Bolsonaro e as “pessoas de bem”
Volto a escrever para o Blog depois de muito tempo. É um retorno entristecido, confesso, caso o resultado de amanhã nas urnas se confirme como têm mostrado as pesquisas. Mas o momento não me permite calar neste espaço que é tão importante para mim enquanto profissional e sei que também é para outras centenas de colegas de profissão e de trabalho.
Hesitei em escrever por que como conversar com quem configurou os ouvidos e as ideias para bloquear qualquer defesa dos direitos humanos, da liberdade, da vida igualitária?
Na tentativa de desbloquear e conseguir ser lida/ESCUTADA por quem discordar do meu posicionamento, vou defender o óbvio aqui, mas por que precisamos defender o óbvio? porque o que é obvio para um não é pra outro.
Democracia, direitos humanos, não deveriam ser bandeiras de todo mundo? deveriam, mas não são. Por isso existem leis, tratados e acordos institucionalizados que visam garantir a convivência entre os humanos.
Humanos, deveriam, automaticamente, serem favoráveis a humanidade. Mas não são. Por isso as atrocidades do discurso e ações de Bolsonaro ganharam tanta audiência.
Portanto, assistimos, atônitos, a essa onda de ódio, violência e desprezo pelas leis e por toda política que visa reparar, minimante, os danos sofridos pela população vítima da desigualdade social.
Essa gente, essa escória, esses marginais, se tornam, no discurso do candidato a gerir o país pelos próximos 4 anos, de vítimas a réus a todo instante.
Profissionais do SUAS e outras políticas públicas que votam neste candidato, não compreenderam a gravidade das consequências políticas e sociais, e posso conjecturar que não conhecem do campo que atuam e muito menos fazem alinhamento ético com o preconizado no código de ética da profissão – e só para constar, ser signatário do Código de ética profissional não é opção, é obrigação. Obrigatório porque toda profissão regulamentada, é para servir a sociedade.
Eu me pergunto: quantos desses milhares de servidores públicos que atuam no SUAS, realmente gostariam de estar atuando neste trabalho? quantos acreditam no que fazem? se continuarmos perguntando é bem provável que conseguimos pontuar que muitos dele/as estão pela vaga do primeiro ou única opção de emprego, no momento.
Postular isso não é resignar-me quanto ao que está dado, mas para mostrar que quem está decidindo pelo voto no candidato favorável a tortura e violência, pode estar influenciado pelo maior equívoco plantado pelas grandes mídias e notícias falsas – que todos os males do Brasil é o PT, e que pode estar alienado quanto a sua própria condição de trabalho e profissional. Compreendo o contexto da decisão, mas por isso proponho um desalienar-se. Lembrando que espero que os eleitores de Bolsonaro estão lendo isso daqui
Com o PT, as políticas públicas já estavam aquém do que está proposto na constituição e nas regulamentações de cada serviço e programas, mas não dá para negar que foram décadas de luta e avanço até conquistarmos o que temos hoje. E foi sob a gerência desse governo que se registrou as maiores efetivações do proposto pela CF lá em 88 quanto aos direitos sociais e humanos.
Ao controle social e ao monitoramento e avaliação dos impactos sociais alcançados nos serviços/programas e projetos, com dados fictícios e irreais, deposito minhas maiores críticas. Os municípios fazem de conta que os serviços são continuados e íntegros conforme as normatizações para garantir recurso e o governo federal aproveita dos dados irreais para mensurar o alcance e sucesso de suas políticas. E muitas vezes o campo do controle social são palcos dessas avaliações e chancelamentos, sob o discurso de que é um coletivo com representações paritárias; não são. A voz do governo tem dominado. O resultado só pode ser precarização e ineficácia.
Se temos esse cenário, dá para imaginar o que ele tornará com um presidente avesso ao público alvo dessas políticas?
De onde surgiu essa ideia de salvador da Pátria Amada, é também de onde surgiu a inércia, a irresponsabilidade com a coisa pública e com a cidadania. Surgiu de onde uma massa que se diz contra corrupção é tolerante com a tortura e com o fim de uma cultura de paz e convivência respeitosa com as diferenças.
A dualidade entre o bem e o mal no discurso para justificar a escolha de um candidato-guru perde para os desenhos animados e para os folhetins.
Essa dualidade impede de avançar no debate e no aprimoramento de um sistema político tão falido, mas não detentor de todos os males, como querem fazer a população acreditar com a disseminação da demonização da política.
Imagina que surreal se todos que bradam Brasil, pátria amada, não a corrupção, estivessem genuinamente interessados no coletivo e não na garantia de sua própria prosperação.
Em nome de que esses milhões de eleitores estão escolhendo o lado previamente anunciado como trágico e avesso a tudo o que os direitos humanos pregam como inerentes à vida digna e igualitária? em nome do inominável, dos monstros que habitam cada corpo e que são polidos pela ilusória civilidade. Isso é humano. Nenhuma tragédia humana é da conta de um único homem, é também de milhares de apoiadores ou de tantos outros silenciosos frente a barbárie.
O candidato tem nome, inominável é o alcance e aceitação do eco de seus discursos de ódio e proposições explicitamente alheias à civilização. “As “pessoas de bem” são capazes de matar, agredir e cercear em nome da virtude. O mal com fins e metas virtuosas talvez seja o pior de todos, porque é mais difícil de combater”. (Pág.77 . Karnal, 2017).
O meu Brasil é dos negros, indígenas, pobres, LGBTT, feministas, militantes, ativistas e de todo mundo que nele quer ou quiser viver. Qual é o seu?
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Sugestões de leitura.
“O ódio deitou no meu divã” – https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/10/politica/1539207771_563062.html?rel=mas
Aos indecisos, aos que se anulam, aos que preferem não https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/24/opinion/1540394956_656180.html
Gays, negros e indígenas já sentem nas ruas o medo de um governo Bolsonaro https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/18/politica/1539891924_366363.html
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