Compartilho com vocês um texto que produzi com as reflexões que nortearam minha palestra no VI Coegemas BA “Teorias e práticas no SUAS: reflexões e desafios para a atualidade” – (tema da mesa). Minha participação foi a convite da presidente do Colegiado, Leísa Souza, que é psicóloga e gestora de Assistência Social (a qual agradeço a oportunidade de participação e debate). O Encontro aconteceu no dia 30/01 em Feira de Santana com o tema: CONSOLIDANDO O SUAS NA BAHIA – FORTALECENDO CONHECIMENTOS E TROCANDO EXPERIÊNCIAS.
Vamos ao Texto:
“Teorias e práticas no SUAS: reflexões e desafios para a atualidade”
A psicologia tem um papel importante na política de assistência social, pois favorece os processos de subjetivação dos indivíduos em contato com as concretas ações de acesso a direitos sociais e políticos. Vale salientar também que concomitante a este processo, a identidade da psicologia e dos profissionais está sendo transformada e ganhando novas conotações. Quais conotações, identidades? Ainda temos muito chão para percorrer, mas sabemos que passa por uma construção de uma psicologia inventiva e capaz de se posicionar ética e politicamente, estando interligada aos fenômenos sociais, para os quais foi chamada a intervir.
Como estamos acostumados a pensar a psicologia? Quando ouvimos essa palavra, o som nos remete ao mental, ao intrapsíquico, ao comportamento, ao desajustado socialmente. Está errado? Não, mas essa não é a psicologia para o SUAS. Esta é psicologia da clínica, do psicodiagnóstico. Esta, que é a bagagem profissional de muitos ainda no espaço público, traz ranços graves como uma intervenção acrítica e a-histórica. Portanto, é urgente ultrapassar as linhas rígidas e lineares presentes na formação do psicólogo.
Qual é seu papel? É a psicologia que vem acolher e dar voz aos usuários do SUAS. Qual é o nosso maior instrumento de atuação? A ESCUTA, é o “fazer” FALAR (favorecer o processo de comunicação para que o sujeito possa se expressar por ele, pela e com a família e pelo coletivo). Isso não é pouco, digo que a escuta qualificada é primordial para o alcance das metas qualitativas dos serviços com as famílias, crianças, adolescentes e idosos, enfim com o público do SUAS. Mas o que me garante esta escuta qualificada? a atuação embasada numa perspectiva sócio-histórica e crítica frente as consequências da desigualdade social. É saber que “as pobrezas” de uma família e a de um território – as quais temos a meta e a pretensão de modificar, é resultante de um processo de várias gerações anteriores. A pobreza para nós, fundamentalmente, não é a absoluta, mas sim a relativa. O nosso foco de intervenção são todos os seus emaranhados e nós dados ao longo das gerações, para que persistissem até hoje.
Escuta qualificada é considerar o posicionamento de uma família diante de várias recusas das oportunidades oferecidas. Ela tem direito de escolha, a pobreza não deve ser um fator neutralizante para escolhas. E se o indivíduo não “aceita” realizar um curso do Pronatec ele não deve ser considerado preguiçoso, conformado com a condição precária de vida. Se pararmos diante dessas escolhas, aparentemente equivocadas ou propagarmos este discurso, estamos apenas validando perversamente um estigma contra os sujeitos e suas famílias pobres. Tem tempo para ele aderir e querer transpor barreiras e agarrar as oportunidades? Não. E talvez, o impacto social dessa política será colhido na próxima geração dessa família. E isso não dá o direito de questionarmos a condição subjetiva desse sujeito, muito menos corroborar com discursos preconceituosos. Outro papel do psicólogo, é trabalhar e favorecer a evidência das potencialidades dos sujeitos e do território. É a parte mais difícil, pois o nosso olhar impregnado de pré conceitos [mais uma vez consequência de uma formação a-histórica e acrítica] onde nos foi dito que pobreza é sinônimo de comodismo e que eles são infelizes, violentos, como se para ser feliz e ser cidadão de bem precisasse morar bem, ter trabalho fixo e ter uma escolaridade razoável. Muitas vezes eles se sentem impotentes mesmo. Foi o que ouviram a vida toda ao serem culpabilizados pela condição de pobreza. É aí que entra o psicólogo, trabalhar esses aspectos da subjetivação sendo agentes causadores de transformações e não reprodutores de discursos depreciantes. A atenção para isso não é bobagem, porque agimos e sofremos ação dos processos de formação de subjetividade. Acredito que para conseguir essa criticidade, o profissional precisa quebrar velhos conceitos e se imbuir de conhecimento transversais e se responsabilizarem diante do “não saber fazer”, porque o “não saber fazer” é justamente uma convocação para a construção de algo novo. Então, o psicólogo atuará na dimensão subjetiva dos indivíduos que vivenciam, há gerações, as mazelas consequentes das desigualdades sociais que ditam os comportamentos assujeitados dos usuários do suas. Vejam que a psicologia precisa romper o tecnicismo, a operacionalização rígida e tarefeira da política para garantir espaços de escuta almejando mudanças significativas na dinâmica da família. Lutemos por caminhar ao lado da família e não a sua frente, senão a frustração e a falta de resultado serão mais um peso atribuído à família e não a nossa falta de expertise ou ao nosso excesso de tarefa.
Obrigada pelo convite, Leísa e por me provocar a tecer essas reflexões!
Rozana Fonseca
Maravilhoso texto! Obrigada pelas reflexões , encorajador !
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Obrigada, Daniela!
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