#03 Princípios éticos para os trabalhadores da assistência social

Vamos para mais um texto da nova série do BPS. Se você não sabe do que se trata Desafio do diferencial científico-profissional no SUAS , recomendo a leitura dos textos referentes aos desafios anteriores: Desafio #01 – Conceitos para qualificar o Trabalho Social com Famílias Desafio #2 – Referência e contrarreferência na Assistência Social Neste pequeno trecho de um diálogo, carregado de equívocos, poderíamos tê-lo como mote para discutir vários assuntos como: violência institucional; posicionamento ético político; capacitação ou de forma mais ampla, a educação permanente no SUAS; seguranças afiançadas; benefícios no âmbito do SUAS; Política de Segurança Alimentar e Nutricional; preconceitos contra os usuários do SUAS; princípios éticos da Assistência Social – este escolhido como motivo deste texto, dentre outras possibilidades. Percebe-se, portanto, o quão rico podem ser nossas discussões e reflexões quando paramos para analisar e avaliar a prática à luz dos marcos orientativos e das teorias das várias disciplinas que norteiam os fazeres na Assistência Social. Se o exemplo te trouxe espanto, ótimo. Mas se te trouxe espanto e uma sensação de Déjà vu, saiba que iguais a você tem mais um tanto (infelizmente, recebi vários comentários que reforçam o quão recorrente é esse tipo de intervenção e relação violenta com usuário). Diante do exposto, espero que esteja claro para vocês (eu também preciso continuar convencida) quanto as razões que me levam a provocar essas reflexões a partir de fragmentos tão rotineiros, porém não vistos, pelo menos de forma tão explicita e direta, em outros campos de debates. Eu defendo que temos que ir para o diálogo sempre enfrentando as sombras dos deslizes rotineiros, que podem acontecer com qualquer um e nós. Por isso, entendo que este tipo de seção aqui no blog não tem a missão de revelar os malfeitos no SUAS, mas a de levar a/o profissional à órbita da práxis. Princípios éticos da e na Assistência Social Quando o profissional está no SUAS, independente da forma como se deu sua inserção na composição da equipe ou na gestão, ele deve ser signatário dos princípios éticos que regem essa política, mas sobretudo, ancorar-se nos fundamentos e códigos de ética da sua profissão.  Como mostra o exemplo, a rotina e o excesso daquilo que nos escapa, considerando a incompletude da política e a nossa possibilidade de resposta, são campo fértil para desumanizar nossa prática. Aliás, não gosto muito da ideia de Humanização de atendimento ou de uma política, como é no SUS. Pode ser assunto para um próximo texto! Portanto, pode parecer inelutável a ocorrência de violência institucional ou práticas que ferem os princípios e códigos de ética. Contudo, não cabe justificativa quanto a violação do Código de Ética. Sendo que a mesma é passível de processos disciplinares éticos, nas profissões regulamentas que compõem o SUAS. O exemplo do desafio #03 é para erguermos os princípios éticos da Política Nacional de Assistência Social – PNAS (2004) e NOB-SUAS (2012) e aqueles especialmente atribuídos aos trabalhadores pela Norma Operacional Básica – NOB-RH-SUAS (2006). Cabe ressaltar que nenhum interlocutor com o desafio nas redes sociais, citou os princípios éticos para os trabalhadores do SUAS e não citaram violação do código de ética profissional.  Minha hipótese tem a ver com o receio de exposição sobre esses temas espinhosos e que de tão recorrentes, já escaparam da pauta de discussões/reuniões. Banalização? Aceitação? Resignação? Para obter respostas, o convite é retomar à base da práxis. Como as interlocutoras do desafio citaram os princípios organizativos e não os princípios éticos, eu acredito ser relevante inseri-los aqui também para que possamos diferenciá-los. Obviamente que os princípios democráticos são guiados por concepções éticas, as quais serão desdobradas nos documentos seguintes (veja quadro completo aqui). É importante pontuar que ao longo das normativas, os princípios éticos foram evoluindo e ganhando destaque, como pode ser conferido na redação mais robusta da NOB-SUAS de 2012. Princípios éticos NOB-RH-SUAS 2006 NOB-SUAS 2012 – Art. 6º 1. A Assistência Social deve ofertar seus serviços com o conhecimento e compromisso ético e político de profissionais que operam técnicas e procedimentos impulsionadores das potencialidades e da emancipação de seus usuários;    2. Os princípios éticos das respectivas profissões deverão ser considerados ao se elaborar, implantar e implementar padrões, rotinas e protocolos específicos, para normatizar e regulamentar a atuação profissional por tipo de serviço socioassistencial.   3. São princípios éticos que orientam a intervenção dos profissionais da área de assistência social:   a) Defesa intransigente dos direitos socioassistenciais;   b) Compromisso em ofertar serviços, programas, projetos e benefícios de qualidade que garantam a oportunidade de convívio para o fortalecimento de laços familiares e sociais;    c) Promoção aos usuários do acesso a informação, garantindo conhecer o nome e a credencial de quem os atende;   d) Proteção à privacidade dos usuários, observado o sigilo profissional, preservando sua privacidade e opção e resgatando sua historia de vida;    e) Compromisso em garantir atenção profissional direcionada para construção de projetos pessoais e sociais para autonomia e sustentabilidade;   f) Reconhecimento do direito dos usuários a ter acesso a benefícios e renda e a programas de oportunidades para inserção profissional e social;   g) Incentivo aos usuários para que estes exerçam seu direito de participar de fóruns, conselhos, movimentos sociais e cooperativas populares de produção;   h) Garantia do acesso da população a política de assistência social sem discriminação de qualquer natureza (gênero, raça/etnia, credo, orientação sexual, classe social, ou outras), resguardados os critérios de elegibilidade dos diferentes programas, projetos, serviços e benefícios;   i) Devolução das informações colhidas nos estudos e pesquisas aos usuários, no sentido de que estes possam usá-las para o fortalecimento de seus interesses;    j) Contribuição para a criação de mecanismos que venham desburocratizar a relação com os usuários, no sentido de agilizar e melhorar os serviços prestados. I – defesa incondicional da liberdade, da dignidade da pessoa humana, da privacidade, da cidadania, da integridade física, moral e psicológica e dos direitos socioassistenciais;   II – defesa do protagonismo e da autonomia dos usuários e a recusa de práticas

#02 Referência e contrarreferência na Assistência Social

Seguindo com a série Desafio do diferencial científico-profissional no SUAS onde o objetivo é revelar malfeitos em atendimentos no SUAS com provocação de diálogos para problematização e proposição de mudança de perspectiva para a profissionalização e o aprimoramento do Trabaalho Social com Famílias – TSF, trato hoje sobre referência e contrarreferência no desafio #2 Este texto é uma resposta ao desafio #2 lançado no Instagram do blog @psicologianosuas. Se você se interessar por esse modo de interação que culmina com texto-resposta, te convido a seguir o blog por lá, assim você poderá participar, respondendo e acompanhando as respostas dos colegas, quando eu disponibilizar os próximos desafios.  Veja sobre o Desafio #01 – Conceitos para qualificar o Trabalho Social com Famílias No desafio proposto, a ideia foi desencadear uma discussão quanto ao processo de referência e contrarreferência e brevemente sobre acompanhamento familiar. Devo alertar quem está chegando agora neste espaço: meus textos contêm forte teor do real do cotidiano da execução dos serviços e assim busco uma linguagem que transmita o que de fato tenciona as relações e práticas dos profissionais na Assistência Social. É um privilégio ter um canal de diálogo aberto há 09 anos, e oferecer serviços de supervisão e capacitação porque chegam até mim confissões daquilo que mascaram a realidade e as problemáticas, as quais eu nunca conheceria em outro contexto profissional ou acadêmico. Portanto, meus objetivos aqui são discorrer sobre o caso problematizando o processo de referência e contrarreferência, sobre o acompanhamento familiar e principalmente, suscitar os imbróglios que permeiam as práticas mais pautada em protocolos do que em articulação e processos. Desafio #2 – acompanhamento pelo PAEFI (leia aqui) No exemplo desafio, pode-se identificar que o PAEFI, ao permanecer com uma família em acompanhamento por um período de 1 ano e meio, e considerando a demanda atual da família, não conseguiu desempenhar com eficácia o processo de acompanhamento familiar dessa família, não elaborou o Plano de Acompanhamento Familiar – PAF e prestou atendimentos pontuais e fragmentados à família. O direcionamento dado no atendimento é reflexo do processo pontual do acompanhamento dessa família no CREAS, nota-se um desconhecimento quanto aos fluxos e situação atual da família. Quando se trata de situação de violência deve-se considerar o princípio de celeridade, portanto, tendo sanado a situação de violência e trabalhado os principais objetivos do serviço especializado em questão, deve-se proceder com a contrarreferência da família à proteção social básica para a continuidade da proteção social e para ações de prevenção. A contrarreferência, ainda, não é um processo sedimentado em muitas realidades. Os CREAS, com equipe mínima ou incompleta, falta de ação efetiva de gestão do trabalho, não tem conseguido realizar o trabalho social com famílias a contento, gerando assim acúmulo de famílias em atendimento, mas que não foram acompanhadas. Assim, as equipes não sabem quais famílias superaram, de fato, as situações de violência e não conseguem, assim, realizar a contrarreferência. Quando o acompanhamento familiar é insatisfatório, a referência e contrarreferência tendem a não ocorrer ou ocorrem em momentos que não geram sentidos para a família; Ações protocolares ou diálogo entre as equipes : provocações As equipes de CREAS e CRAS (como entre outras unidades) tem encontrado inúmeras dificuldades de diálogos, impossibilitando um trabalho articulado. Na real (lembrem-se do meu alerta), há uma rivalidade entre as unidades (ouço gritos: é assim mesmo!!). Se comunicam, numa lógica da linearidade, do protocolar. Isso impede que as equipes se situem como parte de um mesmo sistema e que compreendam que a separação por níveis de proteção não pode ser considerada uma hierarquização do saber ou da relevância. Sugiro a leitura do texto da Lívia de Paula, colaboradora do BPS que discorreu de forma leve e precisa a respeito da interação entre CRAS e CREAS: CRAS versus CREAS: que trabalho conjunto é esse? notem que o título contem a palavra versus! 😉 A qualidade do desenvolvimento do trabalho social com famílias – TSF depende também da efetividade da Gestão do Trabalho e da capacidade de articulação e integração da coordenação de unidade/serviços. Devo pontuar que já presenciei e ouvi de diferentes colegas, em regiões distintas, que a gestão privilegia ao CREAS quanto a composição das equipes. Os “menos capacitados” iriam para o CRAS! Lamento por quem já vivenciou isso, lamento mesmo, inclusive por mim! Como assim o trabalho da proteção básica pode ser feito por profissionais menos preparados? O desafio do TSF no âmbito da proteção social básica – PSB é enorme porque trabalhar com prevenção, proação e proteção, tudo ao mesmo tempo e pelos mesmos profissionais, exige maestria e formação, bem como capacitação, como a todo trabalhador da rede socioassistencial. Não raras vezes, vejo que quando há apontamento de falhas ou segregação ao invés de somar responsabilidades, há uma deficiência no trabalho da coordenação e/ou da gestão. Então, à Gestão do Trabalho cabe fomentar a implantação ou implementação da Educação Permanente para dirimir processos equivocados que se instituem nas organizações como imbróglios à articulação entre os operadores e gestores da rede socioassistencial. Referência e contrarreferência Defendo que o processo de referência e contrarreferência não deve ser entendido e nem praticado como encaminhamento, este faz parte do processo, mas não o esgota. A conceituação destes dois termos traz à cena uma linearidade, considerando que referência é sempre uma solicitação de proteção remetida da proteção básica aos níveis de maior complexidade e contrarreferência é o caminho inverso. Em 2009, no caderno de “Orientações Técnicas: Centro de Referência de Assistência Social – CRAS: ” encontramos a seguinte conceituação: A função de referência se materializa quando a equipe processa, no âmbito do SUAS, as demandas oriundas das situações de vulnerabilidade e risco social detectadas no território, de forma a garantir ao usuário o acesso à renda, serviços, programas e projetos, conforme a complexidade da demanda. O acesso pode se dar pela inserção do usuário em serviço ofertado no CRAS ou na rede socioassistencial a ele referenciada, ou por meio do encaminhamento do usuário ao CREAS. A contrarreferência é sempre que a equipe do CRAS recebe encaminhamento