Entre o pessimismo da razão e o otimismo da vontade: breves considerações sobre cultura política e trabalho na assistência social

Por Thaís Gomes* Chegou ao fim mais um período eleitoral e assim vão sendo desenhadas as plataformas políticas para os próximos quatro anos em nível municipal… É um período que traz muitas preocupações e incertezas para os trabalhadores da assistência social. Cortes de gastos, ameaça de demissão dos trabalhadores contratados, redução das equipes e dos benefícios, interrupções nos SCFV, são só alguns dos fatores que prejudicam potencialmente a oferta dos serviços socioassistenciais. Esse quadro demonstra como a cultura política local influencia a dinâmica da política de assistência social, principalmente em períodos eleitorais, onde é possível notar o quanto ainda é utilizada como meio de troca de favores entre políticos e eleitores, com predomínio de relações verticais com forte cunho clientelista, ainda que a atual configuração da política de assistência social proponha exatamente a ruptura com o ranço histórico do assistencialismo. Não é incomum ver vereadores “bondosamente”, isentos de interesses, acompanharem os usuários dos serviços nos CRAS por exemplo, para acesso a benefícios eventuais em ano de eleição municipal por exemplo. E se os traços da cultura política influenciam a dinâmica da política de assistência social, cumpre observar que afeta também o trabalho dos técnicos que atuam na ponta dos serviços. A incidência das práticas de mandonismo e coronelismo nos municípios influenciam os processos de trabalho e a oferta dos serviços na política de assistência social de um modo perverso ao permitirem também, para além do cenário citado anteriormente, a inserção de pessoas sem qualificação profissional e técnica para ocupar cargos de gestão/ coordenação nas secretarias de assistência social através dos cargos comissionados, pois ao não disporem dos requisitos para ocupar tais cargos, acabam reproduzindo dentro da lógica de trocas de favores e cabide de emprego, práticas assistencialistas que perpetuam a visão da política de assistência social como favor e não como direito, culminando num círculo vicioso que prejudica a oferta de serviços em consonância com as prerrogativas do SUAS, além de causar constrangimentos entre as equipes técnicas, usuários e gestores. Além disso, a grande incidência de contratações profissionais por contrato de trabalho por tempo determinado, RPA’s, comissionados, terceirizados e voluntários em detrimento da contratação via concurso público também configura uma questão delicada no debate da cultura política local, pois nos remete a pensar até que ponto as normativas existentes no arcabouço da política de assistência social, como a NOB-RH (Norma Operacional Básica de Recursos Humanos) têm força de lei, tendo em vista ser a contratação por concurso público o modo em que se atesta o conhecimento técnico do profissional para exercer determinada função, confere estabilidade profissional, além de ser parte fundamental no processo de construção de uma política pública de Estado e estar preconizado na configuração da política de assistência social. De acordo com Brisola e Silva (2014) a precarização das condições de contratação no âmbito do SUAS contribui também para a restrição dos direitos profissionais/ trabalhistas e para a descaracterização da assistência enquanto política pública estatal podendo ocasionar ainda mais retrocessos na efetivação dos direitos socioassistenciais. Outro ponto a ser destacado na trama de relações desenvolvidas por intermédio da cultura política local é a participação social dos profissionais nas instâncias de representação dos trabalhadores, sindicatos, conselhos de direito e de políticas e movimentos sociais. A precarização das condições de trabalho também é fator determinante no processo de despolitização das categorias profissionais e também da própria política de assistência social, que prevê a participação e o controle social por intermédio dos conselhos e conferências. Muitas vezes imersos na rotina de trabalho, em meio a tantas questões que se colocam, os profissionais não dispõe de tempo para discutir o trabalho desenvolvido, refletir sobre suas práticas, sobre as condições de trabalho, bem como participar ativamente das instâncias de controle social como o conselho municipal de assistência social por falta de tempo e estímulo e até mesmo por represálias (demissões, assédio moral, ameaças de violência, perseguições, etc) que possam sofrer advindas do órgão gestor da política ou do poder executivo, ou de ambos. Além da parca oferta de capacitações para as equipes técnicas, o que propiciaria um espaço privilegiado para trocas de experiências e debate sobre o cotidiano de trabalho. Importante sinalizar que enquanto profissionais precisamos estar atentos à dinâmica das relações sociais forjadas em nosso dia a dia, buscando entender a dinâmica social e econômica e seus rebatimentos em nosso espaço profissional, para que possamos adotar posturas que busquem romper com práticas burocráticas e conservadoras que ajudam a perpetuar práticas clientelistas e assistencialistas, traços da cultura política local, dentro da política de assistência social. E isto somente pode se concretizar através das discussões fomentadas pelas práticas profissionais e das estratégias de enfrentamento traçadas por quem faz o SUAS acontecer diariamente. O cenário que se mostra atualmente é de grandes retrocessos na política de assistência social em todos os níveis, nacional, estadual e municipal. No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, recentemente a Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos foi incorporada à Secretaria Estadual de Saúde, o que representa um enorme retrocesso ao unir as políticas de assistência social e saúde, destaque também para os importantes documentos de referência sobre o trabalho na política de assistência social elaborados pela SEASDH. A impressão que tenho é que estamos vivenciando um estado de apatia social e descredibilidade política em meio a conjuntura que se apresenta através dos noticiários (sérios e imparciais), redes sociais, diante de tantos bombardeios de estratégias dos governantes de todas as instâncias para dirimir direitos sociais conquistados. Mas não devemos/ podemos perder as esperanças pois em meio as crises é que surgem as possibilidades de mudança. Que em 2017 possamos coletivamente traçar estratégias para enfrentar o desmonte dos direitos sociais, que tenhamos coragem e ousadia para lutarmos pela política de assistência social e pela efetivação dos direitos, por melhores condições de trabalho no SUAS, por maior adesão e participação dos trabalhadores nos espaços de decisão, frentes de trabalho, grupos de discussão e reflexão do trabalho para juntos buscarmos uma alteração neste cenário de retrocessos posto. “(…) O
Terapia Ocupacional, o social e a Assistência Social

Por Aline Morais Para iniciar, acredito que se faz necessário apresentar a Terapia Ocupacional no Campo Social, pressupondo que para alguns colegas eu não esteja trazendo nenhuma novidade. Contudo, acredito que para muitos outros profissionais seja pertinente evidenciar alguns caminhos traçados pela nossa atuação específica dentro deste campo. Comecemos com uma definição clássica da Terapia Ocupacional: um campo de conhecimento e intervenção em saúde, em educação e na ação social, que reúne tecnologias orientadas para a emancipação e a autonomia de pessoas que, por razões ligadas a problemáticas específicas (físicas, sensoriais, psicológicas, mentais e/ou sociais), apresentam, temporária ou definitivamente,dificuldades de inserção e participação na vida social. Fonte: Crefito3 Desde a década de 70, os terapeutas ocupacionais atuam no que se chama de “social”, contudo numa lógica histórica de inserção nas instituições totais (FEBEMS, asilos). Associados aos processos e movimentos de redemocratização do Brasil, os quais certamente influenciaram outras profissões, os terapeutas ocupacionais começaram a questionar o seu papel de “mantenedores da ordem institucional”. Interrogavam se realmente estavam contribuindo com o bem-estar dos sujeitos, ou apenas reproduzindo as lógicas institucionais segregatórias. Ainda, com o aumento da pobreza e da desigualdade social, os terapeutas ocupacionais, que até então estavam mais ligados às problemáticas de saúde, passam a perceber outras demandas para a profissão. Além disso, inicia-se o questionamento por parte dos terapeutas ocupacionais acerca do papel político do técnico, influenciados por Paulo Freire, Franco Basaglia, Gramsci, Foucault, Robert Castel, entre outros, que criticavam e apontavam para a “medicalização dos problemas sociais”. Assim, após diversos processos históricos, políticos e sociais, a Terapia Ocupacional Social vem se constituindo com base em alguns princípios: o adoecimento como processo também social (crítica ao modelo biomédico), deslocamento do setting terapêutico para o território, descentramento do saber técnico ou individualizado para compreensão das demandas e saberes coletivos e o conceito de atividade como algo a ser construído a partir da alteridade (conceito emprestado da antropologia). No Campo Social, entendido como esfera interdisciplinar mais ampla, há diversos núcleos de atuação da Terapia Ocupacional, tais como o da educação, da justiça, da cultura e da assistência social (MALFITANO, 2005). Assim, a Terapia Ocupacional Social, não trata exclusivamente da atuação na Assistência Social, mas tem ofertado subsídios para discuti-la, na medida em que não parte dos referenciais de saúde, mas sociológicos, antropológicos e outros. Não posso deixar de me referir ao Laboratório Metuia[1], berço da Terapia Ocupacional no Campo Social, do qual pude fazer parte durante um período de minha formação e tem protagonizado ações de extensão universitária, pesquisa e formação neste campo. Graças à presença (e luta) dos terapeutas ocupacionais nas conferências e espaços participativos do SUAS, sobretudo no Encontro Nacional dos Trabalhados do SUAS em Brasília, em março de 2011, nossa profissão foi reconhecida como categoria que pode compor as equipes de referência e gestão dos serviços socioassistenciais, consolidada por meio da resolução n. 17 do CNAS/2011. Foi um grande passo, contudo, ainda temos os seguintes desafios: Conquistar cargos efetivos e concursos específicos para terapeutas ocupacionais no SUAS; Garantir a presença de disciplinas e estágios das graduações que oferte maior preparo para atuação desses profissionais no SUAS; Divulgar e promover as nossas possibilidades de atuação na Assistência Social. Para quem se interessar, há alguns materiais complementares que já foram divulgados aqui no Blog no Post: Terapia Ocupacional no SUAS. Optei correr o risco de ser redundante para quem já conhece essa história, para fazer uma apresentação bem resumida àqueles que ainda não nos conhecem como profissão. Compartilhando aqui uma experiência pessoal, que ainda trata dos nossos desafios, quando participei da X Conferência Estadual de Assistência Social, enquanto delegada, em uma discussão em subgrupo, uma colega assistente social questionou se eu compunha a equipe de referência, se era concursada e se poderia registrar ações técnicas no prontuário SUAS, insinuando que as respostas seriam negativas. Mediante tais questionamentos, a respondi, embasada na resolução n. 17 do CNAS/2011 e afirmando que sim, como qualquer profissional da equipe de referência. Para me reconfortar dessa situação, escutei uma fala de um professor Marcelo Gallo, (professor da Unesp Franca e graduado em Serviço Social) em uma de minhas formações do Capacita SUAS, em que ele alegou que, como assistente social ele poderia afirmar: assistentes sociais, a PNAS não é de vocês! Certamente, vindo de um colega assistente social, me senti representada! Diante disso, cabe a nós terapeutas ocupacionais, mostrar a que viemos. E aos colegas e gestores, também se informarem sobre as demais profissões previstas na NOB/RH, de modo que os serviços socioassistenciais possam contar com olhares profissionais diversos e complementares, não concorrentes! Para finalizar, àqueles que se interessarem em conhecer as origens da terapia ocupacional, deixo aqui a minha sugestão de assistirem ao filme brasileiro “Nise – O coração da loucura”. Ele ajuda a compreender as nossas bases para o uso da atividade, não apenas para “ocupar” ou manter a “ordem”, mas como forma de questioná-la, estabelecendo uma ordem própria (através do que chamamos de autonomia, assunto o qual pretendo discutir em outro momento) e produção de sentido. Assim, as dimensões da intervenção do terapeuta ocupacional devem ser a ampliação e o fortalecimento das redes sociais, bem como a expansão do repertório de atividades cotidianas. O objetivo final é aumentar a participação cívica e social dos sujeitos (COSTA, 2016). Referências COSTA, L.A. A terapia ocupacional no contexto de expansão do sistema de proteção social. In: LOPES, R.E., MALFITANO, A.P.S. Terapia Ocupacional social: desenhos teóricos e contornos práticos. São Carlos: EdUFSCar, p.135-153, 2016. LOPES, R. E. et al. Terapia Ocupacional no campo social no Brasil e na América Latina: panorama, tensões e reflexões a partir de práticas profissionais. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, São Carlos, v. 20, n. 1, p. 21-32, 2012. MALFITANO, A. P. S. Campos e núcleos de intervenção na terapia ocupacional social. Revista de Terapia Ocupacional da USP, São Paulo, v. 16, n. 1, p. 1-8, 2005. [1] Grupo interinstitucional de estudos, pesquisa, formação e ações pela cidadania de crianças, adolescentes e adultos em processos de ruptura das redes sociais de suporte, sob os pressupostos
Terapia Ocupacional no SUAS

O Post de hoje é especial porque tem a colaboração da terapeuta ocupacional, Aline Morais*. Conheci a Aline em Agosto, no encontro do Grupo de Estudo e Capacitação Continuada dos Trabalhadores do SUAS – GECCATS – Delegacia Regional de Assistência e Desenvolvimento Social/Franca-SP. (Realizei uma Oficina sobre acompanhamento familiar a convite do GECCATS – e mais 23 Municípios – em breve vou contar esta experiência incrível aqui, principalmente sobre o GECCATS). Foi um encontro rápido mas foi o suficiente para trocarmos algumas ideias e materiais sobre o trabalho do terapeuta ocupacional no SUAS.