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CRAS versus CREAS: que trabalho conjunto é esse?


Por Lívia de Paula

Já havia anunciado em texto anterior “Profissionais do SUAS: Qual a bandeira que nos une?“, que, atendendo à sugestão de uma leitora do Blog, trataria aqui das relações entre os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e os Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS). Esta é a proposta do texto deste mês: iniciar algumas reflexões sobre nosso trabalho nestes equipamentos e sobre como temos feito as interlocuções entre os equipamentos em nossos municípios.

Comecemos pelo básico. O que dizem as normativas do SUAS sobre o que compete ao CRAS e ao CREAS? Vejamos alguns pontos. Segundo a Política Nacional de Assistência Social (PNAS, 2005), a Proteção Social Básica (PSB), a qual é referenciada pelos CRAS, visa a prevenção de situações de risco e o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. Já a Proteção Social Especial (PSE), referenciada pelos CREAS, demanda procedimentos que visem o apoio a indivíduos e famílias que se encontrem fragilizadas e/ou em risco diante de situações nas quais seus direitos foram violados. (PNAS, 2005) De forma bastante sintética, desenhamos então a linha tênue que nos separa e que nos faz repetir inúmeras vezes as perguntas:  houve violação de direitos? É do CREAS ou do CRAS?

Como se o nosso trabalho fosse uma equação matemática, dedicamo-nos a estas perguntas com tanto afinco, esquecendo, por vezes, o nome dos usuários, as peregrinações que eles fazem pelos inúmeros serviços da rede pública (não apenas pelos serviços da Assistência Social) e o desgaste e a revitimização a qual ficam expostos cada vez que contam a sua história para um profissional diferente. A busca por uma resposta objetiva que defina qual equipe tem a obrigatoriedade de acompanhar cada família faz com que nos distanciemos cada vez mais dos objetivos do nosso trabalho.

Não estou aqui negando a necessidade de que cada equipamento saiba o seu papel, suas competências e limites dentro do que é recomendado para a execução do trabalho pertinente ao SUAS. É primordial que as equipes saibam o que lhes compete, fortifiquem-se e trabalhem alinhadas com as orientações da Política de Assistência Social. O que me preocupa é a forma como temos utilizado esta definição de competências.

Em minha percepção, temos dificultado o diálogo e as discussões que poderiam nos levar a um consenso e a efetivação de um trabalho de parceria entre os dois equipamentos. Distanciados dos objetivos do SUAS, corremos sério risco de empobrecer nossa prática, fazendo com que ela se torne mera identificação ou não de violação de direitos, aproximando-nos mais uma vez da lógica policialesca de averiguação, baseada na lógica binária que objetiva as relações entre os indivíduos. Não é raro ouvir de colegas trabalhadores a seguinte afirmativa: se tiver violência comprovada, é CREAS. Do contrário é CRAS. Ao que me ocorre sempre as questões: o que estamos chamando de comprovação de violência? Violência comprovada por quem? E para quê? Quanto tempo a família terá que esperar para ser acompanhada até que seja entendido se houve ou não violência?

Por tudo isso, creio ser urgente que repensemos nossa forma de interpretar a organização que delineia nossa atuação enquanto profissionais da Política de Assistência Social. Não há linha tão rígida que separe prevenção de proteção. Se acaso ela existisse, já a teríamos identificado, tantos são nossos esforços dispensados nisso. O diálogo horizontal entre CRAS e CREAS é o único recurso que pode possibilitar um trabalho efetivo no âmbito do SUAS. O usuário não pode ser de um ou do outro. O usuário é do município. E de todas as políticas públicas do município. Isso implica na construção de fluxos de referência e contrarreferência entre os diversos equipamentos do município, mas especialmente na construção deste fluxo entre os CRAS e os CREAS. De acordo com BATISTA E COUTO,

A referência e a contrarreferência é um sistema onde um serviço articula com o outro levantando importantes informações sobre o indivíduo e trabalhando de acordo com as peculiaridades de cada caso […] Os serviços e atendimentos são complementares, é um processo dialético em constante formação, ou seja, através do diálogo e em contato com a rede, numa troca de informações construindo novos pensamentos, conceitos, saberes e se adequando as [sic] demandas. (p.18)

A complementariedade das ações é algo imprescindível no que diz respeito à nossa atuação frente a demandas tão complexas quanto as que chegam aos nossos equipamentos. Situações de vulnerabilidade, risco iminente, suspeitas de violência são demandas que nos exigem o planejamento e a execução de ações que garantam às famílias a possibilidade de fortalecimento de seus laços e a reorganização das relações entre seus membros. Estando o CRAS no território e conhecendo a realidade daquela população, configura-se como aliado essencial para o trabalho a ser desenvolvido pelo CREAS. Assim como o CREAS pode ser parceiro importante para o CRAS, por conhecer de forma mais aprofundada as violações de direitos vivenciadas pelos indivíduos e famílias que acompanha, auxiliando o CRAS a traçar e efetivar suas estratégias de prevenção destas violações em seu território de referência.

 É nesta relação dialógica que teremos estabelecido o real trabalho do SUAS. Cabe lembrar o que fica também esquecido diante do dilema CRAS versus CREAS: somos parte de uma só equipe, a equipe de Trabalhadores da Política de Assistência Social, e responsáveis, antes de tudo, pela operacionalização dos preceitos que regem a Política. Como equipe do SUAS, precisamos ter um propósito comum, mesmo que os focos dos nossos trabalhos sejam diferentes, no que tange à organização dos serviços. CRAS e CREAS precisam compartilhar seus objetivos e responsabilidades, fazendo com que, de fato, nossa bandeira seja a mesma. Tomando emprestado o lema da 12ª Conferência Estadual de Assistência Social de Minas Gerais, enfatizo que o momento político do nosso país exige que não nos apartemos, que estejamos juntos na defesa do SUAS, pois, mais do que nunca, precisamos “ORGANIZAR, LUTAR e RESISTIR”. Que estejamos unidos em nome daquilo que acreditamos, em nome do protagonismo dos nossos usuários. Que sejamos todos, profissionais de CRAS, CREAS e dos demais equipamentos, a grande equipe do Sistema Único de Assistência Social!

  Referências Bibliográficas:

BATISTA, S.A.; COUTO, E. L. O Processo de Referência e Contra Referência entre as Proteções da Política de Assistência em relação às crianças e adolescentes vítimas de violência física no munícipio de Presidente Prudente. Seminário Integrado. Presidente Prudente, V. 9, nº 9. 2015. Disponível em: http://intertemas.toledoprudente.edu.br/revista/index.php/SeminarioIntegrado/article/view/5175/4927

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Conselho Nacional de Assistência Social. Política Nacional de Assistência Social. Resolução nº 145, de 15 de outubro de 2004. Brasília, 2005.

Veja como citar este texto:  Download do Texto em pdf: CRAS versus CREAS: que trabalho conjunto é esse?

*Lívia de Paula é Psicóloga do CREAS de Itaúna/MG e colabora mensalmente com o Blog Psicologia no SUAS. Para ler os demais textos da Lívia: Clique aqui  

12 respostas para “CRAS versus CREAS: que trabalho conjunto é esse?”.

  1. Avatar de Referência e contrarreferência na Assistência Social – Psicologia no SUAS

    […] do BPS que discorreu de forma leve e precisa a respeito da interação entre CRAS e CREAS: CRAS versus CREAS: que trabalho conjunto é esse? notem que o título contem a palavra versus! […]

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  2. Avatar de Janete Araujo Ramos
    Janete Araujo Ramos

    Acredito que somente a reflexão e a discussão em conjunto, de todos os trabalhadores da Assistência dentro de seu território, poderá fortalecer a Política de Proteção Social.

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  3. Avatar de Roberta Brito
    Roberta Brito

    Boa tarde. Tenho um artigo sobre atendimento psicossocial no Creas. Gostaria de saber como fazer para publicar. É indicação de revistas indexadas para publicação. Desde já agradeço a atenção. Roberta Brito

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    1. Avatar de Rozana Fonseca

      Oi Roberta,
      Favor enviar um e-mail com o texto para psicologianosuas@gmail.com
      Eu que agradeço!

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  4. Avatar de Deusina
    Deusina

    Talvez se considerar vulnerabilidade, risco e violação de direitos de familias e indivíduos, no território, fique mais fácil compreender este contínuo da proteção social básica e especial, de média e alta complexidade, para além dos CRAS e CREAS. Uma rede de serviços benefícios programas e projetos para garantir segurança de renda convivência e acolhida. A situação de dependência em virtude da deficiência e da idade pessoas idosas por exemplo, é um risco por violação de direitos de Cuidados e Cuidadores familiares, tem serviço em Centro Dia, na PSE de média complexidade. A PSB na sua funcao de proteger nas vilnerabilifades, tem servivo no domicílio para Pcd e Idosos. É o SUAS.

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    1. Avatar de Rozana Fonseca

      Isso. Esta divisão por níveis e unidades de oferta é para possibilitar uma gestão e resposta mais eficazes e eficientes à população, mas os cidadãos são de todo mundo, inclusive da saúde, educação e …várias outras políticas públicas pelas quais ele pode circular.

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  5. Avatar de Maria Aparecida Jorge
    Maria Aparecida Jorge

    Olá,Rozana, Lívia, e demais leitores desse BLOG, boa tarde!
    Como sempre gosto bastante de tudo que vocês publicam e utilizo compartilhando com todos das equipes técnicas, mas gostaria de propor a troca de uma só palavra, como uma opinião minha, mas sem retirar nada do texto que está muito bom. Eu trocaria a palavra parceria, para um trabalho sistêmico, consagrando que estamos todos no sistema SUAS, e de forma bem mineira ORGANIZAR,LUTAR E RESISTIR.
    Abraços.

    Cidinha.

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    1. Avatar de Lívia de Paula
      Lívia de Paula

      Olá Cidinha!
      Obrigada por este comentário tão agregador.
      Realmente a proposta é de que todos se posicionem como parte do sistema, e não da forma fragmentada como temos assistido atualmente. Ainda há muito o que avançar!
      Bjo grande!

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      1. Avatar de Rozana Fonseca

        Oi Lívia, acabei respondendo Cidinha sem ler o seu comentário. Realmente é isso, precisam compreender que não tem a opção “NÃO articular”.

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    2. Avatar de Rozana Fonseca

      Oi Cidinha,
      Obrigada por participar aqui!
      Você tem razão, também penso que parceria traz a ideia de que é algo pontual e que depende de boas relações e acaba não reforçando que se trata de uma diretriz da implantação e oferta dos serviços.
      Acredito que é justamente isso que Lívia propôs, mas o uso da palavra deixa essa interpretação.
      O que você acha, Lívia?

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  6. Avatar de Patricia
    Patricia

    Muito bom falar sobre esse assunto que tanto aparece no dia a dia de quem trabalha no SUAS. Hj consigo entender claramente essa fusão, mas no município que trabalho temos dificuldade de fazer com que os técnicos do Cras tenham esse olhar assim tb como a gestão (secretária) que sempre quer separar os usuários e não compreende que qdo esse usuário chegou até o Creas é pq talvez algo falhou no caminho dessa família e pq não amarrar todo o serviço e fazer com essa familia se sinta acolhida pelo SUAS? A gestão algumas vezes atrapalha muito nosso trabalho qdo quer apenas vê números de Cras e Creas

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Comentários