Refletindo sobre os atuais desafios para a escuta de crianças e adolescentes no âmbito do SUAS

Por Lívia Soares de Paula* Olá colegas do SUAS! Como vão vocês? Creio que temos muita gente nova por aqui, acompanhando o Psicologia no SUAS, e muita gente “das antigas” também. É com muita alegria que retomo minha colaboração aqui no Blog, com o desejo de continuar contribuindo, de forma simples e ancorada na minha prática, para as reflexões de quem, assim como eu, atua na Política de Assistência Social. O tema que escolhi para hoje foi motivado pela proximidade do dia 18 de Maio, Dia Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. Todos os anos nesta época, nos mobilizamos para o planejamento de atividades de sensibilização da sociedade sobre o assunto. Ocupamos os territórios, as escolas, abordamos o tema com crianças, adolescentes, famílias, enfim…Colocamos nosso bloco na rua! Trabalhamos a prevenção e a proteção das nossas crianças e adolescentes. E hoje estou aqui para propor algumas reflexões relacionadas à atuação das trabalhadoras e trabalhadores dentro dos equipamentos, quando recebemos os encaminhamentos e/ou demandas espontâneas de situações desta natureza. Antes de colocar nosso bloco na rua, vamos pensar juntas/os como vemos o papel dos equipamentos, em especial do CREAS, no acompanhamento deste tipo de situação? Não sei se é do conhecimento de todas/os, mas em 2017 foi sancionada a Lei nº 13.431/2017, que estabeleceu o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência. Esta lei visou normatizar e organizar o SGD, criar mecanismos para prevenir e coibir a violência e estabelecer medidas de proteção à criança ou adolescente em situação de violência. Se você ainda não conhece, sugiro a leitura da lei na íntegra. Ela tipifica as formas de violência, estabelece direitos e garantias, aborda a integração das políticas de atendimento (estando a assistência social incluída) e conceitua os procedimentos nomeados de Escuta Especializada e Depoimento Especial. Esta lei entrou em vigor no ano passado, decorrido um ano de sua publicação oficial. Também no ano passado, foi publicado o Decreto nº 9.603/2018, regulamentando a Lei 13.431/2017. Neste Decreto detalhou-se alguns aspectos contidos na lei sobre o fluxo e organização do SGD e sobre o Depoimento Especial e a Escuta Especializada. A Assistência Social consta no referido documento como um dos campos, junto com outras políticas públicas, para a realização do procedimento de Escuta Especializada. Embora o Decreto, a meu ver, tenha trago alguns contornos necessários que não haviam sido dados pela Lei, ainda assim sabemos que este é um campo arenoso, que trata de um tema polêmico e espinhoso, no qual ainda encontramos muito mais dissensos que consensos. Há profissionais e órgãos institucionais que defendem nossa atuação direta (enquanto psicólogas/os e assistentes sociais) na prática de inquirição de crianças e adolescentes para fins de responsabilização dos autores das agressões e há profissionais e órgãos que discordam desta proposta como está atualmente desenhada. Tenho meu posicionamento a respeito, alinhado com o posicionamento e as orientações do Sistema Conselhos de Psicologia. Se vocês não conhecem o posicionamento do Sistema Conselhos, vale fazer uma pesquisa no site do Conselho Federal e no site dos seus Conselhos Regionais também. O CRP04, aqui de Minas Gerais, promoveu há um tempo atrás, um Psicologia a Foco sobre este assunto, que continua atual e está disponível na página do Facebook do Conselho. Mas este não é o debate sobre o qual quero me debruçar aqui. Se vocês discordam de nossa atuação nesta seara ou concordam, esse é um assunto para ser debatido em outro momento com toda cautela que o tema requer. Por ora, um dos pontos que me interessa apontar é que, discordando ou concordando, temos, cotidianamente, recebido no SUAS solicitações de escuta destas crianças e adolescentes. Algumas condizentes com o papel dos nossos equipamentos, outras nem tanto. Esta constatação surge através das demandas que têm chegado ao CREAS no qual atuo, através de postagens de colegas do SUAS em grupos e redes sociais e através de conversas com outras/os colegas. Mesmo antes das publicações das leis que citei aqui já recebíamos pedidos de escuta e de averiguação de situações de violência contra crianças e adolescentes. E agora, mais que nunca, tais solicitações estão batendo à nossa porta. Embora isso seja uma realidade, um aspecto que me chama a atenção é que este me parece um assunto deixado de lado nos espaços de discussão sobre o SUAS. Vejo muitos debates no campo da Psicologia Jurídica. Mas no campo da Assistência Social, na minha percepção, ainda falamos pouquíssimo sobre isso. Você pode estar dizendo daí: “claro, isso não nos compete. Não é papel do SUAS inquirir crianças e adolescentes.” Ok. Sabemos disso. Mas, nem por isso, as solicitações deixam de chegar. E aí? Será que a melhor saída é mesmo não falar sobre isso? Minhas observações me trazem a convicção de que a resposta é não. Nos grupos que participo, circulam perguntas como: “alguém já está fazendo a Escuta Especializada? Chegou aqui um pedido e não sabemos como fazer.” “Como fazer para escutar a criança no CREAS? Agora a gente tem que fazer né? Tá na lei.” São várias e várias perguntas. Vários depoimentos e relatos de profissionais sobre a realização desta escuta. E aí eu me pergunto: como será que estamos realizando esta escuta? Utilizando qual metodologia? Embasados em que aporte teórico? Se tiverem claras para vocês essas respostas, compartilhem comigo. Pois são estas observações que me levam a pensar que precisamos falar sobre o tema. Ou melhor, antes de falar, precisamos escutar quem entende e pesquisa o assunto. Trazer essas pessoas para as rodas de conversa sobre o SUAS. Estudar o assunto. Ler a Lei e o Decreto. Procurar o que nossos Conselhos têm falado sobre o assunto. Provocar nossos Conselhos a falar sobre o tema do ponto de vista das Políticas de Assistência Social, Saúde e Educação principalmente. Enquanto isso não acontece de forma efetiva, sugiro que a gente vá bebendo nas fontes da Psicologia Jurídica. Porque se não promovermos reflexões sobre esta questão no âmbito da política na qual atuamos, estaremos fadados