Atendimento psicossocial ou interdisciplinaridade na assistência social?

Quando iniciei, em 2009, meu trabalho no CRAS eu fui orientada que os atendimentos eram psicossociais. Eu achei ótimo, uma vez que eu já conhecia a abordagem psicossocial. Mas com o passar do tempo e com o desenvolvimento da minha capacidade de observação e análise do que se fazia nos serviços e principalmente o estranhamento quanto ao sentido que as pessoas davam ao termo psicossocial, eu descobri que algo estava equivocado. A ideia de que o atendimento é psicossocial nos serviços (PAIF, PAEFI e nos demais serviços da Assistência Social) foi propagado como atividade conjunta da psicóloga com a assistente social – Escreva o primeiro comentário quem nunca pensou assim ou ouviu tal afirmativa em reuniões com gestores, coordenadores, em atividades oficiais ou bastidores em congressos, seminários e teleconferências do MDS. Para escrever este texto percorri todos os principais cadernos oficiais de orientações técnicas e não encontrei o termo psicossocial como é entendido nos serviços da Assistência Social. Então por que esse conceito ganhou tanta força? Talvez porque para as assistentes sociais estava marcado que o trabalho era conjunto com o profissional de psicologia, enquanto que para a psicóloga era o argumento que desbancava qualquer proposta terapêutica/psicológica. Para os gestores/coordenadores pode ter sido a maneira mais fácil de entender e passar a ideia do trabalho coletivo nos serviços aos membros das equipes. Minha análise direciona para a proposição de que o “psicossocial” passou, equivocamente, a assumir um lugar que deveria ser o da defesa do trabalho interdisciplinar. Interdisciplinariadade no SUAS é tomada como diretriz para toda metodologia de trabalho adotada, ou seja, é prevista como base para o desenvolvimento dos processos de trabalho com as famílias e com o território. Como o atendimento na Assistência pode ser psicossocial (como proposta de intervenção de duas profissões) se as equipes dos serviços são compostas por múltiplas profissões? Como juntaremos os profissionais da Pedagogia, da Terapia ocupacional, do Direito, da Sociologia, da Antropologia e dos demais previstos na Resolução nº 17 de 2011? A resposta é o campo da interdisciplinaridade – Veja o tabela interdisciplinaridade- psicossocial –  porque este é o preceito para a atuação técnica nos serviços, no trabalho social com famílias. É este termo que encontramos nas principiais normativas técnicas dos serviços que compõem a rede socioassistencial. Mas porque ele não viralizou como o psicossocial? Será por que os serviços foram implantados com a presença mais numerosa dos profissionais das categorias do Serviço Social e Psicologia? Seria uma explicação muito simples e objetiva, por isso eu tenciono para a ideia de que a interdisciplinaridade é ainda campo desconhecido ou não praticado pelos profissionais, os quais estão atuando mais na lógica multidisciplinar. Considero relevante afirmar que atendimentos – ações particularizadas ou visitas domiciliares, em dupla não significa que o trabalho está sendo interdisciplinar. Bem como ao postular que o trabalho tem base na interdisciplinaridade não se está dizendo que a única maneira de fazê-lo é por meio da dupla. Escreva o segundo comentário quem nunca ouviu: “fulana é minha dupla” “eu amo a minha dupla”! Trabalho interdisciplinar requer, sobretudo, um rompimento de paradigma. Para exercer a interdisciplinaridade é preciso romper com a ideia de que os problemas podem ser subdivididos em categorias, onde para cada situação haveria um especialista. As situações de vulnerabilidades e riscos sociais são compostas por multidimensões e qualquer tentativa de dissecá-las para eleger qual parte pertence a um determinado conhecimento, quebra-se as interconexões e as complexidades que as constituem. Família, território, violência, institucionalização, são temas complexos e para questões complexas, respostas complexas. Tendo compreendido que o termo psicossocial está sendo usado de forma deslocada e esvaziada, espero ter contribuído para que você abra essa roda e deixe chegar os demais saberes. No próximo texto apresentarei o conceito psicossocial como abordagem metodológica, tendo como campo teórico a psicologia social e comunitária, além de referenciar alguns livros sobre a intervenção psicossocial. Instagram do Blog: @psicologianosuas Facebook: Blog Psicologia no SUAS Acesse o Texto II: Abordagem psicossocial e a práxis na Assistência Social

Da visita ao atendimento domiciliar: rompendo paradigmas

Na primeira parte deste texto (Leia AQUI), eu trato a visita domiciliar – VD como uma prática perigosa para nós do Sistema Único de Assistência Social – SUAS e um dos motivos é por ela ser usada nos dias atuais assim como foi lá no início e meados do século passado – A leitura da Parte 1 é fortemente recomendada: Visita Domiciliar no SUAS. É óbvio que as construções teóricas e éticas sobre essa técnica avançaram ao longo do tempo, dialogando com as propostas das políticas públicas, mas do ponto de vista prático eu arrisco em pontuar que pouco se diferenciam do passado, onde as ações não tinham características e nem diretrizes de política pública. Eu também deixei linhas para continuar tecendo sobre o que poderia ser uma mudança na conceituação dessa prática no campo da Assistência Social, porque corre-se o risco da utilização desta técnica como recurso para averiguações de informações, “checagem”, fiscalização dos dados identificados nas entrevistas na unidade, critério para acesso a benefício eventual, ente outros objetivos com características policialescas e coercitivas. “Indicar os meios para reconhecer a verdadeira indigência e tornar a esmola útil aos que a dão e aos que a recebem”.  Trecho do texto: Visita Domiciliar no SUAS Diante disso, a minha proposta é que passássemos a nomear a visita domiciliar, no âmbito do SUAS, como atendimento domiciliar. É mais assertivo e coaduna com os princípios e diretrizes da Política Nacional de Assistência Social – PNAS, por se tratar de uma política pautada na Garantia de Direitos e não na averiguação de fatos, como poderíamos, sumariamente, atribuir às ações técnicas do Sistema Judiciário e de outros órgãos de responsabilização do Sistema de Garantia de Direito, por exemplo. O que me faz apostar na potência desta mudança de perspectiva é porque considero que no âmbito do SUAS o/as assistentes sociais, as psicólogas/os, os demais profissionais que compõem as equipes e claro, os que compõem os órgãos gestores, assim como a população que usa os serviços, ainda tratam a Assistência Social como lócus de tratamento individual da pobreza. Este panorama é contrário a perspectiva da cidadania, do coletivo. Há sim uma dimensão personalizada na proteção social, mas o que estou tentando problematizar é que esta sempre corre o risco de aparecer como sendo a única em detrimento da dimensão cidadã/coletiva. Ela é mais aparente, mais focal e portanto mais fácil de materializar as ações de Assistência Social. Um exemplo pode ser o da concessão de benefício eventual – BE, como a cesta básica – CB, o mais popular entre os demais. Trata-se de um direito reclamável direcionado a uma pessoa/família, e que, antes da profissionalização da Assistência Social, o acesso a esse direito era pautado na dualidade eleitor-governo. É claro que não houve um rompimento imediato nesta lógica após o SUAS, até porque, historicamente, as mudanças ocorrem paulatinamente e é necessário que várias estratégias de rompimento se juntem para além do arcabouço legal. Mas os objetivos da PNAS, deste a Lei Orgânica de Assistência Social de 93, nos direcionam para o que eu estou chamando de dimensão cidadã do acesso a um direito. Onde estaria a dimensão cidadã deste direito, a cesta básica? Vou tentar abordar na perspectiva dos atores envolvidos, fazendo as perguntas que eles deveriam ser capazes de fazer ao reclamarem, mediar/gerir este direito: Usuários: Além de mim, há quantas pessoas/famílias nesta mesma situação? Quantos conseguem acessar esse direito? Por que e desde quando estamos nesta situação? Qual é a resposta do Estado para este problema? Gestores/técnicos/profissionais do SUAS/conselheiros: Quais estratégias são necessárias para romper a lógica assistencialista tão impregnada na oferta da cesta básica? quais análises são necessárias para a compreensão qualitativa entre a necessidade apresentada e a cobertura de proteção social? A lei que regulamenta os BE está em conformidade com a garantia de direitos ou reforça a lógica da concessão para quem mais merecer? (Condicionando o acesso ao direito após avaliações e chancelamentos técnicos). A Lei foi formulada e aprovada com participação popular? As famílias beneficiárias conhecem a lei? São algumas questões que inviabilizam a mera reprodução e provocam novas direções na gestão e execução da Assistência Social. O direito é coletivo e é um grande erro achar que ele só existe por conta do indivíduo, sendo que ele existe porque atende a um interesse coletivo. E por que então o usufruto desse direito é sempre acionado no panorama individual? Se eu tenho acesso a alimentação, ao ensino com qualidade e gratuito, porque o outro não tem? Por que ainda há tantas pessoas sem acesso aos direitos fundamentais, como a segurança alimentar? Não seriam essas perguntas um indicar do exercício da cidadania e do amplo acesso aos direitos? Em muitos municípios ainda não há uma gestão de benefícios eventuais imbuída de diagnóstico que subsidiasse o planejamento para uma concessão mais próxima possível da demanda. Ocorrendo assim, uma discrepância entre demanda e oferta – ou seja, muitas famílias ficam em situação de desproteção social sem acesso ao benefício. Diante deste cenário, como critério para filtrar a demanda, é recorrente que a orientação do gestor passa a ser a de utilizar as ações dos técnicos do CRAS para realizarem a VD domiciliar e só assim “permitir” a concessão do benefício. É neste ponto que a visita domiciliar é utilizada como no início do século passado e sem que a equipe técnica pare para analisar o que está sendo feito e o mais importante, o que precisa ser feito para mudar esse desequilíbrio de acesso ao direito a curto, médio e longo prazo. Não seria interessante, a curto prazo, até que o cenário se torne mais equilibrado, as próprias famílias (da lista de demanda de CB) definirem quem mais precisa? Não seria uma proposta impossível, desde que os acompanhamentos em grupo pelo PAIF fossem realidades. Em um próximo texto irei abordar a descentralização dos benefícios eventuais para as unidades de CRAS, pois há uma enorme confusão sobre gestão de benefícios e promoção do acesso a esse direito. A proposta do atendimento domiciliar em contraponto a visita domiciliar é que a