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#02 Referência e contrarreferência na Assistência Social


Seguindo com a série Desafio do diferencial científico-profissional no SUAS onde o objetivo é revelar malfeitos em atendimentos no SUAS com provocação de diálogos para problematização e proposição de mudança de perspectiva para a profissionalização e o aprimoramento do Trabaalho Social com Famílias – TSF, trato hoje sobre referência e contrarreferência no desafio #2

Este texto é uma resposta ao desafio #2 lançado no Instagram do blog @psicologianosuas. Se você se interessar por esse modo de interação que culmina com texto-resposta, te convido a seguir o blog por lá, assim você poderá participar, respondendo e acompanhando as respostas dos colegas, quando eu disponibilizar os próximos desafios. 

No desafio proposto, a ideia foi desencadear uma discussão quanto ao processo de referência e contrarreferência e brevemente sobre acompanhamento familiar.

Devo alertar quem está chegando agora neste espaço: meus textos contêm forte teor do real do cotidiano da execução dos serviços e assim busco uma linguagem que transmita o que de fato tenciona as relações e práticas dos profissionais na Assistência Social. É um privilégio ter um canal de diálogo aberto há 09 anos, e oferecer serviços de supervisão e capacitação porque chegam até mim confissões daquilo que mascaram a realidade e as problemáticas, as quais eu nunca conheceria em outro contexto profissional ou acadêmico.

Portanto, meus objetivos aqui são discorrer sobre o caso problematizando o processo de referência e contrarreferência, sobre o acompanhamento familiar e principalmente, suscitar os imbróglios que permeiam
as práticas mais pautada em protocolos do que em articulação e processos.

Desafio #2 – acompanhamento pelo PAEFI (leia aqui)

No exemplo desafio, pode-se identificar que o PAEFI, ao permanecer com uma família em acompanhamento por um período de 1 ano e meio, e considerando a demanda atual da família, não conseguiu desempenhar com eficácia o processo de acompanhamento familiar dessa família, não elaborou o Plano de Acompanhamento Familiar – PAF e prestou atendimentos pontuais e fragmentados à família. O direcionamento dado no atendimento é reflexo do processo pontual do acompanhamento dessa família no CREAS, nota-se um desconhecimento quanto aos fluxos e situação atual da família.

Quando se trata de situação de violência deve-se considerar o princípio de celeridade, portanto, tendo sanado a situação de violência e trabalhado os principais objetivos do serviço especializado em questão, deve-se proceder com a contrarreferência da família à proteção social básica para a continuidade da proteção social e para ações de prevenção.

A contrarreferência, ainda, não é um processo sedimentado em muitas realidades. Os CREAS, com equipe mínima ou incompleta, falta de ação efetiva de gestão do trabalho, não tem conseguido realizar o trabalho social com famílias a contento, gerando assim acúmulo de famílias em atendimento, mas que não foram acompanhadas. Assim, as equipes não sabem quais famílias superaram, de fato, as situações de violência e não conseguem, assim, realizar a contrarreferência.

Quando o acompanhamento familiar é insatisfatório, a referência e contrarreferência tendem a não ocorrer ou ocorrem em momentos que não geram sentidos para a família;

Ações protocolares ou diálogo entre as equipes : provocações

As equipes de CREAS e CRAS (como entre outras unidades) tem encontrado inúmeras dificuldades de diálogos, impossibilitando um trabalho articulado. Na real (lembrem-se do meu alerta), há uma rivalidade entre as unidades (ouço gritos: é assim mesmo!!). Se comunicam, numa lógica da linearidade, do protocolar. Isso impede que as equipes se situem como parte de um mesmo sistema e que compreendam que a separação por níveis de proteção não pode ser considerada uma hierarquização do saber ou da relevância.

Sugiro a leitura do texto da Lívia de Paula, colaboradora do BPS que discorreu de forma leve e precisa a respeito da interação entre CRAS e CREAS: CRAS versus CREAS: que trabalho conjunto é esse? notem que o título contem a palavra versus! 😉

A qualidade do desenvolvimento do trabalho social com famílias – TSF depende também da efetividade da Gestão do Trabalho e da capacidade de articulação e integração da coordenação de unidade/serviços. Devo pontuar que já presenciei e ouvi de diferentes colegas, em regiões distintas, que a gestão privilegia ao CREAS quanto a composição das equipes. Os “menos capacitados” iriam para o CRAS! Lamento por quem já vivenciou isso, lamento mesmo, inclusive por mim! Como assim o trabalho da proteção básica pode ser feito por profissionais menos preparados? O desafio do TSF no âmbito da proteção social básica – PSB é enorme porque trabalhar com prevenção, proação e proteção, tudo ao mesmo tempo e pelos mesmos profissionais, exige maestria e formação, bem como capacitação, como a todo trabalhador da rede socioassistencial. Não raras vezes, vejo que quando há apontamento de falhas ou segregação ao invés de somar responsabilidades, há uma deficiência no trabalho da coordenação e/ou da gestão.

Então, à Gestão do Trabalho cabe fomentar a implantação ou implementação da Educação Permanente para dirimir processos equivocados que se instituem nas organizações como imbróglios à articulação entre os operadores e gestores da rede socioassistencial.

Referência e contrarreferência

Defendo que o processo de referência e contrarreferência não deve ser entendido e nem praticado como encaminhamento, este faz parte do processo, mas não o esgota. A conceituação destes dois termos traz à cena uma linearidade, considerando que referência é sempre uma solicitação de proteção remetida da proteção básica aos níveis de maior complexidade e contrarreferência é o caminho inverso.

Em 2009, no caderno de “Orientações Técnicas: Centro de Referência de Assistência Social – CRAS:

” encontramos a seguinte conceituação: A função de referência se materializa quando a equipe processa, no âmbito do SUAS, as demandas oriundas das situações de vulnerabilidade e risco social detectadas no território, de forma a garantir ao usuário o acesso à renda, serviços, programas e projetos, conforme a complexidade da demanda. O acesso pode se dar pela inserção do usuário em serviço ofertado no CRAS ou na rede socioassistencial a ele referenciada, ou por meio do encaminhamento do usuário ao CREAS. A contrarreferência é sempre que a equipe do CRAS recebe encaminhamento do nível de maior complexidade (proteção social especial) e garante a proteção básica, inserindo o usuário em serviço, benefício, programa e/ou projeto de proteção básica. Pág 10

Essa linearidade tem causado muitos equívocos porque entende-se, como o proposto na orientação acima, que a referência ocorrerá somente após terminar o processo do TSF na proteção social básica, e a contrarreferência ao terminá-lo na PSE, acionando a estratégia de articulação entre os serviços. Mas a referência e contrarreferência podem acontecer enquanto o trabalho social com famílias esteja em vigor nos serviços!

O caderno de Orientações do PAIF, Vol II, :

“ a equipe de referência do CRAS, ao encaminhar uma família para o CREAS, a referencia a um CREAS. A partir desse momento, a responsabilidade pelo acompanhamento da família passa a ser do CREAS até que a situação de violação de direitos seja superada”. Mas em seguida versa: Recomenda-se o estabelecimento de agendas sistemáticas entre as equipes de referência do CRAS e CREAS, para a discussão e análise dos encaminhamentos das famílias realizados entre os serviços PAIF e PAEFI, e o estudo das situações de vulnerabilidade e risco social mais recorrentes, que demandam ações conjuntas dos dois níveis de proteção social do SUAS(…).

O novo Caderno SUAS segue nessa direção ao preconizar que os serviços socioassistenciais:

“devem compartilhar a res­ponsabilidade no atendimento de famílias que são encaminhadas do CRAS para o CREAS, e vice-versa, e estabelecer compromissos e relações, definir fluxos e procedimentos, reuniões sistemáticas e visitas às unidades, entre outras estratégias de articulação, de forma a possibilitar a proteção integral das famílias e integração entre as unidades do SUAS. O compartilhamento de informações deve se dar de maneira ética e responsável, ampliando-se, assim, a capacidade protetiva das famílias e a responsabilização do Estado”. Pág 82.

Isso é garantir a proteção integral à família e aos indivíduos. Mas ao fazer isso sem reuniões técnicas, sem uma articulação institucional, não se torna efetivo e as famílias percebem que estão indo e vindo sem sentido algum, ou seja, sem resultados. E a família tem grandes chances de desistir do processo de acompanhamento familiar porque se vê em meio a muitas tarefas, mas sem impactos positivos na sua vida e/ou dos seus membros.

Algumas proposições para efetivação dos processos de referência e contrarreferência:

  • Quanto mais efetivo é o processo, mais impacto social a família poderá alcançar;
  • Elaboração/aprovação conjunta de fluxos de articulação e trânsito entre os serviços programas e projetos provoca a efetivação do processo de referenciamento e contrarreferenciamento;
  • É uma estratégia de articulação e integralidade de proteção social;
  • Ao realizar a referência/contrarreferência, a unidade de origem não se torna isenta das ações de trabalho social com famílias;
  • Exige comunicação sistematizada entres as equipes dos serviços e exige acompanhamento e direcionamento da gestão;
  • Deve-se entender o caráter complementar dos serviços e programas para desconstruir a ideia de que o encaminhamento é o momento de passar a responsabilidade sobre uma demanda;
  • Não basta encaminhar, tem que articular.

Diante desses reais e de uma tentativa de provocar o aprimoramento da articulação entre CRAS e CREAS e da rede socioassistencial como um todo, gostaria de saber: no seu município o processo de referência e contrarreferência acontece satisfatoriamente? Como você avalia a articulação entres os atores?

Outras avaliações são possíveis para o exemplo apresentado. Portanto, caso queria acrescentar suas análises, saiba que será de extrema valia conhecê-las.

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