Provisão de benefícios eventuais: análise da demanda de cesta básica no SUAS

Rozana Maria da Fonseca¹ Há bastante tempo ensaio a escrita de um texto, almejando ser capaz de dialogar com as/os profissionais do SUAS de diferentes formações e funções, abordando os benefícios que compõem a rede socioassistencial. Contudo, ao ler alguns artigos, leis municipais, notas técnicas/orientação e principalmente as dúvidas que me chegam por e-mail, Blog e comentários na página do Blog, eu resolvi me ater a concessão da cesta básica, orçada e gerida na assistência social como um benefício eventual. Não tenho a pretensão aqui de ceder respostas às dúvidas que chegaram e nem de que minhas palavras sejam mais assertivas do que as postas em notas técnicas e de orientação (emitidas pelos conselhos de classe profissional e por alguns estados), e nas leis municipais que dispõem sobre a provisão de benefícios eventuais no âmbito da Política Pública de Assistência Social, mas me permito questioná-las apontando alguns cenários e possíveis mudanças de perspectiva e processo de trabalho. Não é fácil pautar um tema tão cheio de controversas, dúvidas e tensões acerca de sua operacionalização e abordagem técnica/teórica como é o dos benefícios socioassistenciais, aqui, especificamente, a oferta da cesta básica, um benefício antigo, sintomático e anterior ao ordenamento legal da Assistência Social atual, incluída, sumariamente, nas situações de vulnerabilidades temporárias no rol dos benefícios eventuais. Considerando o posto acima, ressalto que os aspectos mais teóricos acerca dos benefícios eventuais e as consequências da provisão de alimentos ainda na Assistência Social (sem implementação do SISAN – Sistema Nacional de Segurança Alimentar), submetida a parcos e informais planejamentos, ficando a mercê da boa vontade ao garantir um ínfimo orçamento para este fim, vocês deverão consultar artigos, dissertações e cadernos oficiais sobre este assunto – o texto Precisamos falar sobre a cesta básica, da Tatiana Borges, problematiza isso ao dialogar com um artigo recente da Gisele Bovolenta – veja aqui. O que são benefícios eventuais? São previstos no art. 22 da Lei Orgânica de Assistência Social e visam ao pagamento de auxílio por natalidade ou morte, ou para atender necessidades advindas de situações de vulnerabilidade temporária, com prioridade para a criança, a família, o idoso, a pessoa com deficiência, a gestante, a nutriz e nos casos de calamidade pública. Os benefícios eventuais integram organicamente as garantias do Sistema Único de Assistência Social – SUAS DECRETO Nº 6.307, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2007.) Embora não estejam explicitamente definidos na LOAS, os Benefícios Assistenciais constituem, na história da política social moderna, a distribuição pública de provisões materiais ou financeiras a grupos específicos que não podem, com recursos próprios, satisfazerem suas necessidades básicas. Trata-se de um instrumento protetor diferenciado sob a responsabilidade do Estado que, nos termos da LOAS, não tem um fim em si mesmo, posto que se inscreve em um espectro mais amplo e duradouro de proteção social, do qual constitui a providência mais urgente. (Pereira, 2010, p. 11) Importante observar que o não ter fim em si mesmo nos remete ao preconizado no Protocolo de Gestão integrada: articular, necessariamente, benefícios e serviços. Sendo imprescindível (re)conhecer as necessidades e demandas, bem como promover o acesso aos benefícios eventuais a partir da oferta do trabalho social com famílias. No âmbito dos benefícios eventuais, no que se refere aos das vulnerabilidades temporárias (onde a cesta básica, na realidade da maioria dos municípios, é incluída) – foco deste texto, na prática, os trabalhadores do SUAS deparam com um fator que agrava ainda mais a tensão entre a demanda e a oferta dos benefícios, pois sabe-se que a contingência social, que força as famílias a recorrerem ao Estado para a provisão da segurança alimentar para seus membros, não são temporárias. Sim, a pobreza e principalmente a extrema pobreza são crônicas em várias regiões do país e costumo dizer que eventual elas não têm nada, pois tal situação são transgeracionais. Provocando assim, um descompasso entre a legislação e a realidade enfrentada na execução da política pública de assistência social. Cenários da oferta dos Benefícios eventuais A partir da análise das questões que me chegaram e das observadas durante a realização de capacitações e supervisão, gostaria de elencar algumas situações diagnósticas quanto a gestão e a oferta dos BE, entendendo que este cenário é também o gerador de tanta tensão e confusão na oferta dos benefícios – ressalto que não se trata de uma generalização, portanto, se o seu município é avançado quanto a esta questão nos conte aqui para que possa inspirar outros profissionais. 1. Previsão orçamentária insuficiente ou nula para sua provisão; 2. Atendimento sem diagnóstico social quanto a demanda – desconhecimento das situações crônicas de desproteções sociais – consequência da falta de implementação da vigilância socioassistencial; 3. Desconhecimento e/ou desarticulação com o SISAN – Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional; 4. Cesta básica tratada como benefícios eventuais da modalidade de situações de vulnerabilidade temporária. 5. Falta de regulamentação sobre a provisão de Benefícios Eventuais, ou regulamentações atuais pautadas em conceitos retrógrados quanto a oferta dos benefícios, um exemplo são leis municipais atuais que desconsideram a profissionalização da gestão e operacionalização da rede socioassistencial após o SUAS; 6. Benefícios apartados da lógica do direito social, sendo confundidos como a materialização ou manutenção do assistencialismo; 7. Benefícios como “sinônimos” de assistência social; 8. Confusão sobre a gestão e operacionalização dos benefícios (consequência da confusão acerca das atribuições da gestão e das unidades dos serviços do SUAS); 9. Falta de implantação da Política de Educação Permanente no SUAS; 10. Leis Municipais que ao preconizar a elaboração de parecer social como critério de acesso ao BE mantêm a perversa lógica, com chancelamentos técnicos, que (des) qualificam e “classificam”, validam ou não as vozes vítimas da desigualdade social. Se é um direito reclamável não deveria ser atravessado por barreiras/filtros transvestidas em critérios de acesso, cujo objetivo implícito é o denunciado por Donzelot – o que já abordei no texto sobre Visita Domiciliar – “Indicar os meios para reconhecer a verdadeira indigência e tornar a esmola útil aos que a dão e aos que a recebem”. 11. Falta de atuação do
Precisamos falar sobre a cesta básica

Por Tatiana Roberta Borges Martins[1] A cesta básica de alimentos é uma velha conhecida da política de assistência social, ela existe desde as primeiras formas de prestação de auxílio à população e observo que, pelo menos entre as/os assistentes sociais, existe uma relação espinhosa com esta provisão, talvez pelo reducionismo do senso comum, que classifica a avaliação socioeconômica para concessão de benefícios como a única atribuição desta profissão, mas, sobretudo, pelo viés de caridade e moeda de troca que a cesta básica carrega ao longo da história e que a política de assistência social procura romper ao pautar benefícios socioassistenciais como direito de quem necessita. Não pretendo problematizar neste espaço sobre qual trabalhador/a do Sistema Único de Assistência Social/SUAS deve conceder a cesta básica para o cidadão, deixo esta tarefa para a Rozana Fonseca (risos), a intenção é realizar uma reflexão de como todos nós, que atuamos nesta política pública, nos relacionamos com esta forma de oferta que, segundo os dados oficiais[i], é a maior concessão referenciada como benefício eventual na assistência social. Além disso, sabendo que, em nossa sociedade, a doação de alimentos ainda se configura como uma prática ligada à religiosidade dos “cidadãos de bem” que tem o dever de praticar esmolas para ficarem em paz com suas consciências, proponho uma breve, mas indispensável análise, de como o poder público trata a questão da oferta de alimentação: também como um favor ou como um direito humano fundamental e universal?[ii] Recentemente, no espaço de educação permanente da região[iii] em que atuo, tivemos a presença da brilhante pesquisadora da temática “benefícios eventuais”, Drª. Gisele Bovolenta, que trouxe a tona antigas inquietações acerca do tema e as provocações que efetuo aqui são baseadas em seus textos, os quais recomendo a todas/os trabalhadoras/es da área conhecê-los. Os benefícios eventuais na assistência social A Política Nacional de Assistência Social/PNAS quando define que sua principal função é a proteção social está incluindo a integração de serviços e benefícios socioassistencias, o que engloba o benefício eventual como parte das seguranças sociais, mais especificamente a segurança de sobrevivência/renda. No entanto, é evidente que os avanços obtidos no SUAS não abrangeram, de forma significativa, os benefícios eventuais. Gisele Bovolenta (2017) afirma que os benefícios eventuais estão nominados na Lei Orgânica de Assistência Social/LOAS, mas ainda não foram conceituados, ou seja, não existem muitos estudos e nem muitos indicativos de quais os tipos e espécies de benefícios de vulnerabilidade temporária devem ser ofertados pela assistência social, se estes benefícios devem ou não ser pagos em pecúnia, ou qual o local apropriado para a entrega, tampouco há precisão sobre as formas de gestão, regulamentação e financiamento destas provisões. A pouca atenção dos municípios com esta parte da proteção social e principalmente a negligência da maioria dos estados contribuem para a manutenção da visão das pessoas que solicitam estes benefícios como carentes, desvalidas, coitadas, folgadas, acomodadas, entre outros termos pejorativos que se distanciam da noção de cidadãos de direitos. A ausência de regulamentação posterior a LOAS e demais normativas nacionais levou a uma operacionalização desorganizada dos benefícios eventuais, mais identificada com ações sociais isoladas de caráter assistencialista e clientelista do que com uma política pública cuja centralidade é o Estado (união, estado e município). Dito em outras palavras, a falta de interesse em regulamentar os benefícios eventuais e aproximá-los do campo de direitos juridicamente reclamáveis (como o BPC) tem a ver com as vantagens obtidas nas ações paternalistas e eleitoreiras. “A cesta básica é a água com açúcar na assistência social” Ouvi esta frase da Profª. Aldaísa Sposati em um espaço de formação que participei e imediatamente concordei e até me lembrei de momentos que, inconscientemente, também utilizei este “chazinho” nos atendimentos do famigerado “plantão social”. Ou seja, a afirmação é que a cesta básica é usada como um “calmante” quando não sabemos como lidar com as situações que emergem no cotidiano da prática profissional no SUAS, mas queremos amenizar de alguma forma o sofrimento do cidadão. Assim, a resposta do poder público para diferentes demandas é sempre a mesma: provisão de alimentos, isso quando há resposta, o que acaba por maquiar as reais desproteções sociais e violações de direitos existentes. Como a demanda se apresenta, por vezes, complexa, a concessão de cesta básica parece aliviar e confortar as adversidades vividas. Como o Estado se propõe a ser mínimo para a área social, prover alimentação, enquanto indispensável para a sobrevivência humana, parece ser o lenitivo necessário para que o indivíduo supere por si só a situação vivenciada. Por vezes, o que se observa é uma provisão pontual, isto é, o cidadão não é acompanhado ou mesmo encaminhado em suas necessidades aos serviços socioassistenciais complementares e necessários. (BOVOLENTA, 2017, p.509) Diante desta reflexão, é incoerente a reclamação de que os usuários só aparecem na assistência social atrás de cestas básicas, mesmo isso sendo um fato, porque se analisarmos bem, a mínima presença do Estado na vida de grande parte dos pobres historicamente foi esta: provisão de alimentos, sem demais serviços integrados. Já ouvi histórias de sorteios de cestas básicas para que os usuários participem de reuniões e depois querem reclamar quando eles aparecem no CRAS pedindo alimentos? Penso que temos que adotar um olhar crítico sobre as ofertas de serviços e benefícios públicos, antes de afirmarmos que os usuários não aderem às ações. E o poder público aderiu aos serviços, programas e benefícios de assistência social? E nós profissionais, de fato aderimos ao modelo do sistema proposto? Cesta Básica é mesmo um benefício eventual? Outro ponto importante e que nos faz pensar é se uma necessidade contínua de uma família à alimentação pode ser considerada eventual, baseada no conceito de vulnerabilidade temporária ou pontual. Acredito que não. Pois, se afirmamos, com tanta convicção, que são as mesmas famílias que sempre solicitam a cesta básica na prefeitura, não se trata de uma vulnerabilidade passageira, mas sim de vulnerabilidade social ou de situação de pobreza que é reflexo do contexto social, econômico, político e cultural do país e que não se resolve rapidamente,
OS POSTS MAIS INTERESSANTES DE 2017

Olá pessoal, Considerando que o Blog está sempre recebendo novos visitantes, que Janeiro é o mês de retomada dos serviços pós recesso e que os acervos publicados anteriormente são motivos de várias perguntas (muitos não conseguem localizar as publicações dos meses/anos anteriores), eu uso o mês de Janeiro para repostar as postagens/textos na nossa página no Facebook. Eu priorizo aqueles que obtiveram maior número de acessos ao longo de 2017. Espero que para quem sempre acessa e acompanha as postagens do Blog compreenda as (re)notificações e espero que este mês não seja tão enfadonho, até porque acredito que é sempre bom retomar algumas leituras e quem sabe contribuir com as postagens para que elas possam ser atualizadas. Para os que estão chegando agora, espero que aproveitem o material e que os mesmos possam auxiliar os trabalhos neste novo ano, mas já cheio de desafios para a manutenção e aprimoramento dos direitos sociais no âmbito do SUAS. À medida que eu for repostando, vou fazer update neste post para deixar os links dos textos/Post e assim vocês poderão acompanhar todas as publicações em um único lugar quando findar este mês. P.s. Algumas postagens podem necessitar de atualizações devido a data original de publicação – assim, caso tenha alguma sugestão e/ou contribuições a acrescentar, deixe nos comentários. Eu não republicarei na ordem de acessos porque achei melhor organizar por temas – mas os posts foram selecionados numa lista dos 50+ (lembrando que não são apenas os textos de 2017) Em fevereiro voltamos com os Post inéditos! Lista dos posts mais acessados de 2017 Para facilitar a leitura e ficar mais proveitoso o acesso, eu organizei as publicações por temas: semana 1 – Composição e Funções das equipes de referência e coordenação Semana 2 – Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos Semana 3 – Textos sobre a prática nos serviços socioassistenciais Semana 4 – Textos das colaboradoras do Blog Lembrando que as postagens serão pelo facebook (assim mantemos nossos arquivos organizados por aqui). Como compor as equipes de referência dos CRAS, CREAS e alta complexidade: https://craspsicologia.wordpress.com/2014/01/19/como-compor-as-equipes-de-referencia-dos-cras-creas-e-alta-complexidade/ Funções da coordenação das unidades do SUAS https://craspsicologia.wordpress.com/2016/01/11/funcoes-da-coordenacao-das-unidades-do-suas/ Ações e atribuições das equipes de referência do CRAS/PAIF: https://craspsicologia.wordpress.com/2015/08/10/acoes-e-atribuicoes-das-equipes-de-referencia-do-craspaif/ Funções do técnico de nível médio e fundamental no SUAS:https://craspsicologia.wordpress.com/2014/04/22/funcoes-do-tecnico-de-nivel-medio-e-fundamental-no-suas/ Materiais para ações socioeducativas e de convivência com crianças e jovens:https://craspsicologia.wordpress.com/2013/04/27/acoes-socioeducativas-e-de-convivencia-com-criancas-e-jovens/ 03 cadernos para estruturação de proposta político-pedagógica para os SCFV https://craspsicologia.wordpress.com/2016/07/20/03-cadernos-para-estruturacao-de-proposta-politico-pedagogica-para-os-scfv/ Sobre as oficinas no SCFV – “O que é o CRAS segundo o Facebook”:https://craspsicologia.wordpress.com/2015/06/01/sobre-as-oficinas-no-scfv-o-que-e-o-cras-segundo-o-facebook/ 15 teses sobre a oferta do SCFV:https://craspsicologia.wordpress.com/2016/07/19/15-teses-sobre-a-oferta-do-scfv/ Acesse a página para acompanhar as Postagens! Boa leitura e um excelente trabalho a todas e todos!
Pedagogia no SUAS

…Artigos, textos e Cartilha para download! Como profissionais da pedagogia sempre me pedem materiais referentes a prática do pedagogo no SUAS, disponibilizo aqui alguns materiais que tenho em meus arquivos para que vocês possam ter acesso aos mesmos com mais facilidade e poder organizar uma leitura e estudos sobre a pedagogia social nas proteções básica e especial da Assistência Social. 1 – Cartilha Prática Pedagógica na Assistência Social: Fortalecendo o processo de inclusão social através dos CRAS – Secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania – PE – Elaboração Lídia lira 2 – EDUCAÇÃO NÃO FORMAL: a atuação do pedagogo no contexto do Centro de Referência de Assistência Social de Sinop – MT – Autora: Vanuza Tatiani Lourenço- Revista Eventos Pedagógicos – Desigualdade e Diversidade étnico-racial na educação infantil 3 – “Pedagoga na assistência social? ”: um relato de experiência sob a perspectiva da educação popular Autora: Elismária Catarina Barros Pinto 4 – Trabalho pedagógico realizado no PETI: desafios e perspectivas de uma atuação multifacetada na contemporaneidade Autores: Geisa Pereira Gomes, Janyne Barbosa de Souza e Tamires Silva de Souza 5 – Pedagogos e a pedagogia social: quais possibilidades? Autores: Fernando Guimarães Oliveira da Silva e Valdeci Luis Fontoura dos Santos Boa leitura!!
Violação de Direitos no âmbito do SUAS: E os autores de violência, onde cabem?

Por Lívia de Paula* No mês de maio deste ano, discutimos aqui neste espaço algumas questões concernentes ao nosso fazer enquanto trabalhadores do SUAS frente às situações de violência sexual infanto-juvenil – Leia aqui ⇒Violência Sexual Infanto-Juvenil no SUAS: das demandas de urgência ao “urgente” repensar do nosso fazer Apontamos a cautela que se faz necessária no trabalho de acompanhamento de tais situações, especialmente no que diz respeito às solicitações de averiguação da veracidade dos fatos relatados pelas famílias e indivíduos por nós atendidos. Também mencionamos que a urgência de punição dos autores das violações, algo que é assunto bastante comum nos corredores dos equipamentos da Proteção Social Especial – PSE, não necessariamente conduz a um processo de responsabilização dos mesmos. Partindo destes dois aspectos, tentaremos hoje pensar um pouco a respeito do lugar que as pessoas autoras de violência têm ocupado em nossas concepções sobre a Política de Assistência Social e em nossa prática nos serviços. Cremos que esta reflexão é um convite importante para os profissionais da PSE, mas que também se revela agregador para aqueles que atuam na Proteção Social Básica – PSB. O documento “Orientações Técnicas: Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS”, publicado em 2011, pelo Ministério do Desenvolvimento Social – MDS, deixa claro, em vários trechos, que o papel dos técnicos deste equipamento não deve ser confundido com o papel das equipes dos órgãos de defesa e responsabilização. O SUAS não pode configurar-se como um espaço de apuração de denúncias de violação de direitos. Sendo assim, as ações investigativas em relação aos autores de violência não compõem nossas atribuições. Sabemos disso e sabemos também da nossa luta incansável para que este entendimento chegue aos mais diversos órgãos com os quais nos relacionamos, especialmente a órgãos como: Conselhos Tutelares, Ministério Público, Delegacias, Poder Judiciário, entre outros. Estando claro que os equipamentos da Assistência Social não devem se constituir enquanto espaços de averiguação e muito menos de punição dos autores das violações, fica a pergunta: Isso significa dizer, então, que essas pessoas não cabem no SUAS? No que tange ao nosso trabalho de prevenção, proteção e defesa de direitos, não há lugar para eles? Até o momento, me parece que não temos nos dedicado a pensar sobre isso. Sempre que tratamos do tema, os relatos de experiências de trabalho, nos serviços da Política de Assistência Social, envolvendo autores de violência é escasso. Se pensarmos nas violações contra idosos ou contra mulheres, ainda encontramos algumas tímidas narrativas. Mas se adentrarmos na especificidade das violências de cunho sexual, provavelmente será difícil encontrarmos notícias sobre este tipo de prática. Aproveito, então, para convidar vocês, leitores do Blog, a nos contar caso conheçam alguma prática, na esfera do SUAS, que tenha este foco. E quais os motivos de estarmos tão focados nas vítimas, relegando o cuidado aos autores de violência à invisibilidade? Não fazem eles parte das famílias que acompanhamos? Creio ser bastante pertinente refletirmos sobre estes pontos se estivermos de fato comprometidos com o enfrentamento das situações de violência, qualquer que a sua tipologia (violência contra a mulher, violência infantojuvenil, violência de gênero, entre outras). Entendendo que este é um tema que nos desafia, considero primordial, para esta reflexão, começarmos pensando sobre nossa visão a respeito da relação vítima-agressor, buscando identificar nossos valores e possíveis preconceitos. Através de tal identificação, será possível deixarmos de lado interpretações pré-concebidas que podem representar empecilhos para uma prática que se efetive realmente engajada com a ruptura dos ciclos de violência nos contextos familiar e comunitário dos usuários que atendemos. Além desse aspecto pessoal, é essencial considerarmos a possibilidade de não estarmos devidamente qualificados para a atuação junto a este público. Não há como negar que esta é uma prática que pode nos tirar da nossa zona de conforto, convocando-nos à reinvenção de nosso modo de trabalho. Entendemos que não é tarefa simples pensar em trazer os autores de violência para a “roda” do SUAS. Mas quando pensamos em desistir diante do quão árdua se faz a proposta, surgem dois questionamentos que nos convocam a encarar a empreitada: O que estamos dizendo quando deixamos de compreender a experiência da violação também pelo viés do seu autor? Quais as implicações da invisibilidade do cuidado aos autores de violência no âmbito do SUAS para nosso propósito de ruptura dos ciclos de violações, nas famílias e territórios acompanhados por nossos equipamentos? A meu ver, ainda se faz distante vislumbrarmos algum avanço no que concerne a esta temática. As possibilidades e caminhos ainda nos parecem imensamente obscuros. Mas espero que este texto possa nos despertar para esta questão, tão esquecida em nosso dia a dia de trabalho. Para nos inspirar um pouco mais, compartilho duas instituições que atuam desenvolvendo projetos relacionados à prevenção e enfrentamento das situações de violência, nos quais também são foco os autores dessas situações: o Instituto Noos (Rio de Janeiro) e o Instituto Albam (Belo Horizonte). Acessem os sites, conheçam o trabalho por eles desenvolvido. Quem sabe algum de nós não será inovador em alguma iniciativa parecida na esfera da Política de Assistência Social? Referências Bibliográficas: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Orientações Técnicas: Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS. Brasília, 2011. Imagem inserida pela Editora do Blog: “Judite decapitando Holofernes” de Artemisia Gentileschi. Disponível em:http://www.bbc.com/portuguese/geral-38594660 acessado em 07/09/2017. Veja como citar este texto: ⇒Download do Texto em pdf: Violação de Direitos no âmbito do SUAS: E os autores da violência, onde cabem? Por Lívia de Paula —*Lívia de Paula é Psicóloga do CREAS de Itaúna/MG e colabora mensalmente com o Blog Psicologia no SUAS. Para ler os demais textos da Lívia: Clique aqui
O advogado na equipe do CREAS
Compartilhando o material Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS): O Advogado na Equipe de Referência produzindo pela Comissão de Assistência Social da OAB-SC (CAS/OAB/SC). É um material que deve interessar a todos os profissionais e gestores do SUAS, provocando um debate para maior assertividade da atuação dos profissionais do direito no SUAS. Veja mais sobre o documento de acordo com os organizadores: “O documento apresenta os resultados do levantamento realizado pela Comissão de Assistência Social da OAB-SC (CAS/OAB/SC) junto aos 87 (oitenta e sete) Centros de Referência Especializados de Assistência Social de Santa Catarina (CREAS/SC), com o objetivo de conhecer a realidade desses equipamentos, especialmente quanto à inserção e atribuições do Advogado, tendo em vista que, a partir da NOB/RH/SUAS, este profissional passou a integrar as equipes de referência de Assistência Social. O referido levantamento foi realizado no período de fevereiro a agosto de 2015, e a sistematização das informações obtidas compõem o presente documento, organizado de forma a contemplar todos os quesitos inclusos na pesquisa”. (Apresentação) Download: Advogado no CREAS Boa leitura! COMISSÃO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL- OAB/SC ZAGO, Arlete Carminatti (Org); OLIVEIRA, Heloísa.M.J; LEÃO, Paula C.L.; FREITAS, Rosana de C.M; KRUEGER, Paola G.E.; WOHLKE Roberto; ABREU FILHO, Hélio; FERRER, Elisabeth B.S.B; CÓRDOVA, Ismael; SANTOS, Igor S. Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS): O Advogado na Equipe de Referência.Florianópolis/ Santa Catarina: CAS/ OAB/SC, out. 2015.
Autonomia profissional e o trabalho no CREAS

Por Thaís Gomes * A motivação para escrever este texto surgiu a partir de diversas inquietações sobre o trabalho no SUAS, sobre intersetorialidade, sobre os avanços e recuos na política de assistência social e sobre o desgaste a que estamos submetidos quase que diariamente, especialmente no que se refere a autonomia profissional neste âmbito – um incômodo daqueles que ativam a gastrite – brincadeiras a parte, o sentimento é de que precisamos matar um leão por dia. Sabemos que em nossos locais de trabalho estamos lidando com diversas realidades e especificidades, seja no perfil do município e do público-alvo da política, da gestão, na quantidade e qualidade da oferta dos serviços, na relação com as demais políticas setoriais e órgãos de garantia/defesa de direitos e tudo isso vai impactar de alguma forma a nossa prática profissional. Com este texto convido-os a refletir sobre como tem se dado a relação entre a autonomia profissional, os princípios éticos das profissões que compõe o SUAS, o escopo da política de assistência social e as solicitações de relatórios que são feitas aos equipamentos especialmente pelos órgãos do sistema de justiça. No que diz respeito a autonomia profissional, trabalharei na perspectiva de que esta se manifesta no arcabouço legal normativo da profissão, no caso do Serviço Social como um direito do Assistente Social, expresso no Código de Ética da profissão em seu artigo 2º, alínea h) ampla autonomia no exercício da profissão, não sendo obrigado a prestar serviços profissionais incompatíveis com as suas atribuições, cargos ou funções; e que tem suas atribuições e competências claramente definidas na Lei 8662/93 – Lei de Regulamentação da Profissão. Cabe destacar que extrapola os objetivos desta reflexão um aprofundamento teórico da discussão de autonomia profissional dentro do Serviço Social, para quem se interessar em aprofundar um pouco mais sobre o tema deixo como sugestão o artigo “A relativa autonomia do assistente social na implementação das políticas sociais: elementos explicativos” de Vera Maria Ribeiro Nogueira e Silvana Marta Tumelero. (1) Dito isto, vamos ao que se propõe esta breve reflexão. A NOB-RH/SUAS refere, no que diz respeito aos princípios éticos para os trabalhadores da assistência social, que “a Assistência Social deve ofertar seus serviços com o conhecimento e compromisso ético e político de profissionais que operam técnicas e procedimentos impulsionadores das potencialidades e da emancipação de seus usuários”, além de esclarecer também que “os princípios éticos das respectivas profissões deverão ser considerados ao se elaborar, implantar e implementar padrões, rotinas e protocolos específicos, para normatizar e regulamentar a atuação profissional por tipo de serviço socioassistencial.” Trazendo essa reflexão sobre autonomia profissional e os princípios éticos do trabalho na política de assistência social para o âmbito da proteção social especial de média complexidade, especificamente para o CREAS, apresento algumas pontuações relativas a seu papel no SUAS e na rede de atendimento para posteriormente apresentar as reflexões relativas a autonomia profissional neste contexto. Sabe-se que o CREAS é o equipamento de referência na oferta de trabalho social especializado de caráter continuado a família e indivíduos em situação de risco pessoal ou social, pela ocorrência de violação de direitos. O papel do CREAS e suas competências enquanto órgão da política de assistência social fazem parte de um arcabouço de leis e normativas que fundamentam e definem esta política social e regulam o SUAS, desse modo, devem ser compreendidos a partir da definição da finalidade/objetivos da política do SUAS, ou seja, afiançar seguranças socioassistenciais, na perspectiva de proteção social, conforme descrito nas orientações técnicas do CREAS. O caderno de orientações destaca ainda a importância de se compreender e delimitar quais as competências do CREAS para o desempenho efetivo de seu papel enquanto equipamento do SUAS, para que seja possível elucidar qual seu papel e buscar fortalecer a sua identidade na rede intersetorial e também evitar a incorporação de demandas que competem a outros serviços ou equipamentos da rede socioassistencial, de outras políticas setoriais ou mesmo de órgãos de defesa de direitos. Desse modo, expressa ainda que ao CREAS não cabe “I) ocupar lacunas provenientes da ausência de atendimentos que devem ser ofertados na rede pelas outras políticas públicas e/ou órgãos de defesa de direitos; II) ter seu papel institucional confundido com o de outras políticas ou órgãos, e por conseguinte, as funções de sua equipe com a de equipes interprofissionais de outros atores da rede, como, por exemplo, da segurança pública (delegacias especializadas, unidades do sistema prisional, etc), órgãos de defesa e responsabilização (poder judiciário, ministério público, defensoria pública e conselho tutelar) ou de outras políticas (saúde mental, etc) e por fim III) assumir a atribuição de investigação para a responsabilização dos autores de violência, tendo em vista que seu papel institucional é definido pelo papel e escopo de competências do SUAS” (p.26,27). Porém, como vemos, ainda que esteja claramente delimitado qual é o papel institucional do CREAS e qual é o tipo de trabalho a ser desenvolvido neste equipamento, em nosso cotidiano profissional é muito comum nos depararmos com situações nas quais somos chamados a elaborar relatórios com objetivos que não coincidem com os objetivos do trabalho social na proteção social especial. Vale ressaltar que isto vem sendo recorrente também no âmbito da proteção social básica, conforme tenho visto nos relatos dos profissionais. De acordo com o caderno de orientações técnicas a elaboração de relatórios sobre os atendimentos e acompanhamento das famílias e indivíduos constitui uma importante competência do CREAS, ressaltando que estes não devem se confundir com a elaboração de laudos periciais, relatórios ou outros documentos que possuam finalidade investigativa que constituem atribuição das equipes interprofissionais dos órgãos do sistema de defesa e responsabilização. Quando ocorrer a solicitação é necessário que seja resguardado o disposto nos códigos
Caderno de Orientações Técnicas do Serviço de Proteção Social Básica no Domicílio para PCD e Idosas
Download ⇒ Caderno de Orientações Técnicas do Serviço de Proteção Social Básica no Domicílio para Pessoas com Deficiência e Idosas Sobre o Serviço (Tipificação – 2009) O serviço tem por finalidade a prevenção de agravos que possam provocar o rompimento de vínculos familiares e sociais dos usuários. Visa a garantia de direitos, o desenvolvimento de mecanismos para a inclusão social, a equiparação de oportunidades e a participação e o desenvolvimento da autonomia das pessoas com deficiência e pessoas idosas, a partir de suas necessidades e potencialidades individuais e sociais, prevenindo situações de risco, a exclusão e o isolamento. O serviço deve contribuir com a promoção do acesso de pessoas com deficiência e pessoas idosas aos serviços de convivência e fortalecimento de vínculos e a toda a rede socioassistencial, aos serviços de outras políticas públicas, entre elas educação, trabalho, saúde, transporte especial e programas de desenvolvimento de acessibilidade, serviços setoriais e de defesa de direitos e programas especializados de habilitação e reabilitação. Desenvolve ações extensivas aos familiares, de apoio, informação, orientação e encaminhamento, com foco na qualidade de vida, exercício da cidadania e inclusão na vida social, sempre ressaltando o caráter preventivo do serviço Para BAIXAR a Tipificação, clique Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais – Reimpressão 2013
Profissionais do SUAS: Qual a bandeira que nos une?
Por Lívia de Paula* BAIXAR texto em .pdf: Buscando conhecer melhor e qualificar o trabalho dos profissionais do SUAS do Centro-Oeste mineiro, principalmente no que se refere à prática das (os) psicólogas (os), a Comissão de Psicologia e Política de Assistência Social do CRP-MG realizou no último mês de junho, na cidade de Divinópolis, o 1º Seminário Regional dos Trabalhadores do SUAS. Muitas foram as questões suscitadas neste evento, e creio que várias delas poderiam resultar em textos aqui para o Blog. Quem acompanha este espaço há algum tempo, provavelmente já notou que procuro trazer para cá questionamentos que de alguma forma me tocaram a ponto de considerá-los relevantes para serem compartilhados com vocês, colegas da Política de Assistência Social. E é com esta proposta que resolvi escrever hoje sobre um assunto levantado no referido Seminário, que me inquietou de forma bastante provocativa. Como na maioria dos eventos que tratam do SUAS, a grande maioria das dúvidas da plateia girava em torno da identidade profissional da Psicologia na Assistência Social e dos desafios da interdisciplinaridade. Com o propósito de ampliar estas discussões, o conselheiro do CRP-MG, Felipe Tameirão, trouxe algumas importantes considerações e, ao final delas, questionou às palestrantes qual consideravam ser a bandeira que unia os profissionais do SUAS. Na ocasião, a resposta faltou às convidadas da mesa e, acredito eu, faltou a todos nós, participantes daquele evento. Após o término da atividade, a conversa prosseguiu nos corredores e permanecemos na dúvida. Levei o questionamento para casa e aqui estou eu, compartilhando com vocês. Diante da complexidade da pergunta, vamos à procura de alguma direção. O SUAS é bastante amplo, conjuga vários objetivos. Temos a Proteção Social Básica (PSB) e a Proteção Social Especial (PSE). A PSE é dividida em média e alta complexidade. Cada equipamento destas proteções exige de seus técnicos conhecimentos específicos, relativos às suas funções dentro do que é proposto pela política. Essa especificidade, a meu ver necessária para organização dos serviços, pode, dependendo da forma como é compreendida, nos apartar e nos distanciar. É comum ouvirmos a seguinte pergunta: é CRAS ou é CREAS? Os técnicos se olham e a resposta parece distante. Atendendo ao pedido de uma leitora fiel, a relação entre estes equipamentos será tema de um texto a ser publicado aqui nos próximos meses. Por ora, o que se mostra pertinente é pensar sobre o que nos diferencia, e por vezes nos aparta, tentando descobrir o que nos une. A Política Nacional de Assistência Social (PNAS, 2004) nos informa que os objetivos da PSB são alicerçados na prevenção de situações de risco, por intermédio de um trabalho que fortaleça os vínculos familiares e comunitários e que desenvolva o potencial das famílias por nós atendidas. Já no que tange à PSE, o mesmo documento assinala que esta é dirigida às famílias e indivíduos que já se encontram em situações de risco pessoal e social, buscando traçar estratégias que contribuam para uma transformação na vida e nas relações do público atendido. Por este pequeno recorte, apontamos a linha tênue que nos diferencia e que delineia as atividades concernentes à cada uma das Proteções Sociais. A pergunta que continua então é: o que nos reúne? Qual é o nosso grito comum? A querida colega Tatiana Borges nos traz ótimas indicações que podem nos ajudar a responder nosso questionamento em sua última colaboração neste espaço, na qual ela discute os direitos humanos e o trabalho dos profissionais do SUAS – “Cadê o pessoal dos direitos humanos? ” Está no SUAS!. A discussão que ela propõe aponta claramente para a “defesa intransigente dos direitos socioassistenciais”, princípio ético orientador da nossa atuação, conforme a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos (NOB-RH/SUAS, 2006) preconiza. Além da defesa de direitos, a mesma norma também diz o seguinte: A Assistência Social deve ofertar seus serviços com o conhecimento e compromisso ético e político dos profissionais que operam técnicas e procedimentos impulsionadores das potencialidades e da emancipação de seus usuários; (p.19) Conjugando as provocações feitas por Tatiana Borges em seu texto com este trecho da NOB-RH, temos alguns termos sinalizadores, que podem iluminar a questão que orienta nossa discussão de hoje: defesa de direitos; compromisso ético e político; potencialidades; emancipação. A partir deles, é necessário que nos façamos algumas perguntas: estamos direcionando nosso trabalho conforme nos sinalizam estes termos e conforme nos orientam os documentos norteadores da Política de Assistência Social? Saímos da lógica da caridade? O que temos hasteado em contraposição à benevolência, característica ainda tão presente nas práticas deste campo? Como construir, a partir dos termos aqui indicados, uma bandeira comum a todos os trabalhadores do SUAS? Qual é a nossa voz enquanto coletivo? Talvez a construção desta bandeira, a partir da qual todos os profissionais da Política de Assistência Social possam se sentir identificados e representados como grupo, pareça tarefa difícil, já que somos muitos, de variadas categorias profissionais e distintas formações. Porém, talvez também seja essa tarefa que vai tornar possível aquilo que almejam os que se reconhecem como peças fundamentais para as engrenagens do SUAS: o fortalecimento da Assistência Social enquanto uma política de proteção, promoção e defesa dos direitos socioassistenciais. Sendo assim, não nos esqueçamos de continuar os nossos diálogos. Não releguemos essa pauta a segundo plano. Que cada um traga sua linha para essa costura. Que teçamos, fio a fio, o nosso estandarte. É ele que nos fortalecerá enquanto grupo. É ele que nos conduzirá rumo à Assistência Social que queremos. Para finalizar, deixo para vocês as palavras de Vasconcelos (2005), que ilustram de modo provocador o desafio da construção de uma luta coesa no âmbito do SUAS: […] a estrutura mais geral dos mandatos sociais das profissões, a competição inter-corporativa e a formação universitária geralmente tendem a assumir uma lógica corporativista, de saberes especializados e exclusivos, como forma de preservar o capital simbólico e as atribuições privativas, na luta competitiva com as demais profissões. Muitas vezes, o resultado disso é que é deixada aos próprios profissionais a árdua tarefa de reunir os cacos das
SUAS e Conselho Tutelar: para que serve a crítica?

Por Lívia de Paula* No contexto de trabalho da Proteção Social Especial, especificamente nos acompanhamentos que envolvem violação de direitos contra crianças e adolescentes, um dos nossos parceiros mais importantes é o Conselho Tutelar. É bastante comum em capacitações, encontros e rodas de conversa dos profissionais do SUAS ouvirmos falas, as mais variadas, sobre a relação que é estabelecida com este órgão e sobre como esta relação tem impacto sobre as ações que desenvolvemos. Tais falas vão desde críticas ferrenhas à forma de funcionamento e posicionamento dos conselheiros até inquietações e reflexões sobre quais as possibilidades de se estabelecer um trabalho de efetiva parceria. É sobre isto que vamos dialogar neste texto. Pensem aí: como vocês têm olhado para o(s) Conselho(s) Tutelar(es) do seu município? Qual é a sua visão sobre os profissionais que ali trabalham? Vamos começar a conversa tentando compreender um pouco quais são as atribuições do Conselho Tutelar, segundo o Estatuto da Criança e Adolescente (Lei 8069, de 13 de julho de 1990). De acordo com o ECA, em seu artigo 131: “O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta lei”. Como órgão permanente e autônomo, não pode ter seu trabalho descontinuado em nenhuma hipótese. É importante ressaltar que, apesar de ser um órgão público municipal, o Conselho Tutelar não é subordinado a nenhuma secretaria ou outra instância, sendo independente para aplicar as medidas de proteção que lhe competem e que estão elencadas no art. 136 do ECA[i]. Suas deliberações só podem ser revistas pela autoridade judiciária, conforme redação do artigo 137 do mesmo estatuto.[ii] Através desta pequena amostra de alguns aspectos que definem o trabalho dos Conselhos Tutelares, vemos o quanto a tarefa destes profissionais é de grande responsabilidade e impacto na vida das crianças, adolescentes e de suas famílias. Por isso, boa parte das críticas que ouvimos têm sua justificativa pautada na falta de qualificação daqueles que assumem esta função e do quanto este trabalho exercido de forma pouco preparada pode, ao invés de proteger, acabar contribuindo para a perpetuação das situações de violação contra crianças e adolescentes. Poderíamos falar aqui também de vários outros pontos, que nos preocupam no que tange ao trabalho destes órgãos: falta de planejamento das ações, sobrecarga de tarefas, ausência de condições mínimas de trabalho (local adequado para atendimento, veículo e outros equipamentos necessários para garantir uma atuação eficaz, respeitosa e ética), entre outros. Porém, não vamos nos ater a isso, pois a proposta da nossa conversa aqui é outra: agora que já consultamos o Estatuto da Criança e Adolescente e já nos informamos um pouco a respeito do trabalho do nosso parceiro, vamos pensar qual pode ser a nossa contribuição nesta história? Estamos falando de parceria. Parceria é trabalhar com. E aí, eu me pergunto: quando procuramos o Conselho Tutelar, qual é o nosso objetivo? Creio ser esta uma indagação imprescindível para refletirmos sobre como podemos estabelecer um trabalho intersetorial. Será que, quando pensamos em acionar este órgão, estamos dispostos a conhecer e a compreender o trabalho e os desafios que o(s) Conselho(s) Tutelar(es) enfrentam em sua rotina? Infelizmente, o que vejo na prática é algo muito distante disto: serviços que não se comunicam, profissionais que não se entendem e que não se mostram abertos a ouvir quaisquer pontuações que pareçam divergentes das suas. Como resposta a estes ruídos comunicacionais, sobram críticas aos serviços e aos profissionais que deveríamos ter como nossos principais parceiros. Sabemos que o Conselho Tutelar figura entre os primeiros da lista dos equipamentos mais criticados e mais apontados como incompetentes por nós, técnicos da Política de Assistência Social. Você, caro leitor, pode estar aí pensando: mas tem muita coisa errada mesmo, como não criticar? Porém, a questão que me interessa aqui é como temos nos utilizado dessas críticas em nossa atuação. Até então, tenho visto que elas acabam servindo apenas como grandes entraves para a efetivação de um verdadeiro trabalho em rede. Não só no que diz respeito às relações com os Conselhos Tutelares, mas com os mais diversos atores que podem compor a nossa rede intersetorial. Partindo desta constatação, faço a todos nós um convite a reflexão: as nossas críticas têm servido para transformar a nossa realidade? Ou, no momento em que critico, esqueço que sou corresponsável pela realidade na qual estou inserida? E sem mergulhar nessa realidade, sem conhecer de perto os desafios que o meu parceiro – no caso do nosso texto, o Conselho Tutelar – enfrenta, será que é possível a construção de algum trabalho conjunto? Sobre esta questão, Njaine et al (2007) trazem valiosas contribuições: […] para a eficácia da ação em rede são necessários alguns requisitos que se constroem no processo: horizontalidade dos setores; representação de diversas instituições por intermédio de seus líderes; corresponsabilidade de trabalho; divisão de recursos e informações; autonomia das instituições parceiras para decidir, planejar, executar ações que visem à coletividade; capacidade de incorporar novas parcerias e permitir a saída de instituições ou pessoas; e sustentabilidade. Estes aspectos por si sós não garantem um movimento exitoso, mas são ao mesmo tempo pré-requisitos e parâmetros de ação. Os problemas que mais prejudicam o trabalho em rede são: disparidade de compreensão; divergências políticas; vaidades pessoais; conflitos de papéis entre as entidades participantes; rotatividade dos profissionais que atuam nas instituições parceiras; diferentes ritmos de trabalho; e incompatibilidade de quadros referenciais de vida.[iii] Se queremos e precisamos trabalhar com, é necessário inaugurar um novo olhar. É necessário baixar as armas e colocar nossas necessidades individuais em suspenso. Não é só o Conselho Tutelar que tem problemas. O SUAS também os tem. Aos montes. Principalmente neste momento que estamos vivendo, de direitos e políticas ameaçadas. Diante dos problemas, temos dois caminhos: a lamúria e a crítica vazia ou a crítica propositiva que nos auxilia na construção de caminhos e estratégias. Antes de atirar a primeira pedra, visite o Conselho Tutelar do seu município. Mas proponha a si mesmo uma visita diferente. Vá