a complexidade da realidade social que permeia a vida dos usuários da política de assistência social, o que pode prejudicar potencialmente os usuários e ainda culpabilizar as famílias e/ou indivíduos. Cardoso (2008) enfoca ainda que a “adoção de conceitos marcadamente assistencialistas, pragmáticos e excludentes, [na elaboração dos relatórios] pode induzir a ações semelhantes, nos distanciando de compromissos essenciais que dão sentido à existência profissional”, dentro do equipamento da política de assistência social no qual estamos inseridos como é o nosso caso e isso independe da categoria profissional e se o trabalho é desenvolvido na PSB ou PSE. A autora nos demonstra ainda que devemos nos questionar se é objeto do serviço social ou de outra profissão que atue na política de assistência social, ser investigador da vida alheia, que emite julgamentos sobre comportamentos, modos de vidas das famílias ou se somos investigadores da realidade social em que estes estão inseridos, das afetações político-sociais que podem interferir na qualidade de vida das pessoas, no acesso a seus direitos fundamentais. No trabalho com famílias, por exemplo, quando da elaboração de relatórios, por vezes são utilizados termos como “ambiente nocivo”, “lar instável”, “desestrutura familiar”, “lar desestruturado” e tantos outros termos estigmatizantes , desse modo, devemos refletir sobre qual modelo de referência familiar estamos adotando como correto para considerar que este ou aquele modelo seja inadequado (2). Segundo Cardoso (2008) a linguagem adotada na elaboração dos relatórios revela os estigmas do profissional,
Oficinas, grupos e atividades no âmbito do SUAS
Por Aline Morais* Inicio aproveitando uma observação que expus em outro texto: Diálogos e perspectivas possíveis da Assistência Social com/e da Terapia Ocupacional quando citei sobre as discussões feitas por colegas acerca do uso de atividades e necessidade de que essas tenham objetivos, por exemplo, de que a oficina de artesanato “nunca pode ser feita sem uma parte socioeducativa” associada. Tal discussão, para os terapeutas ocupacionais está bastante contemplada, já que o ensino de atividades na formação do Terapeuta Ocupacional é central nos diferentes campos da profissão, e sempre permeada por um intuito. Como também já sinalizamos, é um mito pensar na atividade ou na aplicação de uma técnica que produz efeitos por si só, sem o recurso e direcionamento profissional competente. Partimos da visão de que a atividade humana é relacional, instaurando aprendizagens de si, do outro, de técnicas, instrumentos e territórios, facilitando novas experiências que aumentem a potência de ação e criação da existência (SILVA, POELLNITZ, 2015). O uso de atividades nos serviços de assistência social é um importante recurso (ou metodologia) de trabalho junto ao seu público. Ainda há um histórico de oferta de cursos profissionalizantes (tendo em vista estimular o empreendedorismo e saída da condição de dependente do poder público) e artesanato (para dar uma “ocupação”) aos sujeitos da assistência. Parece-me que a visão de que “é necessário se ter um objetivo” é recente em alguns núcleos do campo social. Esse raciocínio invertido confere um grande risco: o de que se construam objetivos e demandas para justificar a oferta de atividades que se têm disponíveis, sendo que o caminho deveria ser contrário: construir atividades a partir das demandas dos usuários (sempre!). A partir disso, vamos focar na discussão acerca das atividades, oficinas e grupos. Qual a diferença entre grupo e oficina? Segundo o dicionário online Michaelis, oficina é um lugar onde se exerce um ofício, um curso de curta duração que envolve um trabalho prático e partilha de experiências. Por grupo, define-se um conjunto de pessoas que forma um todo, conjunto de seres ou coisas previamente estabelecidos para fins específicos (MICHAELIS, 2017). Mediante este aporte, compreendemos que tanto os grupos como as oficinas podem ter os mesmos objetivos, contudo, sua metodologia e/ou recurso é diferente. As oficinas são um tipo de grupo, que está relacionado necessariamente ao fazer, à ação humana prática, promovendo aprendizagem e experimentação compartilhada, contando com um caráter ativo e dinâmico dos sujeitos (SILVA, 2007). Considerando as orientações técnicas sobre o PAIF (BRASIL, 2012), as oficinas com famílias são definidas como encontros previamente organizados, com objetivos de curto prazo (começo, meio e fim) a serem atingidos, conduzidos por profissionais de nível superior. Atuar com conjunto de famílias vem da compreensão de que as pessoas estão em constante interação com o outro, relacionando-se. Essas oficinas teriam o intuito de suscitar reflexões sobre um tema (nas áreas civis, políticos, sociais, culturais, econômicos, ambientais) de interesse da família. Em geral, contam com sete a quinze participantes. Objetiva-se desenvolver projetos coletivos e empoderamento da comunidade, conquista do protagonismo e da autonomia, podendo ser aberta ou fechada. Em tais orientações, os atendimentos coletivos (em grupo), além de oficinas com famílias, podem se caracterizar em acolhidas e ações comunitárias. Portanto, segundo as orientações técnicas, as oficinas são reconhecidas como uma modalidade de trabalho grupal, mas, não necessariamente ligada ao “fazer”, já que reconhece que a reflexão de um tema poderia ser feita. Porém, a reflexão seria um “fazer”? Uma atividade prática? Entendo que a oficina, ou a confecção de algo concreto traz a materialização dos conteúdos implícitos, que somente as palavras e o recurso verbal não seriam capazes de expressar e experimentar. Diante disso, partimos desse conceito de oficina, que necessariamente envolve o fazer algo concreto-prático. Em terapia ocupacional, há diversas formas de compreensão da atividade humana, entre elas (e aquela que acredito ser a que mais dialoga com a Assistência Social) é a de que a atividade se constitui em um “meio” para diversos fins, tais como a mediação de situações, experimentação, expressão, formação de vínculos, intermediação, socialização, produção de autonomia, e outros, a serem construídos junto à população alvo das ações de acordo com suas demandas (MALFITANO, 2005). O uso de atividades admite a realização de uma série potente de ações, que podem ser classificadas, compreendidas e aplicadas com diferentes objetivos, tais como: a) a partir de técnicas intrínsecas (marchetaria, mosaico, dança, culinária, entre outros); b) uso e produção do material, recurso ou equipamento (cerâmica, fotografia, origami, papel reciclado, blog, entre tantas outras); c) pelos campos de saber em que são classificadas (artística, cultural, literária, esportiva, lúdica, de lazer, entre outras); d) pelas propostas antecipadamente elaboradas com temáticas e objetivos preestabelecidos (debates sobre perspectiva de vida, informação a respeito do mundo do trabalho, processos educativos acerca da rede de proteção da infância e adolescência no município, entre outras); e) por serem ações cotidianas (usar o transporte público, estudar, alimentar-se, jogar futebol, entre outras); f) pelos diferentes sentidos e significados que os sujeitos em ação podem designar ou imprimir a partir de suas vivências pessoais, nesse caso, ainda que as propostas tenham indicações ou direcionamentos prévios, o interesse está na percepção individual que aquela determinada experiência proporcionou ao participante da ação (SILVA, 2012). Considerando as oficinas como um importante recurso para o trabalho social com famílias, vale destacar que aquelas que, de fato, promovem transformações, devem propiciar espaços de pertencimento ao sujeito, visando construir perspectivas de vida por meio de descobertas e capacitações das suas potências, que facilitem o autoconhecimento, a expressão de si, que dá sentido ao que somos (LIMA, 2004). Para tanto, volto à importância do recurso humano, especificamente do terapeuta ocupacional. Por mais que possa ser redundante para alguns, cabe enfatizar que o oficineiro tem uma função diferente do terapeuta ocupacional, pois ele tem o domínio da técnica (por exemplo, o músico que ensina o processo de composição de um rap, um artesão). O terapeuta ocupacional pode dominar a técnica, mas isso não é o essencial, tampouco imprescindível a este profissional. Ele deve ser
Feliz Gestão Nova: o SUAS convida a uma Psicologia neutra?
Por Lívia de Paula “Ano Novo, Vida Nova.” Para muitos de nós, trabalhadores do SUAS, essa frase poderia ser reescrita neste momento assim: Ano Novo, Gestão Nova. Vários municípios vivenciam neste início de mandato inúmeras mudanças que trazem consigo sentimentos por vezes contraditórios: esperança na renovação, medo das transformações e angústias frente às reconfigurações dos serviços. Para aqueles que chegam no campo da Assistência Social, os sentimentos podem ser outros: receio diante do novo, sensação de estar perdido diante do famoso “caí de paraquedas nesse trabalho”, sentimento de não pertencimento e a nossa velha conhecida crise de identidade profissional. Surgem vários questionamentos como: existe algum trabalho para Psicologia no SUAS? O que é ser psicóloga / psicólogo? E a mais famosa pergunta: o que farei eu, profissional da Psicologia, nesse espaço não clínico? Durante todo o mês de Janeiro, o Blog trouxe textos já publicados anteriormente que podem ser ferramentas importantes para nos auxiliar nesta etapa de transição. Se você ainda não leu, vale consultar esta Retrospectiva nos arquivos do Psicologia no SUAS. Terminei 2016 escrevendo sobre nossa atuação com famílias e tinha como pretensão continuar refletindo sobre este tema, mas o momento político dos municípios me convidou a “recalcular minha rota”. Preferi dar Feliz Ano Novo trazendo um tema polêmico, que divide opiniões, mas que considero imprescindível para quem atua no SUAS e nas demais políticas públicas: a questão da neutralidade profissional no contexto da Assistência Social. Você, profissional do SUAS, calouro ou veterano, já pensou sobre isto? O que é neutralidade? O que é ser neutro no âmbito das práticas sociais? Consultando o Dicionário Michaelis On-line[i], encontramos os seguintes sentidos para neutralidade: “condição daquele que se abstém de tomar partido; caráter ou qualidade do que é imparcial.” Já entre os sentidos para a palavra neutro, encontramos alguns bastantes interessantes: “que não apresenta clareza ou definição; indefinido, vago; desprovido de sensibilidade; indiferente, insensível.” Sendo estas as compreensões mais frequentes destas palavras, consultamos as diretrizes da Política de Assistência Social para encontrar apontamentos que orientam nossa atuação enquanto operadores da Política, buscando compreender como tais apontamentos se relacionam com o que nos indicam as palavras citadas. A NOB-RH/SUAS, em seus Princípios éticos para os trabalhadores da assistência social, começa dizendo o seguinte: “A Assistência Social deve ofertar seus serviços com o conhecimento e compromisso ético e político de profissionais que operam técnicas e procedimentos impulsionadores das potencialidades e da emancipação de seus usuários;” (p.19). Mais à frente, o documento coloca como um dos princípios éticos dos trabalhadores “a defesa intransigente dos direitos socioassistenciais”.[ii] Poderíamos elencar aqui várias outras orientações presentes nos documentos que regem o funcionamento do SUAS mas apenas estas já nos auxiliam muito na tarefa de problematizar o tema do nosso texto. Já sabemos que neutralidade e neutro são palavras que indicam o não posicionamento, uma certa indiferença, o que não está claro ou definido. E também já sabemos o que a Assistência Social exige de seus técnicos: somos profissionais impulsionadores de potencialidades e emancipação da população; somos profissionais de reconhecimento, defesa e garantia de direitos. É possível defender direitos sendo indiferente, vago e insensível? A compreensão mais comum de que a ciência deva ser neutra, produzindo conhecimento sobre determinado fenômeno sem se relacionar com ele é colocada em xeque no território das práticas sociais. Segundo Branco (1998), “a ciência psicológica, no estágio atual, exige pesquisa, extensão e ensino reflexivos, críticos e engajados.” Fica claro que não há neutralidade que caiba no SUAS. Não há para onde correr. O SUAS é um campo para quem se posiciona. É um campo para quem “enxerga” as vulnerabilidades e as fragilidades daqueles que, na maioria das vezes não tem vez e voz, em especial dos chamados grupos minoritários (negros, mulheres, crianças e adolescentes, população LGBT, pessoas com deficiência, entre outros). E como fazemos, nós da Psicologia, diante desta constatação? Nós que aprendemos tão bem a sermos neutros? Está posto o conflito e talvez a nossa grande crise ao adentrarmos o SUAS. Eu faço o que com aquela psicóloga ou psicólogo que ia ser? Aquela que ia ficar atrás da mesa ou ao lado do divã, sem precisar explicitar suas posições? Sugiro uma conversa honesta entre você e aquela pessoa que você se imaginava. Talvez você pode descobrir que o trabalho pautado na psicologia social não é bem a sua. Ou talvez não. Talvez você descubra que há outras formas de ser psicóloga ou psicólogo, nas quais o posicionamento é indispensável. E aí, colega, bem-vinda ao SUAS. No atual cenário político do país, no qual vemos ruir direitos todos os dias, estamos cada vez mais precisados de profissionais intransigentes na defesa e na luta por justiça social. Vamos refletir mais sobre Neutralidade e Psicologia? Os textos sugeridos falam sobre formação dos profissionais psicólogos e sobre nossa atuação no espaço clínico, mas podem auxiliar nos questionamentos sobre a prática da Psicologia em qualquer espaço: BRANCO, Maria Teresa Castelo. Que profissional queremos formar? http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141498931998000300005&script=sci_arttext SAMPAIO, Mariana Miranda Autran. Neutralidade na relação terapêutica – reflexões a partir da abordagem gestáltica. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672004000100005 MARIANO, Anna Paula Rodrigues. A questão da neutralidade do psicoterapeuta.http://www.espacocuidar.com.br/pt/a-quest%C3%A3o-da-neutralidade-do-psicoterapeuta/ Cabe ainda uma última reflexão que pode contribuir para que você queira estar conosco na empreitada do SUAS. Para dar conta desta tarefa de defesa de direitos não podemos trabalhar isolados. Na última reunião da Comissão das Psicólogas (os) do SUAS da Subsede Centro Oeste do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais, l Assistência Social exige participação e discussão coletiva. Se você está chegando agora ou já é velho de casa não importa. Pense na sua participação. Ela é uma das formas de nos ajudar na construção da nossa identidade enquanto trabalhadores. Há muitas maneiras de se apropriar, de dividir angústias pertinentes às nossas tarefas, de se informar, de contribuir para o fortalecimento da política: procure os fóruns de trabalhadores estaduais ou municipais, os conselhos de direitos da sua cidade, os grupos de discussão, estudo e trabalho, os grupos das redes sociais, enfim… Posso dizer sem medo que existe uma Psicologia possível
07 anos do Blog Psicologia no SUAS (concurso cultural)

Ola! No mês de Fevereiro o Blog completa 07 anos de sua criação! Como o Blog recebeu de presente dois livros da colaboradora do Blog, Thaís Gomes, decidi comemorar este marco com vocês realizando, como temos costume por aqui, um Concurso cultural bem fácil e rápido na página do facebook. Clique na imagem abaixo e responda a pergunta: Também é válido responder na postagem direta da página CLIQUE AQUI PRÊMIO: As respostas mais curtidas serão as vencedoras e ganharão um desses livros: Agradeço muito a companhia de cada um aqui! Você que está desde o início ou você que chegou agora tem uma importante contribuição para a manutenção e continuidade deste espaço! Gratidão a Thaís pelos presentes e aproveito para agradecer as colaboradoras do Blog que vieram somar e enriquecer as trocas e reflexões. Um abraço carinhoso em cada uma/u de vocês que passam por aqui, comentam e que ajudam compartilhando este Blog para milhares de pessoas através da fan page! Que venham mais 07 anos! <3
Conferências de Assistência Social nos municípios, estados e DF 2017

Divulgando o calendário das Conferências de Assistência Social de 2017! É tempo de se organizar para não realizar a conferência na última hora e correr o risco de cumprir meros protocolos! #AvanteSUAS “Em 2017 ocorrerá o processo de Conferências de Assistência Social, que terá como tema “Garantia de direitos no fortalecimento do SUAS”, para isso, o Conselho Nacional de Assistência Social aprovou a Resolução nº 23/2016 publicada no Diário Oficial da União no dia 23 de dezembro do ano passado. Na normativa consta o cronograma para realização das Conferências Municipais, Estaduais e do Distrito Federal da Assistência Social, além de outras normas para realização das Conferências de Assistência Social. … Leia na íntegra no site CNAS Baixar Resolução nº 23/2016, clique aqui VEJA OS INFORMES CNAS: (Clique na imagem par acessar o Post) #Participação #ControleSocial
Grupo de Estudos online – Primeira turma de 2017
Leia atentamente as orientações antes de realizar sua inscrição Objetivos do GERE · Promover a leitura reflexiva e a análise crítica acerca dos objetivos e diretrizes da Política Nacional de Assistência Social e dos serviços ofertados pelo SUAS, e de demais Políticas Nacionais de área afins; · Facilitar a interação e troca de experiências entre diversos profissionais que atuam no SUAS em diferentes regiões do País; · Colaborar nos estudos de profissionais interessados em concursos públicos na área de Assistência Social; IMPORTANTE: É bom ressaltar que o GERE não é um curso, mas uma proposta de estudos online, onde o mesmo só funciona a partir da leitura dos materiais propostos para que sejam realizadas as discussões e proposições acerca dos mesmos em conexão com a realidade do trabalho. Também não é uma supervisão técnica! Público Alvo · O Grupo de estudos é destinado a todos os profissionais que atuam no SUAS Como irá funcionar o Grupo? · Composição: As 10 vagas serão organizadas em dois grupos – por que dividir? o Identificamos que acima de 5 pessoas as transmissões falham muito; o O tempo ficará melhor distribuído, garantindo que todos falem e discutam o texto; · Duração prevista: 3 encontros com duração de 1h30 – ver cronograma abaixo · Modalidade online: Através de videoconferência em grupo pelo Skype ou Hangout – ao vivo · Horário: 19:00h (horário de Brasília) (O dia da semana dependerá de qual grupo você irá escolher – ver formulário de inscrição) · Metodologia: Leitura prévia, por todos os participantes, dos materiais a serem estudados para apresentação dos destaques e debate. Apresentação inicial do tema, coordenação de estudos para mediar e promover a fluidez dos estudos e ideias, além de analisar as principais questões do grupo. Será criado um Fórum exclusivo de Discussões para todos os participantes dos GERE no WhatsApp, onde os dois grupos estarão juntos podendo dialogar sobre a experiência. CRONOGRAMA DO GRUPO DE ESTUDOS E TEXTO PARA ESTUDOS: GRUPO Data/encontros Horário Texto de Estudo GERE 1 17/01 (Terça-feira) 19:00 h (horário de Brasília) Caderno de Orientações PAIF Vol. I 24/01 (Terça-feira) Caderno de Orientações PAIF Vol II 31/01 (Terça-feira) Texto ser escolhido pelos participantes nos primeiros encontros GRUPO Data/encontros Horário Texto de Estudo GERE 2 18/01 (Quarta-feira) 19:00 h (horário de Brasília) Caderno de Orientações PAIF Vol. I 25/01 (Quarta -feira) Caderno de Orientações PAIF Vol II 01/02 (Quarta -feira) Texto ser escolhido pelos participantes nos primeiros encontros Valor: R$ 100,00 (Cem reais por 3 encontros semanais de 1h30 cada) Inscrições: As inscrições começam no dia 08/12/2016 e ficarão abertas até fechar o número de vagas – 10. Pague com PagSeguro – é rápido, grátis e seguro! VOCÊ TAMBÉM PODE PAGAR PARCELADO NO CARTÃO DE CRÉDITO Caso você não queira pagar através do PagSeguro, pague através de depósito bancário: Banco Bradesco: Agência: 6461 Conta: 6779-2 EFETUAR O PAGAMENTO: Clique no botão abaixo “Pagseguro”- você será direcionado para a página de pagamento Sua inscrição só será confirmado após o pagamento – caso você não realize o pagamento, a sua vaga voltará a ficar disponível e outro interessado poderá realizar o pagamento, e assim concretizar a compra. Sua inscrição só será confirmado após o pagamento – caso você não realize o pagamento, a sua vaga voltará a ficar disponível e outro interessado poderá realizar o pagamento, e assim concretizar a compra. COMPROVAÇÃO DE PAGAMENTO PARA CONFIRMAÇÃO DE INSCRIÇÃO:Assim que você realiza o pagamento você recebe um comprovante da compra do serviço, basta você enviá-lo para (rozana@consuas.com.br) ou por WhatsApp (73) 8801-5079 (POR FAVOR, se identifique ao comunicar pelo WhatsApp). ATENÇÃO: Por se tratar de um Grupo de Estudos, o participante que não puder estar online no dia agendado da turma, perderá o encontro, não sendo possível repor devido ser uma proposta que envolve outras pessoas. Caso ocorra alguma impossibilidade para participar de todos os encontros, o dinheiro será devolvido na quantia de 80% devido os custos com o Pagseguro e desde que realizado aviso prévio até o dia 10 de Janeiro de 2017.
Feliz Natal e um feliz ano novo!
Olá pessoal, passando aqui rapidinho para desejar a vocês um feliz natal e um ano novo com muitas conquistas e muito trabalho. Que no próximo ano possamos ter ainda mais coragem para realizar os enfrentamos necessários e continuar acreditando na justiça social e na luta contra a desigualdade social! Muito mais SUAS pra todas/os nós! <3
Entre o pessimismo da razão e o otimismo da vontade: breves considerações sobre cultura política e trabalho na assistência social

Por Thaís Gomes* Chegou ao fim mais um período eleitoral e assim vão sendo desenhadas as plataformas políticas para os próximos quatro anos em nível municipal… É um período que traz muitas preocupações e incertezas para os trabalhadores da assistência social. Cortes de gastos, ameaça de demissão dos trabalhadores contratados, redução das equipes e dos benefícios, interrupções nos SCFV, são só alguns dos fatores que prejudicam potencialmente a oferta dos serviços socioassistenciais. Esse quadro demonstra como a cultura política local influencia a dinâmica da política de assistência social, principalmente em períodos eleitorais, onde é possível notar o quanto ainda é utilizada como meio de troca de favores entre políticos e eleitores, com predomínio de relações verticais com forte cunho clientelista, ainda que a atual configuração da política de assistência social proponha exatamente a ruptura com o ranço histórico do assistencialismo. Não é incomum ver vereadores “bondosamente”, isentos de interesses, acompanharem os usuários dos serviços nos CRAS por exemplo, para acesso a benefícios eventuais em ano de eleição municipal por exemplo. E se os traços da cultura política influenciam a dinâmica da política de assistência social, cumpre observar que afeta também o trabalho dos técnicos que atuam na ponta dos serviços. A incidência das práticas de mandonismo e coronelismo nos municípios influenciam os processos de trabalho e a oferta dos serviços na política de assistência social de um modo perverso ao permitirem também, para além do cenário citado anteriormente, a inserção de pessoas sem qualificação profissional e técnica para ocupar cargos de gestão/ coordenação nas secretarias de assistência social através dos cargos comissionados, pois ao não disporem dos requisitos para ocupar tais cargos, acabam reproduzindo dentro da lógica de trocas de favores e cabide de emprego, práticas assistencialistas que perpetuam a visão da política de assistência social como favor e não como direito, culminando num círculo vicioso que prejudica a oferta de serviços em consonância com as prerrogativas do SUAS, além de causar constrangimentos entre as equipes técnicas, usuários e gestores. Além disso, a grande incidência de contratações profissionais por contrato de trabalho por tempo determinado, RPA’s, comissionados, terceirizados e voluntários em detrimento da contratação via concurso público também configura uma questão delicada no debate da cultura política local, pois nos remete a pensar até que ponto as normativas existentes no arcabouço da política de assistência social, como a NOB-RH (Norma Operacional Básica de Recursos Humanos) têm força de lei, tendo em vista ser a contratação por concurso público o modo em que se atesta o conhecimento técnico do profissional para exercer determinada função, confere estabilidade profissional, além de ser parte fundamental no processo de construção de uma política pública de Estado e estar preconizado na configuração da política de assistência social. De acordo com Brisola e Silva (2014) a precarização das condições de contratação no âmbito do SUAS contribui também para a restrição dos direitos profissionais/ trabalhistas e para a descaracterização da assistência enquanto política pública estatal podendo ocasionar ainda mais retrocessos na efetivação dos direitos socioassistenciais. Outro ponto a ser destacado na trama de relações desenvolvidas por intermédio da cultura política local é a participação social dos profissionais nas instâncias de representação dos trabalhadores, sindicatos, conselhos de direito e de políticas e movimentos sociais. A precarização das condições de trabalho também é fator determinante no processo de despolitização das categorias profissionais e também da própria política de assistência social, que prevê a participação e o controle social por intermédio dos conselhos e conferências. Muitas vezes imersos na rotina de trabalho, em meio a tantas questões que se colocam, os profissionais não dispõe de tempo para discutir o trabalho desenvolvido, refletir sobre suas práticas, sobre as condições de trabalho, bem como participar ativamente das instâncias de controle social como o conselho municipal de assistência social por falta de tempo e estímulo e até mesmo por represálias (demissões, assédio moral, ameaças de violência, perseguições, etc) que possam sofrer advindas do órgão gestor da política ou do poder executivo, ou de ambos. Além da parca oferta de capacitações para as equipes técnicas, o que propiciaria um espaço privilegiado para trocas de experiências e debate sobre o cotidiano de trabalho. Importante sinalizar que enquanto profissionais precisamos estar atentos à dinâmica das relações sociais forjadas em nosso dia a dia, buscando entender a dinâmica social e econômica e seus rebatimentos em nosso espaço profissional, para que possamos adotar posturas que busquem romper com práticas burocráticas e conservadoras que ajudam a perpetuar práticas clientelistas e assistencialistas, traços da cultura política local, dentro da política de assistência social. E isto somente pode se concretizar através das discussões fomentadas pelas práticas profissionais e das estratégias de enfrentamento traçadas por quem faz o SUAS acontecer diariamente. O cenário que se mostra atualmente é de grandes retrocessos na política de assistência social em todos os níveis, nacional, estadual e municipal. No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, recentemente a Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos foi incorporada à Secretaria Estadual de Saúde, o que representa um enorme retrocesso ao unir as políticas de assistência social e saúde, destaque também para os importantes documentos de referência sobre o trabalho na política de assistência social elaborados pela SEASDH. A impressão que tenho é que estamos vivenciando um estado de apatia social e descredibilidade política em meio a conjuntura que se apresenta através dos noticiários (sérios e imparciais), redes sociais, diante de tantos bombardeios de estratégias dos governantes de todas as instâncias para dirimir direitos sociais conquistados. Mas não devemos/ podemos perder as esperanças pois em meio as crises é que surgem as possibilidades de mudança. Que em 2017 possamos coletivamente traçar estratégias para enfrentar o desmonte dos direitos sociais, que tenhamos coragem e ousadia para lutarmos pela política de assistência social e pela efetivação dos direitos, por melhores condições de trabalho no SUAS, por maior adesão e participação dos trabalhadores nos espaços de decisão, frentes de trabalho, grupos de discussão e reflexão do trabalho para juntos buscarmos uma alteração neste cenário de retrocessos posto. “(…) O
Estamos nos organizando em caixinhas e desorganizando as proteções ou nos organizando em proteções e desorganizando as caixinhas?

Por Tatiana Borges* “Comecei a pensar, que eu me organizando, posso desorganizar, que eu desorganizando, posso me organizar” Foi com esta frase de Chico Science e Nação Zumbi que terminei o texto de minha primeira participação aqui no Blog (Encontros e trocas profissionais: relato de uma experiência exitosa) e volto neste mesmo espaço com a inquietante reflexão do quanto que nós, profissionais do SUAS, temos que trabalhar na construção e desconstrução de práticas e posturas no dia a dia desta política, pois os nossos processos de trabalho se dão nos encontros, nas trocas e alianças que estabelecemos, seja com usuárias/os, com nossas/os colegas da mesma ou de outras categorias ou com nossas/os superiores nas estruturas institucionais. Justamente na reprodução das relações sociais é que vamos nos desorganizando e nos organizando enquanto atoras/es importantes de uma política pública, assim como o próprio SUAS que, para se organizar como sistema teve e tem que desorganizar e romper a cada dia com as formas tradicionais de se fazer a assistência social, formas estas incompatíveis com o processo democrático, com a igualdade e com a dignidade humana. Alguns anos de experiência na assistência social me evidenciaram a tendência natural que temos de nos organizarmos em caixinhas, ou seria desorganizarmos? Não sei. O que é possível observar é que esta característica para além de dar uma sensação de uma habitual zona de conforto, limita a prática profissional, a interdisciplinaridade, o trabalho coletivo e prejudica o conteúdo e o alcance dos serviços, programas, projetos, benefícios e transferência de renda no âmbito do SUAS. (Assunto muito bem tratado no último texto da Aline Moraes) As armadilhas das caixinhas possuem variadas formas e a maioria delas são bem conhecidas pelas/os trabalhadoras/es do SUAS, um exemplo é o aprisionamento por categorias de nível superior, onde é defendido atribuições exclusivas como: “visita domiciliar deve ser feita por assistente social” “é o psicólogo que tem habilidades para grupos” estas são algumas frases que costumamos a ouvir. Este tema já vem sendo tratado neste blog e, diga-se de passagem, com muita didática pela Rosana Fonseca, mas reforço que este pensamento em caixinha não prima pela partilha e nem pela produção de novos conhecimentos, tampouco prioriza as seguranças que a política deve garantir, mas sim a segurança de espaços profissionais e de vaga de trabalho que somados ao processo de alienação da divisão entre os que pensam e os que executam as ações, configuram-se em um dos inúmeros efeitos das contradições das relações de trabalho, que não pretendemos aprofundar aqui. (TORRES, 2014; RIZZOTTI, 2014) A compartimentalização a qual me refiro é ainda mais automática quando falamos em setores, áreas, unidades, núcleos, divisões administrativas, entre outros. No entanto, a provocação que trago é que o balizamento que estamos criando entre as proteções hierarquicamente definidas como básica e especial de média e alta complexidade pode também estar limitando a função central da política de assistência social que é a própria proteção social dos indivíduos e famílias e que para nós gestoras/es e trabalhadoras/es é, ou deveria ser, o objetivo em comum, pressupondo horizontalização e democratização de poderes e saberes. Ora, é sabido que as demandas e violações apresentadas pela população usuária dos serviços públicos de uma forma geral não serão respondidas unicamente por uma política pública, ou por um tipo de proteção, tampouco por um tipo exclusivo de trabalho técnico, ademais, “a proteção integral requer complementariedades na intervenção dos profissionais de diferentes serviços”, na assistência social, esta complementariedade se dá entre os serviços abrangidos pelas proteções sociais, a básica e a especial. (TORRES, 2014) Com certo tempo realizando o acompanhamento da política de assistência social nos municípios foi possível observar a grande necessidade que temos de identificar o que diferencia as proteções, muitas vezes na ânsia maior por demarcar espaços de atuação, uma frase comum que destaca bem esta afirmação é “se tem violação de direitos a proteção social especial de média complexidade que deve atender”, no entanto quando temos que ajuntar ações surge enormes dificuldades, como por exemplo, no reordenamento dos serviços de convivência e fortalecimentos de vínculos, na ocasião que foram criadas metas de atendimentos para as situações prioritárias que se configuram como proteção social especial, mas que devem ser atendidas no serviço da básica e que até hoje geram inúmeras dúvidas entre técnicas/os e gestoras/es, este processo daria assunto para vários outros posts. O que pretendo ressaltar aqui é que temos propensão em usar o que diferencia para limitar ou encaixotar e não para alargar, ou no caso, ampliar a proteção social. (TORRES e FERREIRA, 2016) Esta problematização tem sido realizada nos encontros ampliados do GECCATS (Grupo de Estudo e Capacitação Continuada das/os Trabalhadoras/es do SUAS) que mantemos na região de Franca/SP. Ao longo de 2016 debatemos os anseios relativos ao referenciamento e contrarreferenciamento entre CRAS e CREAS na perspectiva de superar a fragmentação e construir caminhos por intervenções conjuntas e partilhadas, sem desrespeitar as autonomias intelectuais. Abro aqui um parêntese para explicar que o GECCATS surgiu como uma iniciativa de um grupo de profissionais do estado, dos CRAS e órgãos gestores e se constituiu em um espaço de estudo e trocas de experiências para trabalhadoras/es de nível superior da proteção social básica, pois naquele momento (2009) o entendimento do papel do CRAS como porta de entrada do SUAS era premente. A complexidade das temáticas associadas à proteção social especial sempre foram tratadas em espaços separados deste grupo. Há algum tempo tem surgido fortemente a necessidade em transformar o GECCATS em um grupo de interproteções, com a expansão da participação para trabalhadoras/es da PSE de CREAS e órgãos gestores. A presença das queridas professoras Abigail Silvestre Torres e Stela da Silva Ferreira em um dos encontros reforçaram este caminho inadiável de aprimoramento e amadurecimento do grupo ao debater com as/os participantes as questões que suscito neste post e que nos inquietam e em certo ponto até nos assustam por nos tirar da caixinha. Assim todo o conteúdo deste texto tem como pano de fundo os meus registros e interpretações das colocações